Aldeia Nagô
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“O homem não aceita mais ficar triste” – entrevista do professor e médico psiquiatra Miguel Chalub

5 - 7 minutos de leituraModo Leitura

Compartilho com os amigos do portal essa entrevista do professor e
médico psiquiatra Miguel Chalub, dada a Adriana Prado na "ISTOÉ" número
2115 dessa semana.


O médico aponta o uso desnecessário de remédios para curar simples
tristezas. Aponta também lobby da indústria farmacêutica como má
influência e médicos mal informados ou despreparados como cúmplices. No
fundo parece que a busca humana pela felicidade (prazer negativo ou
positivo) encontra uma nova "solução". E quer solução mais moderna que
uma pílula? Só se fosse por download mesmo.

"Uma das maiores autoridades brasileiras em depressão, o médico diz
que, hoje, qualquer tristeza é tratada como doença psiquiátrica. E que
prefere-se recorrer aos remédios a encarar o sofrimento.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) prevê que a depressão será a
doença mais comum do mundo em 2030 – atualmente, 121 milhões de pessoas
sofrem do problema. Para o psiquiatra mineiro Miguel Chalub, 70 anos,
há um certo exagero nessas contas. Ele defende que tanto os pacientes
quanto os médicos estão confundindo tristeza com depressão. "Não se
pode mais ficar triste, entediado, porque isso é imediatamente
transformado em depressão", disse em entrevista à ISTOÉ.

Professor das universidades Federal (UFRJ) e Estadual do Rio de
Janeiro (Uerj), ele afirma que os psiquiatras são os que menos receitam
antidepressivos, porque estão mais preparados para reconhecer as
diferenças entre a "tristeza normal e a patológica". Mas o despreparo
dos demais especialistas não seria o único motivo do que o médico chama
de "medicalização da tristeza". Muitos profissionais se deixam levar
pelo lobby da indústria farmacêutica. "Os laboratórios pagam passagens,
almoços, dão brindes. Você, sem perceber, começa a fazer esse jogo."

Leia alguns trechos da entrevista:

ISTOÉ – Por que tantas previsões
alarmantes sobre o aumento da depressão no mundo?
Miguel Chalub – Porque estão sendo computadas situações humanas de
luto, de tristeza, de aborrecimento, de tédio. Não se pode mais ficar
entediado, aborrecido, chateado, porque isso é imediatamente
transformado em depressão. É a medicalização de uma condição humana, a
tristeza. É transformar um sentimento normal, que todos nós devemos ter,
dependendo das situações, numa entidade patológica.

ISTOÉ – Por que isso aconteceu?
Miguel Chalub – A palavra depressão passou a ter dois sentidos.
Tradicionalmente, designava um estado mental específico, quando a
pessoa estava triste, mas com uma tristeza profunda, vivida no corpo. A
própria postura mostrava isso. Ela não ficava ereta, como se tivesse
um peso sobre as costas. E havia também os sintomas físicos. O aparelho
digestivo não funcionava bem, a pele ficava mais espessa. Mas, nos
últimos anos, a palavra depressão começou a ser usada para designar um
estado humano normal, o da tristeza. Há situações em que, se não
ficarmos tristes, é um problema – como quando se perde um ente querido.
Mas o homem não aceita mais sentir coisas que são humanas, como a
tristeza.

ISTOÉ – A que se deve essa mudança?
Miguel Chalub – Primeiro, a uma busca pela felicidade. Qualquer coisa
que possa atrapalhá-la tem que ser chamada de doença, porque, aí,
justifica: "Eu não sou feliz porque estou doente, não porque fiz opções
erradas." Dou uma desculpa a mim mesmo. Segundo, à tendência de achar
que o remédio vai corrigir qualquer distorção humana. É a busca pela
pílula da felicidade. Eu não preciso mais ser infeliz.

ISTOÉ – O que diferencia a tristeza normal da patológica?
Miguel Chalub – A intensidade. A tristeza patológica é muito mais
intensa. A normal é um estado de espírito. Além disso, a patológica é
longa.

ISTOÉ – Os médicos não deveriam entender este processo?
Miguel Chalub – Os médicos não estão isentos da ideologia vigente. O
que acontece é: você vem ao meu consultório. Eu acho que você não está
deprimido, que está só passando por uma situação difícil. Então,
proponho que você faça um acompanhamento psicoterápico. Você não fica
satisfeito e procura outro médico, que receita um antidepressivo. Ele é
o moderno, eu sou o bobão. Para não ser o bobão, eu receito um
antidepressivo logo. É uma coisa inconsciente.

ISTOÉ – Inconsciente?
Miguel Chalub – Os médicos querem corresponder à demanda. Senão, o
paciente sairá achando que não foi bem atendido. Receitando um
antidepressivo, eles correspondem à demanda, porque a pessoa quer ser
enquadrada como deprimida. Mas há a questão dos laboratórios. Eles
bombardeiam os médicos.

ISTOÉ – A ponto de influenciar o comportamento deles?
Miguel Chalub – Se for um médico com boa formação em psiquiatria, mesmo
que não seja psiquiatra, ele saberá rejeitar isso, mas outros não
conseguem. Eles se baseiam nos folhetos do laboratório. Não é por
má-fé. Os laboratórios proporcionam muitas coisas. Pagam passagens,
almoços, dão brindes. O médico, sem perceber, começa a fazer o jogo.
Porque me pagaram uma passagem aérea ou me deram um laptop, acabo
receitando o que eles estão querendo.

ISTOÉ – O que causa a depressão?
Miguel Chalub – Esse é um dos grandes mistérios da medicina. A gente
não sabe por que as pessoas ficam deprimidas. O mecanismo é conhecido,
está ligado a uma substância chamada serotonina, mas o que o
desencadeia, não sabemos. Há teorias, ligadas à infância, a perdas
muito precoces, verdadeiras ou até imaginárias – como a criança que
fica aterrorizada achando que vai perder os pais. As raízes da
depressão estão na infância. Os acontecimentos atuais não levam à
depressão verdadeira, só muito raramente. Justamente o contrário do que
se imagina. Mas mexer na infância é muito doloroso. Não tem remédio
para isso. Precisa de terapia, de análise, mas as pessoas não querem
fazer, não querem mexer nas feridas. Então é melhor colocar um
esparadrapo, para não ficar doendo, e pronto. É a solução mais fácil.

ISTOÉ – O que é felicidade para o sr.?
Miguel Chalub – A OMS tem uma definição de saúde muito curiosa: a saúde
é um completo estado de bem-estar físico, mental e social. Essa é a
definição de felicidade, não de saúde. Felicidade, para mim, é estar
bem consigo mesmo e com o outro. Estar bem consigo mesmo é também
aceitar limitações, sofrimento, incompetências, fracassos. Ou seja,
felicidade também é ficar triste de vez em quando."

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