Partilha vai exigir uma “nova” Petrobras por Cláudia Schüffner e Francisco Góes
A exclusividade sobre a operação do pré-sal prevista no projeto de lei que
institui a partilha de produção no Brasil vai exigir mudanças expressivas na
Petrobras, que também vai receber uma "injeção" de capital na forma
de 5 bilhões de barris de petróleo, algo como metade das atuais reservas
provadas do país. O pré-sal vai aumentar o tamanho da companhia e seu
presidente, José Sergio Gabrielli, vê desafios enormes, entre os quais a
criação de uma cadeia de fornecedores, a mudança no modelo de gestão e de organização
da empresa. Gabrielli admite, inclusive, que se estuda a criação do cargo de
vice-presidente, tese que não é unânime na empresa.
O número de empregados pode aumentar, mas não é possível saber hoje em
quanto. "O modelo de ocupação das plataformas, das unidades de produção,
não pode ser o mesmo da bacia de Campos", afirma. Na entrevista, Gabrielli
defendeu o novo modelo do setor, que segundo ele não vai provocar fuga de
investidores estrangeiros, e a capitalização da Petrobras. Para ele, os privilégios
para a companhia, entre eles a de ser operadora única do pré-sal e a
capitalização, se justificam pelo alinhamento dos interesses da Petrobras e do
seu acionista majoritário, a União. "A empresa e o país se
fortalecem."
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: A Petrobras já sabe quanto precisa investir para ser
operadora única do pré-sal?
José Sergio Gabrielli: Impossível responder. São 107 mil quilômetros
quadrados de pré-sal não concedido e não se sabe a velocidade em que as áreas
serão colocadas em processo competitivo. Não se tem conhecimento suficiente
para responder essa pergunta.
Valor: Hoje a companhia tem um horizonte de planejamento de cinco
anos. Com 30% do pré-sal, ela não perde o controle sobre sobre seus
investimentos uma vez que desconhece que áreas serão licitadas?
Gabrielli: O CNPE [Conselho Nacional de Política Energética] é que
vai definir, ouvindo o Ministério de Minas e Energia que será instruído pela
ANP [Agência Nacional do Petróleo]. O CNPE e o governo vão considerar a
velocidade de colocar essas áreas levando em conta o comportamento das reservas
e a possibilidade da indústria nacional atender as demandas de conteúdo local.
Valor: É a indústria que vai ditar o ritmo?
Gabrielli: Isso é chave porque o limite hoje está na capacidade de
produção. O limite do pré-sal não é financeiro, não é tecnológico, não é de
gestão. O limite é a velocidade que a cadeia de fornecedores terá para fornecer
o que é necessário para o pré-sal. Isso não só no Brasil, no mundo. A
velocidade de desenvolver o pré-sal vai depender fortemente da capacidade da
indústria nacional se organizar para produzir isso, ou a indústria mundial, mas
de preferência a nacional.
Valor: Quais projetos virão primeiro?
Gabrielli: Para dar um exemplo, temos hoje 14 bilhões de reservas (no
Brasil) e temos de 10,6 bilhões a 16 bilhões de barris recuperáveis em Iara,
Tupi, Guará e no Parque das Baleia. O investimento aí, até 2020 é de US$ 111
bilhões para produzir 1,8 milhão de barris por dia até 2020. Vamos sair da
produção atual, de 2 milhões de barris/dia para 1,8 milhão a mais só dessas
áreas. Vamos dobrar a produção, o refino vai crescer 1,3 milhão de barris por
dia. Isso já é muito grande. Portanto, a velocidade do pré-sal além disso vai
ser muito determinada pela capacidade de produção de sondas, de barcos de
apoio, árvores de natal molhadas, de flowlines, de infraestrutura para entrega
de suprimento, de gente para operar esses sistemas. É isso que vai limitar o
crescimento.
Valor: O modelo fechou o mercado para a Petrobras e agora vamos
esperar a indústria?
Gabrielli Não fechou o mercado para a Petrobras. A Petrobras vai ser
operadora com o mínimo de 30% do investimento. Hoje a ANP já exige um mínimo de
30% para ser operador. E no Golfo do México, em 97% dos blocos, o operador tem
mais de 30%; e na África, em 85% dos blocos o operador tem mais de 30%. É
prática da indústria o operador ter mais de 30% porque assim dá confiança aos
sócios de que o operador está comprometido. Ele não é uma empresa de serviços
que vai gerir e ganhar uma taxa. Ele está comprometido com o investimento, o
risco está lá.
Valor: Os fornecedores não gostaram de ter a Petrobras como
cliente único.
Gabrielli: Eu tive reunião com Abdib, Ademi, Abimaq e com o IEDI, com
mais de 200 fornecedores na semana passada. Eles percebem que existe uma
gigantesca oportunidade de crescimento porque a Petrobras tem 23% da operação
de águas profundas do mundo. A segunda (ExxonMobil) tem 14%. A Petrobras é
disparadamente a maior compradora de sondas, de risers flexíveis, de árvores de
natal molhada. No mundo ela é a maior, note bem, não só no Brasil. E onde é que
você tem grandes descobertas nesse momento no mar? No Brasil. Portanto, ter uma
operadora para um fornecedor não é muito problema porque a escala é
fundamental. Alguém vai colocar um estaleiro aqui para fazer uma sonda, um
navio? Não, mas para fazer 10 navios ele pode. Ninguém vai fazer uma fábrica
aqui para fazer um compressor, mas pode fazer para vender 150.
