Por que não podemos amar nosso Presidente? por José Pedro Goulart (*)
Lá pelas tantas, no filme Sangue Negro, o Daniel Day
Lewis fala sobre si: "Sou muito competitivo"
não adianta, é preciso que os outros fracassem".
Bela síntese. Especialmente em
época de eleições. Essa semana, aliás, saiu uma pesquisa mostrando o Lula com
altos índices de aprovação. O povão diz que a vida melhorou a partir dele e o
leva na confiança. Lula, sem dúvida é um populista, matreiro, esperto – essas
coisas que ouvimos aqui e ali às pencas, eu mesmo já escrevi assim. Mas agora me
dê licença para o risco, o risco de uma declaração de afeto por um político: eu
também quero me associar nesse clube de amor.
E digo mais, já que é para
arriscar: muitos brasileiros posudos não confessam mas também amam secretamente
o presidente, até mesmo aquele colunista da Veja – que o ódio recorrente não me
engana e nada mais é no caso do que a vontade reprimida de abraçar e rolar com o
sapo barbudo na rua, na chuva, na fazenda, ou numa casinha de sapé.
E
porque não? Por que não podemos amar nosso presidente? Por que não podemos ter
nosso Kennedy? Nosso Roosevelt? Ou nosso Churchill? Afinal, nunca se viu na
história desse país um sujeito como ele. "Ah, mas o cenário mundial ajudou",
dizem os críticos. Ou: "ele nada fez, exceto continuar o que o FHC começou". E
por aí vai.
Salve a democracia. Aos histéricos, porém, indico a releitura
do primeiro parágrafo. A verdade é que o Lula enfrentou uma resistência que
poucos enfrentaram. A resistência da tal "elite branca", que é formada por
empresários abonados, jornalistas graduados, posseiros em geral, togados
empedernidos, generais de quatro divisas e coronéis sem patente; enfim, los
dueños de la pelota. Mas apesar disso, do nariz torcido, das pequenas e grandes
sabotagens, o cara tem governado com consciência e habilidade. E com uma
inesperada elegância. Ou não?
Pensei nisso quando, para meu espanto, li
nos jornais críticas intriguentas de toda ordem ao ótimo discurso do Lula na
ONU. Ou quando vejo os empresários, que andam rindo sozinhos, fazerem
reclamações ligeiras, só para não perderem a pose. Há um certo esnobismo nisso.
O pessoal letrado insiste em sonegar do Lula o afeto que lhe é
devido.
Ok, recomenda-se cautela com políticos: há sempre uma chance de
enterrarem nosso coração na curva de um rio de lama. Mas, por uma melhor
auto-estima nacional; pela diminuição da nossa famosa síndrome de vira-latas,
quem sabe a gente possa admitir (aceitar) nosso amor pelo presidente do
Brasil?
Fonte: Terra Magazine
*José Pedro Goulart é cineasta e
jornalista