Aldeia Nagô
Facebook Facebook Instagram WhatsApp

Petrobrax para iniciantes por Leandro Fortes

5 - 7 minutos de leituraModo Leitura

Eu estava mesmo querendo falar sobre essa incrível cruzada ao
fundo do poço que a oposição, PSDB à frente, decidiu empreender contra a
Petrobras, justo no momento em que a empresa se posiciona como uma das grandes
do planeta.






Sim, a inveja é uma merda, todo mundo sabe disso, mas mesmo a mais
suntuosa das privadas tem um limite de retenção. Como não se faz CPI no Brasil
sem um acordo prévio com publishers e redações, fiquei quieto, aqui no meu
canto, com meus olhos de professor a esperar por um bom exemplo para estudo de
caso, porque coisa chata é ficar perdido em conjecturas sem ter um mísero
emblema para oferecer aos alunos ou, no caso, ao surpreendente número de
pessoas que vem a este blog dar nem que seja uma olhada. Pois bem, esse dia
chegou.

Assinante do UOL há cinco anos, é com ele que acordo para o
mundo, o que não tem melhorado muito o meu humor matutino, diga-se de passagem.
De cara, vejo estampada, em letras garrafo-digitais, a seguinte manchete:

Petrobras gastou R$ 47 bi sem licitação em seis anos

Teca, minha cocker spaniel semi-paralítica, se aninha nos meus
pés, mas eu não consigo ficar parado. Piso nas patas traseiras dela, mas,
felizmente, ela nada sente. A dedução, de tão lógica, me maltrata o ânimo. Se
tamanha safadeza ocorreu nos últimos seis anos, trata-se da Era Lula,
redondinha, do marco zero, em 2003, até os dias de hoje. Nisso, pelo menos, a
matéria não me surpreende. Está lá:

"Desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
a Petrobras gastou cerca de R$ 47 bilhões em contratos feitos sem licitação,
informa reportagem de Rubens Valente, publicada na Folha desta
quarta-feira"

Pá-pá-pá. Preto no branco. Tiro à queima roupa. Um lead
jornalístico seco como biscoito de polvilho. Desde que chegou ao Planalto, Lula
deixou a Petrobrás gastar 47 bilhões de reais em contratos sem licitação.
Vamos, portanto, à CPI. Nada de chiadeira. Demos e tucanos, afinal, têm razão.
Bilhões delas. Dane-se o Pré-Sal e o mercado de ações. Quem for brasileiro que
siga Arthur Virgílio!

Mas, aí, vem o maldito segundo parágrafo, o sublead, essa réstia
de informação que, pudesse ser limada da pirâmide invertida do texto
jornalístico, pouparia à oposição tocar a CPI sem o constrangimento de ter que
bolar malabarismos retóricos em torno das informações que se seguem. São elas,
segundo a Folha On Line:

Amparada por decreto presidencial editado por Fernando
Henrique Cardoso em 1998 e em decisões do STF (Supremo Tribunal Federal), a
petroleira contratou sem licitação serviços como construção, aluguel e
manutenção de prédios, vigilância, repasses a prefeituras, gastos com advogados
e patrocínios culturais, entre outros. O valor corresponde a 36,4% do total de
gastos com serviços (R$ 129 bilhões) da petroleira de janeiro de 2003 a abril
de 2009.

A prática não começou com Lula. Somente entre 2001 e 2002,
sob a administração de Fernando Henrique (PSDB-SP), a petroleira contratou
cerca de R$ 25 bilhões sem licitações, em valores não atualizados.

Parem as rotativas digitais! Contenham as massas! Abatam os
abutres! Como é que é? Volto à minha sala de aula imaginária (só poderia ser,
porque hoje eu nem dou aula). Vamos fazer uma análise pontual do texto
jornalístico, menos pelo estilo, impecável em sua dureza linear, diria até
cartesiana, mas pela colocação equivocada das informações. Depois caem de pau
em cima de mim porque defendo a obrigatoriedade do diploma. Vamos lá:

1) Na base da pirâmide invertida, há uma informação que deveria
estar no lead e, mais ainda, no título da matéria. Senão, vejamos. Se entre
2001 e 2002 a Petrobras gastou 25 bilhões, "em valores não atualizados" (???),
em contratos sem licitações, logo, a matéria deveria começar, em seu parágrafo
inicial, com a seguinte informação: "Nos últimos oito anos, a Petrobras gastou
R$ 72 bilhões (R$ 47 bilhões + R$ 25 bilhões, "em valores não atualizados") em
contratos sem licitações. Então, CPI nessa cambada! Mas que cambada? Sigamos em
frente.

2) O mesmo derradeiro parágrafo informa que a "prática" se
iniciou "sob a administração" de Fernando Henrique Cardoso, aquele presidente
do PSDB. Aliás, reflito, só é "prática" porque começou com FHC. Se tivesse
começado com Lula, seria bandalha mesmo. Mas sou um radical, não prestem
atenção em mim. Continuemos a trabalhar dentro de parâmetros técnicos e
jornalísticos. Logo, a CPI tem que partir para cima do PT e do PSDB. Um pouco
mais em cima do PSDB. Por quê? Explico.

3) Ora, até eu que sou jornalista e, portanto, um foragido da
matemática, sou capaz de perceber que se a Petrobrax de FHC gastou R$ 25
bilhões (em valores não atualizados!) em contratos sem licitação em apenas dois
anos, e a Petrobras de Lula gastou R$ 47 bilhões em seis anos, há um desnível
de gastos bastante razoável entre um e outro. Significa, por exemplo, que FHC
gastou R$ 12,5 bilhões por ano. E Lula gastou R$ 7,8 bilhões por ano. Ação,
segundo a reportagem da Folha, "amparada por decreto presidencial editado por
Fernando Henrique Cardoso, em 1998, e em decisões do STF (Supremo Tribunal
Federal)". Poderia até acrescentar que a Petrobras vale no mercado, hoje, R$
300 bilhões, e que valia R$ 54 bilhões quando FHC deixou o governo. Mas é
preciso manter o foco jornal

4) Temos, então, uma lógica primária. Com base em uma lei de
FHC, amparada pelo STF, a Petrobras tem feito contratos sem licitações, de 2001
até hoje. A "prática" é irregular? CPI neles! Todos. Mas, antes, hora de
refazer o título e o lead!

Petrobrás gastou R$ 72 bi em contratos sem licitação, em oito
anos

Desde 2001, durante o segundo mandato do presidente Fernando
Henrique Cardoso (PSDB), até abril deste ano, a Petrobras gastou cerca de R$ 72
bilhões em contratos feitos sem licitação. Os gastos foram autorizados, em
1998, por um decreto presidencial assinado por FHC e, posteriormente, amparados
por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Entre 2001 e 2002, a empresa,
sob administração tucana, gastou R$ 25 bilhões em contratos do gênero, em
valores não atualizados, uma média de R$ 12,5 bilhões por ano. No governo Lula,
esses gastos chegaram a R$ 47 bilhões, entre 2003 e abril de 2009, uma média de
R$ 7,8 bilhões anuais.

Bom, não sei vocês, mas eu adoro jornalismo. Em valores
atualizados, claro.

Artigo publicado originalmente em http://brasiliaeuvi.zip.net/

Compartilhar:

Mais lidas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *