Os negros nos protestos antidemocráticos. Por Cidinha da Silva
Nas manifestações seletivas contra a corrupção no país, pessoas negras são notadas pela ausência coletiva e pela presença pontual, como pingos de café no leite. Pingos amargos de lembrança dos lugares subalternizados que ainda ocupamos nessa sociedade.
O caso da negra babá e do casal branco com dois filhos (cuidados por ela) e um cachorro (cuidado por eles), celebrizado na manifestação carioca, é bastante elucidativo.
Existem outros tantos trabalhadores negros presentes, além das babás, a saber: vendedores de cachorro-quente, pipoca, água, cerveja, guloseimas regionais como acarajé, tucupi, tapioca, amendoim e côco queimado, a depender da cidade.
Mas veremos principalmente mulheres, crianças e homens negros arrebentando a coluna no abaixa-levanta do recolhimento das latinhas de bebida para aferir um dinheiro parco com a reciclagem de rejeitos.
Haverá também policiais negros risonhos para o selfie com os manifestantes brancos e “ordeiros” que, pela frente, os tratarão como seres humanos ou heróis.
Pelas costas, porquanto as “pessoas de bem” revisitem os registros fotográficos, dirão coisas como: “olha o imbecil achando que é gente” ou “olha o macaco mostrando as canjicas”! Pois só os imbecis acham possíveis as alianças com os racistas.
Não nos esqueçamos do laborioso serviço de limpeza urbana composto por mulheres e homens negros responsáveis pela coleta de lixo, varrição e lavagem das ruas pós-manifestações. Ali, os negros serão abundantes.
Além das trabalhadoras e trabalhadores negros que prestam serviços diversos nas micaretas da oposição verde e amarela, veremos figuras negras esparsas, rabiscos de imperfeição e deslocamento nas telas de saudação nazista, nos grupos que espancam certos brancos porque têm cara de petistas ou vestem roupas que os identificam como “revolucionários de esquerda”, na visão da extrema direita.
Não são inocentes, outra vez, são imbecis úteis. Serão os primeiros a ouvir o “coloque-se no seu lugar”; “volte para sua insignificância” ou, “sabe com quem você está falando”?, tão logo se achem “iguais” em demasia. Assim o racismo opera.
Negros zelosos da própria segurança física evitarão passar perto das manifestações de direita, pois sabem que só os negros da casa grande são bem vindos. Os demais, quaisquer outros, podem ser espancados até a morte. Nesse sentido, o uniforme branco das babás negras as protege ao demarcar que são serviçais naquele ambiente, não mulheres negras fora de lugar.
Cidinha da Silva, mineira de Belo Horizonte, é escritora. Autora de “Racismo no Brasil e afetos correlatos” (2013) e “Africanidades e relações raciais: insumos para políticas públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil” (2014), entre outros.
Artigo publicado originalmente em http://www.diariodocentrodomundo.com.br/os-negros-nos-protestos-antidemocraticos-por-cidinha-da-silva/