Por uma Comissão da Mentira! por Marco Aurélio Weissheimer
Já
que a verdade causa tanto desconforto no Brasil, que se crie logo a
Comissão da Mentira, o instrumento definitivo para "enterrar" (um termo
muito adequado ao caso) qualquer revanchismo, a palavra mais repetida
na imprensa brasileira nos últimos dias.
Há
uma saída simples, barata e eficiente para sepultar (palavra
adequadíssima, no caso) a polêmica criada pela proposta de criação de
uma Comissão da Verdade, destinada a investigar casos de tortura e
desaparecimentos ocorridos durante a ditadura militar. Já que a verdade
causa desconforto e urticária no Brasil, que se crie a Comissão da
Mentira, o instrumento definitivo para enterrar (outra palavra muito
adequada ao caso) qualquer revanchismo, a palavra mais repetida na
imprensa brasileira nos últimos dias. Já que a verdade ameaça a
democracia, e ninguém quer ameaçar a democracia, que se crie logo a
Comissão da Mentira. O país dormirá mais tranqüilo.
Como disse o editorial do jornal O Globo,
de 31 de dezembro, é preciso dar um basta a essas reiteradas tentativas
de revanchismo. E o prefeito de Curitiba, Beto Richa (PSDB), do alto de
sua sabedoria e compromisso com a democracia, advertiu a nação
brasileira em um antológico artigo intitulado "Retrocesso e Anarquia":
não há como julgar os torturadores sem julgar os terroristas que
pegaram em armas contra o governo dos generais. Tanto a direção de O Globo
quanto o prefeito de Curitiba dormiriam mais tranqüilos com a criação
da Comissão da Mentira. Ela se encarregaria, por exemplo, de enterrar
as versões de que as principais empresas de comunicação do país
apoiaram o golpe militar que derrubou o governo constitucional de João
Goulart e, depois, se beneficiaram economicamente com o gesto. E quem
disse que houve tortura no Brasil? Os militares estavam defendendo a
democracia contra terroristas, lembrou o prefeito tucano, já afinado
com o espírito da Comissão da Mentira.
Quem quer saber disso? O
que interessa para a população saber que os principais jornais e TVs do
país apoiaram a ditadura militar? Puro revanchismo! Foram coniventes
com a censura, com prisões ilegais, tortura e desaparecimento de
prisioneiros políticos? Revanchismo inaceitável!!! Casos de tortura?
Não se preocupem! A Comissão da Mentira se encarregaria de não "recriar
uma zona de turbulência já superada pela sociedade brasileira", como
disse o editorial de O Globo.
Há um candidato certo para
presidir tal comissão: o incansável ministro da Defesa, Nelson Jobim.
Ele se encarregaria de trazer para o caminho da mentira aqueles que
estão perdidos em busca da verdade, esta coisa desagradável e incômoda.
Figuras como o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar
Britto, para quem "o Brasil não pode se acovardar e querer esconder a
verdade". O presidente da OAB acredita ainda que "anistia não é
amnésia". Pois bem, a Comissão da Mentira resolveria essas angústias,
transformando anistia em amnésia, verdade em covardia e qualquer outra
transmutação que seja necessária para livrar o pobre povo brasileiro de
zonas de turbulência, como nos alertou O Globo.
A
verdade, nos lembrou Beto Richa, pode nos trazer retrocesso e anarquia.
Quem quer isso? Turbulência, revanchismo, anarquia, retrocesso…Quem
inventou essa história de Comissão da Verdade deveria ser preso e
acusado de crime hediondo. Lula deve rever o decreto, como ordenou O
Globo. A verdade não é uma alternativa, enfatizou. É preciso arrancar a
mentira da verdade, nem que seja à força. Contra todo o revanchismo,
que se institua logo a Comissão da Mentira. O Brasil não pode se
acovardar e querer conhecer sua história. Isso seria inaceitável, ou,
como diria outro possível candidato a presidir a comissão, uma vergonha!
Marco Aurélio Weissheimer é editor-chefe da Carta Maior (correio eletrônico: gamarra@hotmail.com)
Artigo publicado originalmente em http://www.cartamaior.com.br