Plano Nacional de Direitos Humanos. Vá na fonte por Cláudio Lembo
Uma grande celeuma. Por pouco. O Governo Federal editou nos últimos dias de
dezembro – mais precisamente no dia vinte e um daquele mês – extenso e estranho
documento.
Estranho por indicar, com grandiloqüência, processo que se desenvolve
continuamente, graças à instauração da democracia nos anos oitenta. A sua
evolução é normal, apesar de núcleos reacionários contrários.
Este documento legal denomina-se PNDH-3. É o terceiro Programa Nacional de
Direitos Humanos. Arrola temas comuns nos debates acadêmicos e presentes nos
meios de comunicação.
Aqui e ali, utiliza linguagem marcada por uma deformação ideológica oriunda dos
anos 60. Isto, porém, não incomoda. Indica, apenas, que seus autores, um dia,
procuraram ser agentes da utopia.
Ora, quem lê, sem preconceitos, o documento presidencial constatará que ele
enfoca temas que, necessariamente, deverão ser abordados pela sociedade e,
depois, analisados pelo Congresso Nacional.
Em uma sociedade com conflitos sociais latentes, onde poucos dominam, pelas
mais diversas formas, a grande maioria, preservando-a em situação alarmante,
apontar temas para o debate é essencial.
Claro que alguns tópicos arrolados, no documento, à primeira vista, se
assemelham descabidos. O uso de símbolos religiosos em recintos públicos da
União, por exemplo.
A tradição cultural brasileira sempre aceitou – sem contestação, ainda porque a
imensa maioria da sociedade pertencia a uma única religião – a afixação de
símbolos religiosos em locais oficiais de trabalho.
Hoje, a formação da sociedade alterou-se. São inúmeras as confissões religiosas
e as novas crenças que se acresceram ao cenário social do País. Antes que
conflitos surjam, é bom que um Estado laico trate do tema.
Outros assuntos versados também parecem extravagantes. A verdade, no entanto,
que eles permeiam a sociedade, apesar de alguns poucos quererem vê-los como
descabidos.
Examinem-se alguns poucos. A situação das prostitutas no contexto social.
Marginalizadas. Usadas como objetos. Repudiadas como seres fora da normalidade.
Posição anti-social inaceitável.
A questão da homo-afetividade, já tratada por muitos países, inclusive pelos
seus parlamentos – como aconteceu na última semana na Assembléia da República
portuguesa – e na penumbra por aqui.
Há temas que causam aflição e desconforto permanente. Nem por isto não devem
ser trazidos à tona e debatidos, a partir das inúmeras posições religiosas e
visões, morais.
A eutanásia não pode ser esquecida. Até onde vai a vontade de familiares e
médicos em manter a vida vegetativa? É moral manter a vida de quem se encontra
condenado pela plena falência biológica?
O aborto criminalizado pela nossa lei penal e, assim, levando, particularmente,
à mulher todo o ônus da condição humana, deve ser cinicamente omitido entre os
problemas da sociedade?
Claro que estes assuntos, no campo moral, sempre causam repulsas. Nem por isto,
porém, devem deixar de ser examinados e debatidos pela sociedade. Permanecer
estagnados é que se mostra grave.
No campo político, o documento legal mostra-se limitado. Quer analisar o Estado
Novo e os acontecimentos de 1964. Bom e oportuno. Mas violência ocorre no
Brasil desde 1500. A colonização foi um ato de força.
São tantas e tão diversas as questões inseridas no Terceiro Programa Nacional
dos Direitos Humanos que se torna difícil uma análise mais abrangente de seu
conteúdo.
Contudo, oportuno notar que sua formatação não contém nenhuma força coercitiva.
Trata-se apenas de um roteiro para futuros exercícios de cidadania.
Os professores, acostumados a ler os trabalhos contemporâneos de seus alunos,
constatarão que o documento parece produto de uma tarefa própria de um
exercício de informática.
Origina-se de uma longa atividade de coleta de dados, sem que isto aponte para
qualquer vício cometido pelos seus autores. Na verdade eles foram a trabalhos
concretizados pela União Européia, ultimamente.
Antes, contudo, nos anos sessenta, os temas consolidados mereceram grande
explicitação nas universidades norte-americanas e, por aqui, em vários
organismos privados de pesquisa e extensão.
O melhor, no caso do decreto n. 7.037, de 21 de dezembro de 2009, é o acesso ao
texto integral pelo cidadão responsável. Faça este a sua própria análise do
documento.
Ganham os direitos humanos, afastam-se as interpretações facciosas. Não ouça
terceiros. Vá à fonte. É melhor e mais seguro.
*Cláudio Lembo é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do
Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador.
Fonte: Terra Magazine