Publiquem hoje, antes que prendam o Lula, por Armando Coelho Neto
“Seria sonho? Sonhamos juntos. Comemos juntos sonhos de valsa”, diz meu conterrâneo Alceu Valença. Falar de sonho e doçura é muito importante para começar um texto amargo. Volto um pouco aos tempos em que eu ainda lia a Folha e parei de ler quando da farsa da invasão no Governo Collor.
Falo dos tempos nos quais eu ainda assistia TV Globo, até vê-la como corroedora de cérebros. Melhor mesmo foi tentar ajudar fazer cópias do então proibidíssimo documentário “Muito Além do Cidadão Kane”, cuja cena final é cara do Roberto Marinho coberta de baratas.
Nenhuma das razões esgotam meu repúdio aos dois veículos golpistas. Voltei no tempo para lembrar que a TV Globo engajou-se para derrotar o então candidato Lula à presidência da República, e Lula realmente perdeu. Meu breve e ex-professor na ECA/USP, Ricardo Kotscho, escreveu, salvo engano na tal Folha, um belo texto intitulado “Valeu Nego Veio”. Ele estaria se despedindo do jornal, com uma bela crônica sobre o nosso Dom Quixote (Robin Wood?). Kotscho, sem me conhecer, publicou meu extenso comentário.
Só estive com Lula (de perto) por duas vezes. Numa delas, um dezembro ele já eleito presidente, fui apresentado por um dos seus assessores que mais tarde tornou-se “meu informante” para assuntos sindicais, quando eu era presidente da Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal. Lula, muito safo, evitou fotos comigo. Olhava para os lados, para cima, fazia qualquer coisa para que foto não se tornasse publicável. Quando chegamos à Brasília, entreguei-lhe um exemplar de “Rádio Comunitária Não é Crime – Direito de Antena: o espectro eletromagnético como um bem difuso”, já na versão “livro” – minha dissertação com nota máxima na Escola Superior do Ministério Público de São Paulo.
Tenho críticas à Lula, mas talvez nunca as faça. Não posso ser confundido com os abutres que o denigrem. Mas, lamento que nem Lula nem qualquer assessor tenha lido meu trabalho. Nele, estava a semente daquilo que poderia ser um contraponto de seu governo. As perseguidas rádios comunitárias poderiam ser sua voz junto às bases, um instrumento que antecederia a explosão da internet. Se não fosse um antídoto, seria um contraponto para os ataques que viria a sofrer do coronelismo eletrônico da TV Globo e seus asseclas.
Enquanto José Sarney concedeu 1028 emissoras (quase todas para políticos) e Fernando Henrique Cardoso prorrogou às turras as concessões que lhes eram convenientes, o “Nego Veio”, em curto tempo, permitiu que um conluio entre grandes emissoras, Anatel e Polícia Federal mais fechasse pequenas emissoras do que abrisse. Em depoimento na Câmara dos Deputados, denunciei que até carro alugado por particulares foram usados para servir as operações da PF. Respondi processo por isso e não sei o que o Ministério Público Federal fez com as provas.
Naquele “livro” mostrava a importância do rádio junto às comunidades, que a perseguição era (ainda é) ilegal e abusiva. A solução estava no campo da política. No Direito, a lei específica revoga a geral; a lei posterior revoga a anterior. No caso das rádios, a lei era específica e posterior. Mesmo assim prevalecia a leitura do coronelismo eletrônico e para tanto, apelavam para o terrorismo, dizendo que pequenas emissoras derrubavam avião. Ah, se Sadan Hussein soubesse disso!!
Se os militares (1964) entregaram lista de “comunistas” até ao padre do subúrbio onde me criei, “com os nomes dos que seriam pendurados nos postes da vila”; se ocuparam até as mercearias do interior da Bahia e Cabrobó (PE); se ensinaram Sarney e Fernando Henrique a governar, nosso Quixote entregou-se aos “Moinhos de Vento”. Brincou de Deus, como diz Ciro Gomes ou se permitiu ser Sancho Pança em seu ímpeto de justiça, enquanto governador. Afinal, “mudar o mundo não é utopia é questão de justiça” (Quixote/Cervantes).
Quanto respeito nutro pelo ex-presidente! Não tenho um tostão roubado em meu bolso. O que Sérgio Moro e os Marinhos pensam de Lula não me abalam. A moral e os valores são circunstanciais e a vida é gerundial. Em São Paulo, o elevado Costa e Silva virou João Goulart. A roda gira e a ex-suprema corte (assim mesmo com letra minúscula, arrr!) que o diga. Que valor pode ter um julgamento cristão para um muçulmano? Qual o valor de uma sentença proferida em dois minutos, não é mesmo Sérgio Moro?
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-represntante da Interpol em São Paulo
Artigo publicado originalmente em http://jornalggn.com.br/noticia/publiquem-hoje-antes-que-prendam-o-lula-por-armando-coelho-neto#content