Aldeia Nagô
Facebook Facebook Instagram WhatsApp

Policarpo e a impunidade da mídia por Miguel do Rosário

4 - 6 minutos de leituraModo Leitura

O mais irônico nas pressões da mídia e oposição para derrubar o texto de Odair Cunha, relator da CPI do Cachoeira, é que o cheiro de pizza se desprende justamente daqueles que acusam a CPI de terminar em pizza. Todos aqueles que vociferam diuturnamente contra a “impunidade” dos poderosos chancelaram submissamente a impunidade de um jornalista mancomunado com uma quadrilha de criminosos.

Acho, porém, que houve injustiça contra o PT nas acusações de “covardia”. A legenda ficou isolada na CPI em sua disposição de convocar Policarpo Júnior, jornalista da Veja. O partido é minoritário na comissão. Não só isso. O PT tem carregado praticamente sozinho, entre os partidos, com exceção do PCdoB, a bandeira da regulação da mídia.

Entretanto, independente do relatório, a CPI reuniu vasto material a ser entregue ao Ministério Público e à Polícia Federal.

(Nota publicada hoje na coluna de Ilimar Franco, no Globo).

Neste link, você encontrará uma lista de todos os documentos recebidos pela CPI.

O PT já foi covarde, isso sim, durante o governo Lula. Agora está bem mais desenvolto, e aprovou diversos documentos com críticas muito contundentes aos meios de comunicação. O recuo de Odair Cunha, ao tirar Policarpo da lista, só aconteceu porque o texto deve ser, necessariamente, negociado com os membros da CPI para ser aprovado. E a maioria era contra.

Não é questão de covardia, portanto, e sim de momento político. A mesma coisa vale para uma suposta Lei da Mídia, tão necessária ao aperfeiçoamento da nossa democracia, mas infelizmente tão distante de ser defendida e aprovada pelo Congresso Nacional.

Não se pode confundir maioria governista no Congresso com domínio imperial sobre o parlamento. O Executivo só tem maioria enquanto propor leis e reformas que não conflitarem com os interesses e as ideias dessa maioria. Isso é democracia, vale para o bem, vale para o mal.

Eu vejo as pessoas falando: ah, o governo tem maioria no Congresso, então porque não aprova isso ou aquilo? Ora, o governo só pode aprovar matérias previamente negociadas com os parlamentares. Não sei como é na Argentina, onde aprovaram a Ley dos Medios, mas aqui no Brasil temos um parlamento voluntarioso e autônomo, e a ideia de propor regulamentação da mídia não me parece popular, ainda, entre a maioria. Ao contrário, há uma fila de congressistas, governistas ou não, querendo emprego como lobista da mídia. Trabalham até de graça, apenas em troca de elogios em cadeia nacional.

Na Inglaterra, após dois meses de trabalho, a comissão que investigava o caso de Rupert Murdoch concluiu ser necessário ampliar a regulação da mídia inglesa. A sugestão de criar uma entidade independente para regular a imprensa britância conta com apoio de 79% da população, segundo pesquisa. Aliás, essa é a grande diferença entre lá e cá, esse apoio da população à uma lei mais rígida. Ao contrário do que acontece no Brasil, as classes médias e altas da Inglaterra estão, nesse momento, propensas a aceitar maior controle sobre os meios de comunicação, em virtude das circunstâncias. Mesmo assim, não é ponto morto. 

O Primeiro Ministro, que havia feito um discurso em favor da criação de órgão independente, recuou e acaba de se declarar contrário qualquer aumento de regulação externa ou estatal sobre a mídia britânica. Segundo o The Guardian, Cameron dará um ano para que as próprias empresas de mídia aprimorem o sistema de auto-regulação vigente hoje no país. Existe, na Inglaterra, um órgão formado pelos próprios meios, para monitorar e coibir os abusos da mídia; é o Conselho de Reclamações da Imprensa, PCC na sigla em inglês. Um comentarista do The Guardian disse que Cameron terá de provar ao público que não é um puddle dos barões da mídia inglesa.

O que acontece na Inglaterra, embora tenha relação com o que ocorre no Brasil, não tem a explosiva conotação política que vemos por aqui. Os ingleses querem regular o sensacionalismo chulo, que expõe intimidades de qualquer pessoa com base numa suposta liberdade de expressão. A nossa situação é bem mais grave. Temos uma mídia infinitamente mais concentrada, mais poderosa, mais traiçoeira do que talvez jamais se viu no Reino Unido, e que se consolidou justamente num período de exceção. O cartel midiático que hoje se especializa em produzir crises é um rebento malcriado e sem caráter do regime militar.

O novo escândalo de corrupção nos altos escalões da república, envolvendo nomes como o de José Weber Holanda, o segundo na hierarquia da Advocacia Geral da União (AGU), Rosemary Noronha, chefe do gabinete da República em São Paulo, e diretores de agências reguladoras, chegou numa hora bastante apropriada para a oposição, porque coincide com o fim do julgamento do mensalão. Ou seja, um escândalo pode ser engatado no outro. Além disso, o vazamento dos emails de Rosemary permite à imprensa criar tantas histórias forem necessárias. 

Saberemos detalhes de cada viagem internacional de Rose. Páginas e mais páginas sobre suas cirurgias plásticas, conversas pessoais, vida social e planos de futuro. Qualquer telefonema, para qualquer pessoa, empresa ou instituição, será relatado como coisa muito suspeita. Enfim, ela é o alvo porque se pode chegar, através dela, no ex-presidente Lula, o qual jamais será perdoado pela mídia por tê-la feito engolir uma fragorosa derrota em São Paulo.

Lembremos, porém, que a correlação de forças está mudando. A partir de 2013, teremos um Brasil mais avermelhado, com a entrada de milhares de prefeitos e vereadores de esquerda em pequenas e grandes cidades, a começar por São Paulo. Se eu fosse Haddad, me preparava desde já e começava a montar um gabinete digital de qualidade, que lhe permita receber e transmitir informações, fazer a defesa política de seus projetos e, sobretudo, reagir aos ataques violentos que seguramente receberá da oposição midiática.

Artigo publicado originalmente em http://www.ocafezinho.com

Compartilhar:

Mais lidas