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Quando falha a retórica da comparação por José Luís Fiori

4 - 5 minutos de leituraModo Leitura

Transformações econômicas e geopolíticas imensas exigem que Brasil se coloque como ator importante no cenário global. Mas há quem queira nos reduzir a monoexportadores…

Na década entre 2003 e 2012, a taxa média de crescimento anual do PIB, do Uruguai, Bolívia e Equador, foi superior à taxa média de crescimento do Brasil. E o mesmo aconteceu com a taxa de crescimento das exportações destes três países, que também cresceu mais que o Brasil. Mais do que isto, o Uruguai obteve a segunda maior taxa de crescimento da América do Sul, superior as taxas do Chile e da Colômbia. E todos estes países seguirão crescendo mais do que o Brasil, no ano de 2104. Diferente do Chile e da Colômbia e o Peru, o Uruguai pertence ao Mercosul, a Bolívia está ingressando, e o Equador está a caminho. Mas o que realmente pesa e interessa é que todos estes países são pequenas economias exportadoras de commodities com baixíssimo grau de industrialização e limitados mercados internos de consumo.

Taxa Média de Crescimento % do PIB e das Exportações de Bens e Serviços- 2003-2012 de algumas economias sul-americanas.

Países Média de Crescimento % do PIB Média de Crescimento % das Exportações de Bens e Serviços
Peru 6,47 7,14
Uruguai 5,23 8,69
Colômbia 4,73 5,88
Equador 4,54 4,73
Bolívia 4,46 6,79
Chile 4,45 4,29
Brasil 3,58 5,20
Fonte: calculado com base em http://data.worldbank.org disponível em 14/05/2014

O uso da comparação como método de conhecimento e aprendizado social e político começou na Grécia, e se generalizou depois de Maquiavel. Mas foi só na segunda metade do século XX que os avanços quantitativos da Contabilidade Nacional permitiram fazer comparações macroeconômicas abstratas entre países. O problema é que estas comparações só têm sentido e permitem algum aprendizado, quando elas tomam em conta as bases materiais concretas sobre as quais se sustentam e constroem estas abstrações macroeconômicas. Por isto, tem pouca utilidade comparar o Brasil com estes pequenos países, e seria uma insensatez ainda maior propor que o Brasil seguisse o modelo de crescimento destas verdadeiras “ilhas mono-exportadoras”. A economia do Uruguai é do tamanho da de Santa Catarina, e as do Chile e Peru são mais ou menos do tamanho da economia do Rio de Janeiro. Comparar o Brasil com estes países seria como comparar um elefante com um coelho, e copiar seu modelo de crescimento seria como tentar dirigir um caminhão usando um manual de instruções de um patinete. Segundo cálculos recentes do Banco Mundial, o Brasil passou a ser a sétima maior economia do mundo, na década entre 2004 e 2013. Além disto, segundo os dados do BIRD, o Brasil foi o país o que teve a 5º maior taxa média de crescimento anual do PIB, e da Renda per Capita, entre as dez maiores economias do mundo, neste mesmo período. Por último, e apesar de tudo, o Brasil obteve a 4º maior taxa de crescimento, entre as grandes potencias econômicas do mundo, em 2013, e está mantendo a 7º maior taxa, no ano de 2014.

Taxa Média de Crescimento % do PIB e da Renda Per Capita – 2004-2013 das 10 maiores economias do mundo.

Países Média de Crescimento % do PIB Média de Crescimento % da Renda per Capita
EUA 1,74 0,85
China 10,20 9,62
Índia 7,50 6,05
Japão 0,78 0,81
Alemanha 1,29 1,52
Rússia 4,01 4,10
Brasil 3,73 2,73
França 0,96 0,39
Indonésia 5,75 4,34
Inglaterra 1,10 0,37
Fonte: calculado com base em http://data.worldbank.org disponíveis em 07/07/2014

A partir de agora — goste-se ou não –, este é o novo “grupo de referência” do Brasil — e, ao mesmo tempo, são os países que disputam com o Brasil os mercados mundiais. Neste grupo das grandes potências econômicas do mundo, cinco das seis economias que aparecem na frente do Brasil (se incluirmos aí a Alemanha e o Japão, o que parece bastante adequado) seguem estratégias econômicas fortemente nacionalistas, e devem ser consideradas casos típicos de “capitalismos de Estado”. Além disto, todos são ou disputam hoje a condição de potências geopolíticas regionais ou globais. Mesmo assim, seria uma ingenuidade querer copiar pura e simplesmente as politicas destes países. Até porque, entre os chamados “emergentes”, o Brasil já viveu seu ciclo de alto crescimento econômico, entre 1937 e 1980, aproveitando-se da oportunidade estratégica criada pela II Guerra Mundial e pela Guerra Fria. Ao contrário dos demais “emergentes” que começaram seu ciclo no final do século XX, o que faz uma enorme diferença. Neste momento, para discutir novas estratégias de aceleração econômica não bastam comparações macroeconômicas simplórias e fora do contexto estrutural e geopolítico de cada país.

Nestas primeiras décadas do século XXI, o mundo está atravessando uma imensa transformação geopolítica e econômica global, com a intensificação da competição e das disputas entre as suas grandes potencias militares. Nestas horas, ampliam-se os espaços e as oportunidades estratégicas dos demais estados e economias que disponham de tamanho, população, recursos e densidade econômica suficiente, como é o caso do Brasil. E mesmo assim, o aproveitamento destas oportunidades estratégicas dependerá da existência de coalizões de poder, burocracias e lideranças, com capacidade de antecipar as brechas e desenhar as politicas econômicas adequadas para cada momento. E com capacidade de sustentar — por um período prolongado de tempo — o objetivo central de conquista agressiva de posições dentro da hierarquia internacional de poder e de riqueza. Nestes momentos não cabe olhar para trás ou para baixo, há que olhar para frente e pensar grande para não ser atropelado pela história.

140803-Equilibrista

Imagem: Inos Corradin, Equilibrista

Artigo publicado originalmente em http://outraspalavras.net/brasil/quando-falha-a-retorica-da-comparacao/

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