Aldeia Nagô
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Política, preconceito e religião vitaminam intolerância por Marcelo Semer

4 - 6 minutos de leituraModo Leitura

Não
se pode dizer, ainda, que as agressões da Paulista que vitimaram gays,
tiveram motivação homofóbica. Infelizmente não seria nenhuma novidade.


Faz
tempo temos convivido com extremismos discriminatórios, que vez por
outra transbordam para o noticiário policial. Nordestinos, mendigos,
índios e homossexuais estão entre as vítimas preferenciais de operações
de limpeza étnica ou expressões de pura arrogância.
Mas mesmo entre
aqueles que não agridem, é de se notar que a intolerância e a
discriminação têm alcançado índices alarmantes. Que o digam as violentas
manifestações no twitter, culpando nordestinos pelo resultado da
eleição.
Por pouco, a coisa não piora.
Recentemente soubemos que
no começo de agosto grupos neonazistas preparavam manifestação em
homenagem a Rudolf Hess, condenado à prisão perpétua por crimes contra a
humanidade, dos quais, aliás, morreu dizendo jamais se arrepender.
Denúncia
de anarquistas ao Ministério Público paulista desarticulou a passeata
que até então vinha sendo preparada em grupos de discussão na Internet,
defensores do "orgulho branco".
Os neonazistas chamam Hess de
"mensageiro da paz", mas as mensagens que eles mesmos produziam, entre
louvações a Hitler e ao poder branco, estavam repletas de afirmações
discriminatórias a "anarcos, judeus, pretos e comunistas".
As
comunidades afirmam: "somos brancos nacionalistas; há milhares de
organizações promovendo os interesses, valores e heranças dos
não-brancos. Nós promovemos os nossos".
Lembrar o nazismo parece um absurdo de alucinados saudosistas da barbárie.
Mas
o tom do recente manifesto "São Paulo para os Paulistas" não destoa
muito destas palavras de reverência ao "orgulho branco".
Trocados
migrantes por judeus e paulistas por arianos, a idéia de "defender o que
é verdadeiramente nosso", tipicamente paulista, sem mistura, não está
longe daquela que alavancou o nazismo, tenham eles consciência ou não
disso.
O documento que circulou pela web se afirmou anti-racista e
contra o preconceito. Mas está fincado, basicamente, na idéia de
"soberania do paulista em sua terra".
Os migrantes, sobretudo
nordestinos, são acusados de promover bagunças, invasões de propriedade e
ocupar empregos dos paulistas, com a mesma contundência que se vê nos
grupos xenófobos europeus em relação a árabes e africanos.
"A grande
maioria dos crimes, violências e fraudes, está relacionada a
migrantes", sustenta o abaixo-assinado, sendo estes, ainda, os que "mais
se apoderam dos serviços públicos".
A campanha, para além de
glorificar o "orgulho paulista", propõe absurdas limitações no uso de
serviços estatais e acesso a cargos públicos, a serem restritos aos da
terra. A migração deveria ser revertida, apregoam, lembrando que "os
migrantes possuem altíssima taxa de natalidade e ocupam espaços que
pertencem ao povo paulista"; ademais, "promovem arruaças em transportes
públicos, saciam a fome e impõem seus costumes aos bandeirantes".
A
xenofobia não é nada nova, mas foi recentemente vitaminada por uma
campanha eleitoral repleta de desinformação e despolitização.
Durante
a eleição presidencial, muitos foram os analistas que atribuíam uma
possível vitória de Dilma a seu desempenho no Nordeste. Ouvimos ad nauseam
tais comentários, insinuando um país eleitoralmente dividido, além do
preconceito enrustido sob a crítica da eleição ganha por intermédio de
favores aos mais pobres.
Os números foram severos com esses
argumentos, pois Dilma venceu expressivamente no Sudeste e teria sido
eleita mesmo sem os votos do Norte e Nordeste. Mas a impressão de um
país rachado entre cultos e incultos, Sul e Norte, já havia conquistado
muitos corações e mentes na elite paulista.
Afinal, como dizia
Sartre, o inferno são os outros. São eles que responsabilizamos por
nossos fracassos, porque é custoso demais atribuir os erros a nós
mesmos.
A tática do vale-tudo e a adesão desesperada à estratégia
típica dos ultraconservadores norte-americanos, de trazer a religião
para os palanques, ou levar a política para os cultos, estimulou ainda
uma nova rodada de preconceitos.
Não bastasse a questão do aborto
ter sido tratada como ponto central da disputa, religiosos exigiam dos
candidatos rejeição ao casamento gay e a não-criminalização da
homofobia, instrumentos que apenas aprofundam a discriminação pela
orientação sexual.
Os níveis diferenciados de crescimento das
regiões mais pobres, a ascensão social provocada pelos mecanismos de
transferência de renda, a ampliação da classe média e a redução da
sensação de exclusividade são, paradoxalmente, condimentos para a
evolução da intolerância.
Tradicionalmente os momentos de mobilidade social são tão sensíveis quanto aqueles de depressão.
Que saibamos evitar no crescimento a intolerância de que sempre soubemos desviar nos momentos de crise.

Marcelo Semer é
Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a
Democracia. Coordenador de "Direitos Humanos: essência do Direito do
Trabalho" (LTr) e autor de "Crime Impossível" (Malheiros) e do romance
"Certas Canções" (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo.

Artigo publicado originalmente em: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4794583-EI16410,00-Politica+preconceito+e+religiao+vitaminam+intolerancia.html

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