” Que lugar é esse! Estou no feitiço……” Por Sergio Siqueira
Nesse processo de transição, arrumar as gavetas depois de anos é delícia,você vai encontrando coisas do arco da velha, de 10-15-26 anos atrás, tempo já de TV. Achei agora duas entrevistas longas de mais de 15 anos atrás com Carlinhos Brown e um compilado de um
pequeno livro de 120 páginas que tinha esboçado sobre o seu pensamento no período da gestação de grandes projetos : Timbalada, Bolacha Maria, Lactomia, Guetto Square, Camarote Andante, Alfagamabetizado, Pracatum, Zarabés…, era um tempo de mais emoção do que mercado e estivemos juntos em muitos projetos.
Conversamos sobre muitas coisas e suas respostas rápidas, vindas não sei de onde, em geral surpreendiam. Seu aprendizado é de rua e do mestre Pintado, que como ele disse lhe deu a grande lição, o “Caché Cachaça” que ele tinha que se valorizar e com a percussão que ele estava tocando, não podia aceitar qualquer coisa.
“(…) cultura Sérgio, vem de culto, cultuar. Cultuar a família , o ancestral, respeitando o bisavó, mas de olho na evolução do bisneto”
Noutra página tinha também uma pergunta que lhe fiz sobre a resposta dele a um jornalista que lhe perguntou sobre o mercado internacional e ele respondeu que o mercado internacional era o Candyall e tinha razão, aquela altura da vida estava todo mundo conectado.
“(..) É, e não é o Candyall como única coisa. O mercado internacional é a sua casa, porque hoje o mundo tem trafego de todo mundo.'(…)
Estava numa das páginas : a Bahia tem que apostar na cultura como a grande fonte de sobrevivência como estado, já não tínhamos bancos, Telefônica, redes de supermercados baianos ….etc. O orçamento para a cultura deveria ser um dos mais altos , pelo simples fato dela ser o vetor que mais poderia trazer recursos para essa cidade, que tem tradição, patrimônio ,cultura diversificada e paisagens, sendo páreo com qualquer cidade europeia.
Stefan Zweig, um dos mais famosos escritores da primeira metade do século XX, que tem busto no Porto da Barra, se espantou quando aqui esteve nos anos 30 e disse :
” (…) a Bahia é para o Novo Mundo o que para nós europeus são as metrópoles milenárias, o que para nós são Atenas, Alexandria e Jerusalém:um santuário da civilização.(…) só pelas suas pedras e ruas se compreende a História do Brasil (…).
Na arrumação achei também uma poesia de Armando Visuette, artista panamenho que aqui morou, que me tinha sido dado pelo escritor Lula Afonso. Espantado como Zweig, só que 40 anos depois, já nos anos 70, ele exclamou:
“ESTOU NO FEITIÇO ” como se dissesse essa cidade não pode ser real .
Voltando ao papo com Brown sobre se entender que o ponto forte da Bahia era ser uma TERRA CULTURAL , pelos atributos que ela tem , ele concordou dizendo que a Bahia era natural, era como a Disneylândia com a diferença que você nunca vê o Mickey.
Na hora disse porra ! Disneylândia é foda, mas compreendi, éramos uma Disneylândia natural, estava tudo ali, não precisava montar, não precisava gastar fortuna para ganhar fortunas. Nas esquinas já a postos uma grande culinária, do porto a Itapuã praias deslumbrantes , a floresta de Brotas, patrimônio histórico em cada canto e arte a todo vapor , o mais alto grau da condição humana, como disse Tom Zé, alcançado quando um baiano retado assustou o mundo, que voltou admirado o olhar para o Brasil, como se dissesse: Que esse país esse , que só exportava matéria prima, de repente está exportando arte ? Era a bossa nova entrando com tudo no mercado americano..
“(…) Salvador é como uma Disneylândia onde você nunca vê o Mickey. É a cidade natural do planeta, uma cidade vocacionada para o turismo.(…)”
Os anos passaram, a floresta de Brotas foi derrubada, metade das praias estão poluídas (dá para recuperar-alô Embasa), as encostas com a vegetação que deslumbrou os viajantes foram invadidas e favelizadas ( que pelo menos seus esgotos não sejam jogados in natura na baía de Todos os Santos), mas a luz no final do túnel continua acesa. Salvador tem um patrimônio histórico invejável e o DNA cultural único está no baiano, um povo já nem negro, nem branco, nem índio, mas de grande maioria mestiça. É possível Salvador voltar a ser imaginário do mundo de novo, porque sempre tem baianos levando a Bahia pro mundo e trazendo o mundo pra Bahia..
Caymmi-Jorge Amado-Glauber-João Gilberto-Anísio Melhor- Edgard Santos- Gregório de Mattos- Castro Alves – Neguinho do Samba – Olodum – Ilê – Caetano- Gal – Bethânia – Tom Zé – João Ubaldo – Lázaro Ramos – Othon Bastos – Wagner Moura – Carlinhos Brown – Capinam – Emanoel Araújo – Rogério Duarte – Milton Santos – Mateus Aleluia – Roberto Mendes – Assis Valente- Carlinhos Brown – Ivete Sangalo – Daniela Mercury – Margareth Menezes -Riachão – Mario Cravo – Popó – Raul Seixas- Mãe Menininha do Gantois – Moraes Moreira – Novos Baianos- Dona Canô – Elsimar – Irmã Dulce – Filhos de Gandhi Baiana System – Armandinho Dodô e Osmar e por ai vai e vai ………………………………..