Pagode na Cobertura. Por Zuggi Almeida
O grupo de pagode do cabeleireiro Valdir teve uma ascensão meteórica alcançando as paradas musicais das rádios populares e estourado nas festas de paredões nos finais de semanas.
Em menos de um ano de carreira, a barbearia do subúrbio ficou para trás e Vado Bom Molejo descobriu o mundo do sucesso, da felicidade; felicidade e mulheres bonitas ao seu redor.
Influenciado por um corretor de imóveis oportunista, Vado Bom Molejo aceitou a sugestão do aluguel da cobertura duplex de um prédio no bairro do Itaigara. Jamais tinha passado pelo imaginário do jovem da periferia ser artista famoso e trocar a moradia no bairro distante para se instalar na zona nobre de Salvador.Enfim, não iria mais ouvir queixas do motorista da produção ao levar o artista até a casa, em Paripe.
O alicerce da carreira musical de Vado foi construído no bairro de gente simples, e o pagodeiro concluiu o ensino fundamental à duras penas. Logo,o jovem aprendeu a prática do oficio de cabeleireiro intercalado pelos estudos de cavaquinho nos horários de falta de clientes. Os primeiros shows ocorreram em bares e festas de Paripe. Num domingo na praia de São Tomé, Vado Bom Molejo conheceu a musa que incentivou ele seguir na carreira musical.
Jaqueline era o nome da moça negra abençoada por um metro e setenta e cinco centímetros de altura, esses distribuídos por curvas e saliências num belo corpo. Jackie era a imagem perfeita da deusa da sensualidade capaz de enlouquecer qualquer mortal comum. A preta sonhava colocar seus dotes artísticos como dançarina do grupo de Vado, sem obter êxito. Ele preservava Jaqueline e preferia não correr certos riscos.
Contrato do aluguel foi firmado com o devido aval do produtor. Vado Bom Molejo logo tratou de mudar-se para a nova moradia, não sem antes marcar com amigos um churrasco com pagode acompanhado dos mergulhos na piscina da cobertura. No sábado seguinte e tudo estava organizado com cavaquinho e pandeiro afinados, a picanha na brasa, a cerveja bem gelada e o samba no gogó.
Três andares abaixo da cobertura de Vado, os ouvidos desacostumados da dona Mirthes, mulher do síndico não conseguiam entender a amplitude daquela felicidade superior, logo, enviou o marido, Dr. Avelino Pacheco em missão de reconhecimento e interdição daquela farra.
Pacientemente, o Dr. Pacheco vestiu uma bermuda, uma camiseta e calçou os chinelos e foi até à cobertura. Chegou, tocou a campanhia, logo a porta foi aberta e um músico surpreso e gratificado, exclamou;
– Dr. Pacheco! Que prazer, o senhor por aqui? Pode entrar, a casa é sua. Vivinha, veja quem tá por aqui!
Maior foi a surpresa do síndico. Quase desespero.(Pausa)
Dr. Avelino Pacheco, clínico geral atendia num posto médico fo mesmo bairro onde morou o músico. Avelino era médico conceituado naquela comunidade, atendendo todos com a maior dedicação com atenção especial dedicada à Viviane, irmã caçula de Jaqueline. Vivinha era o motivo dos constantes plantões dominicais do Dr. Pacheco em Periperi.
Vivinha trouxe uma caipirosca e enrroscou-se no pescoço do amante.O pagode continuava agora animado por uma presença ilustre.Dr. Pacheco sentado num sofá estava lívido. Era a bebida mais amarga de toda a sua vida.
A esposa do doutor estranhando a demora do marido e percebendo que a algazzara não fora interrompida decidiu subir até a cobertura onde acontecia o pagode.
Dona Mirthes chega até a porta e toca a campainha.Seu Valter, pai de Vado abre a porta e mais uma surpresa.Era outro convidado especial.
Seu Valter fica regozijado.(Pausa)
– Estelinha, meu bem. Como você descobriu isso aqui? Entre minha filha. Venha conhecer os meninos da banda do meu filho.
D. Mirthes Pacheco tinha compromisso de nas segundas-feiras ir para sessões de terapia com um renomado psicanalista de Salvador. O tratamento era substituído por alegres vesperais na Visgueira do Berto, reduto do arrocha no bairro da Ribeira. Estelinha era seu codinome. Valter, o viúvo, seu parceiro de baile e cama.
Estelinha entrou e foi apresentada a todos. Jamais tinha visto o doutor Avelino Pacheco em sua vida.
Mais uma caipirosca, dessa vez para Dona Mirthes e o samba ficou mais animado.
Avelino Pacheco e Mirtes Pacheco sentados em poltronas opostas na sala não se enxergavam.
Fabí Pacheco era o exemplo da adolescente adorada por todas as famílias do edifício onde morava. O bom comportamento acompanhado das excelentes notas nos estudos. As pesquisas sobre mitologia grega associada às aulas de violino faziam de Fabí, a nora perfeita em tempos desregrados de sexo, drogas e rock´n roll. Fabiana estava teclando na internet quando ouviu a mãe resmungando do barulho e sair decidida a acabar com a zueira no edifício. Fabiana fica intrigada pela demora e vai em buscas dos pais.A campainha mais uma vez foi acionada.
Valmar, irmão do pagodeiro e assistente de palco do grupo vai até a porta e abre.O mundo caiu.
– Fabi, cachorrona. Quem deu o alô pra você, nega? Chega aí piriguete.Estava feito o convite.( Pausa )
Fabiana Pacheco era celebridade nas festas de paredões e Valmar era mais um dos caras que ela “pegava” na fuzarca. Há muito tempo a rotina de patricinha de shopping tinha sido substituída por deliciosas aventuras no Bonde das Cachorras no subúrbio.
Foi servida mais uma caipirosca.
Avelino e Vivinha; Mirthes e Valter; Fabí e Valmar.A vida tinha programado o mais inusitado, constrangedor e improvável encontro numa tarde do sábado em Salvador
Há mais de dez anos que os Pachecos não se reuniam para um churrasco em família.
Zuggi Almeida é baiano, escritor e roteirista.