Valor: E resposta da indústria…
Gabrielli: A indústria levanta uma questão muito importante, que são
os custos sistêmicos – a condição de acesso ao mercado de capitais do Brasil
que é diferente da de outros países, a diferença da estrutura tributária
brasileira, a infraestrutura. Ou seja, a necessidade de uma política industrial
ampla para a cadeia de fornecedores da indústria de petróleo e gás.
Valor: E vai ter?
Gabrielli: O BNDES e o governo estão formulando. Não é a Petrobras
que vai fazer isso.
Valor: Vamos ter importações mesmo com a preferência para o
fornecedor brasileiro?
Gabrielli: Claro. Não vai dar para fazer tudo aqui. Tem coisas que
não tem nem escala nem condições de fazer no Brasil. Nós dividimos muito
claramente nossos produtos em três grandes famílias. Aqueles em que não precisa
fazer nada para a competição brasileira; aqueles nos quais dificilmente a
produção brasileira pode substituir no médio prazo a produção internacional; e
aqueles em que é necessário algum fomento. Por exemplo, um equipamento
sofisticado e de alta tecnologia que não vai ter escala, não tem sentido fazer no
Brasil.
Valor: E qual é o papel da Petro-Sal? Ela vai investir, poderá ser
sócia?
Gabrielli: Há uma confusão aí. A Petro-Sal não vai investir. O modelo
diz que para produzir um barril é preciso 100% de investimento. E 30% desse
investimento será bancado pela Petrobras e 70% pelos outros sócios. Não tem
Petro-Sal aí. O investimento, 100% dele, será bancado pela Petrobras e sócios.
A Petro-Sal não vai ganhar petróleo tampouco. Vai viver de taxa de
administração dos contratos de petróleo e dos contratos de comercializaçã
Ela vai viver de taxas. A receita do petróleo da União vai para o Fundo Social.
A Petro-Sal vai estar sentada no comitê operacional sem investir.
Valor: E como o governo vai poder participar diretamente da
produção?
Gabrielli: O governo poderá, eventualmente, decidir investir. E aí
nesses casos, que são excepcionais, o veículo para esse investimento é a
Petro-Sal. Mas para gerir esse investimento, e nesse caso a receita do governo
e o investimento serão do Fundo Social. A Petro-Sal é um veículo. A função da
Petro-Sal não é investir. Ela não será operadora, não vai competir com a
Petrobras e nem terá funções de exploração e produção. A função da Petro-Sal é
baixar ao máximo o custo do óleo. A Petro-Sal vai ficar no nosso cangote.
Valor: Como o senhor vê a crítica do IBP de que talvez esse modelo
não atraia as empresas?
Gabrielli: Eu acho que a diferença fundamental não é o que o IBP está
chamando a atenção. Eu tive uma reunião muito proveitosa com o IBP na
sexta-feira, e nessa reunião ficou claro que temos diferentes opiniões. Na
nossa opinião a grande diferença desse para o outro modelo é que os ganhos
potenciais de "upside", ou seja, de avaliação para cima da capacidade
produtiva de determinada área, na concessão é do concessionário. E na partilha
isso é repartido entre as empresas e o governo. Então, consequentemente, se há
uma expectativa de que vai haver potenciais de ganho pelo avanço do
conhecimento, você partilha mais esse ganho com a União. Por outro lado, como a
partilha é em óleo e o risco de preço também é alto, acaba também sendo
compartilhado com a União. Se o preço é alto o número de barris para remunerar
o custo é menor.
Valor: Há quem fale em fuga de investimentos.
Gabrielli: Se você tem acesso às reservas a atração continua. Não
acredito que haverá fuga de empresas do Brasil. Por outro lado, a mudança do
marco regulatório tem uma sabedoria fantástica do governo Lula que é o fato de
os contratos atuais serem intocáveis. O que mostra a regularidade e a
continuidade das regras, o que é muito importante para a indústria.
Consequentemente, eu não acredito que o problema fundamental seja o fato da
Petrobras ser ou não operadora. O problema fundamental é que você terá uma
repartição distinta da atual dos ganhos potenciais de "upside".
Valor: O pré-sal da partilha será produzido quando?
Gabrielli: Primeiro a lei tem que ser aprovada, o que deve acontecer
só no primeiro semestre de 2010.
Valor: Qual a importância da nova regulação para a Petrobras?
Gabrielli: O fato de a Petrobras ser operadora única é uma gigantesca
fonte de informações e conhecimento para o crescimento de longo prazo de
qualquer empresa de petróleo. Em segundo lugar, o fato de a Petrobras ser
capitalizada com o volume de recursos previsto dá a ela musculatura para enfrentar
a situação de ser uma das maiores empresas de petróleo do mundo. Em terceiro
lugar, a Petrobras, por ser empresa com grande parte de sua receita obtida no
Brasil, tem na integração com o mercado brasileiro um fator fundamental para a
riqueza e o crescimento da empresa. E o compromisso com o desenvolvimento
brasileiro é vital para ela enquanto empresa. Portanto, há um claro alinhamento
dos interesses da Petrobras e do acionista controlador da empresa. A empresa e
o país se fortalecem.
Valor: Quais são os desafios para a Petrobras?
Gabrielli: Vejo desafios enormes. O primeiro é a montagem da cadeia
de suprimentos e as alianças estratégicas com fornecedores de recursos críticos
porque isso pode ser fundamental no desenvolvimento da produção. O segundo é a
mudança no modelo de gestão e na organização da empresa. Ela está estruturada
para um determinado tamanho, mas vai crescer muito e terá que mudar a roupa.
Valor: Como?
Gabrielli Terá que redefinir processos decisórios, estrutura
gerencial, o conceito de unidade de negócios, redefinir a maneira como faz o
processo de decisão. Terá que usar mais padronização e simplificação de seus
projetos.
Valor: Quantos funcionários ela vai precisar ter?
Gabrielli: Não sei. Mas não pode ser projeção linear. O modelo de
ocupação das plataformas, das unidades de produção, não pode ser o mesmo da
Bacia de Campos. Entre outras coisas porque [o pré-sal] está a 300 quilômetros
de distância. Ele vai ser mais desabitado, ter mais automatização e sistemas
submersos. Vai ter outro modelo.
Valor: O que o senhor pode dizer sobre aqueles poços do pré-sal
listados no Banco de Dados de Exploração e Produção da ANP?
Gabrielli O fato de ter menos sucesso exploratório no aprofundamento
de poços em produção (no pós-sal) não quer dizer nada. O aprofundamento de
poços do pós-sal (para atingir os reservatórios mais profundos no pré-sal) pode
ter taxa de sucesso exploratório menor do que os poços diretamente locados para
o pré-sal. Por isso se afirma que na Bacia de Santos temos 100% de sucesso
exploratório e nos 31 poços temos 87%.
Valor: E sobre a capitalização da Petrobras qual a avaliação?
Gabrielli A Petrobras vai aumentar o capital, uma operação típica de
mercado de capitais. A Petrobras vai anunciar uma emissão privada de ações na
qual só os acionistas da empresa vão poder exercer seus direitos. Nessa emissão
todos os acionistas poderão comprar as ações na proporção de suas
participações. Todos terão direito de recomprar as ações sobrantes, mas isso
ainda não está definido. Os acionistas vão pagar as ações em uma determinada
data que será fixada no processo, aprovada pela assembleia geral da Petrobras e
pela CVM. A operação vai se concluir trocando dinheiro ou títulos por ações.
Simultaneamente a essa operação de compra de ações, haverá outra transação
chamada de cessão onerosa dos direitos de exploração, que vai ter uma valoração
dos 5 bilhões de barris. O direito de exploração dos 5 bilhões de barris serão
comprados pela Petrobras, que pagará por esse direito os títulos que a União
nos deve. Então no mesmo dia o título vai sair do Tesouro e voltará para o
Tesouro.
Valor: O título não será encarteirado?
Gabrielli: Os títulos não serão encarteirados. A União pode fazer [a
capitalização] com títulos porque ela tem um ativo que vai vender no mesmo dia.
Valor: O valor da capitalização referente aos 5 bilhões de barris
vai depender do quê?
Gabrielli: Vai depender da localização e da capacidade de produção
dos reservatórios.
Valor: E se não achar 5 bilhões?
Gabrielli: Estamos falando do direito de exploração de 5 bilhões de
barris. Se furar e achar mais que 5 bilhões, a diferença é da União. Se
encontrar 4,995 bilhões, a União terá que dar mais 5.
Valor: A avaliação é de que não há equilíbrio porque o governo
pode usar título e os demais acionistas terão que pagar em dinheiro.
Gabrielli: O governo vai usar títulos e vender direito de exploração
que só ele tem. O acionista vai colocar o apartamento dele, a fábrica dele? Se
botar ativo real é outra coisa, vai botar dinheiro. O título é só a unidade de
pagamento. O título não tem efeito nenhum sobre a dívida pública. Ele vai sair
e entrar no Tesouro Nacional no mesmo dia. Será cancelado.
Valor: E se a capitalização não for concluída por alguma razão?
Gabrielli: Se o preço do petróleo ficar em torno de US$ 65 não
precisamos de capitalização para os projetos que nós temos.
Valor: E será preciso fazer a unitização antes para capitalizar a
Petrobras com 5 bilhões de barris?
Gabrielli: Não necessariamente. A capitalização pode até não ser com
áreas unitizáveis. Pode ser, mas não necessariamente. O que está escrito na lei
é que são áreas contíguas, que podem ser unitizáveis ou não. Porque contíguas?
Porque elas são mais conhecidas que áreas distantes.
Artigo publicado originalmente no Valor EcoNõmico de 10 de Setembro