Quanto custa a “bolsa-rentista”. por Antonio Corrêa de Lacerda
Os próximos passos da política econômica brasileira serão cruciais para
definir o espaço da economia brasileira diante de um cenário adverso em grande
parte dos países centrais. Embora grande parte dos fundamentos da economia
brasileira sejam hoje melhores do que no passado recente e em comparação à
maioria dos países, isso, por si só não garante a blindagem frente à crise
externa.
O desafio será redirecionar as políticas macroeconômicas, levando em
conta a substancial alteração dos cenários.
Diante de uma crise a política fiscal deveria ser anticíclica, ou seja,
expansionista para suportar a demanda agregada, em tese. No caso brasileiro
atual, no entanto, faz todo sentido a preocupação do governo em promover um
ajuste qualitativo, que vise preservar o investimento público e brecar o ritmo
de expansão do gasto corrente.
A tarefa que se apresenta para a sustentabilidade dos indicadores fiscais é
garantir que o crescimento do gasto público ocorra em uma proporção menor do
que o do ritmo de atividade e da receita. É o que vai garantir a continuidade
intertemporal da trajetória declinante da relação divida liquida do setor
pública/Produto Interno Bruto (DLSP/PIB).
Comparativamente à média internacional o Brasil apresenta indicadores
fiscais relativamente bons. O déficit público consolidado de 2,5% do PIB, assim
como a DLSP/PIB, de cerca de 40% são menores do que a grande maioria dos países
do G-20.
O superávit fiscal primário acumulado no ano, até julho, considerando-se os
dados para o setor público consolidado, é de R$ 91,9 bi (4% do PIB, contra 2,1%
no mesmo período, em 2010). Nos 12 meses acumulados
até julho atingiu de R$ 150,1 bi, maior resultado da série histórica em valores
nominais (3,83% do PIB). O governo federal anunciou esta semana a
elevação de R$ 10 bilhões na meta de superávit primário no ano, que cresceu de
R$ 118 bilhões, para R$ 128 bilhões.
Contraditoriamente, apesar de seu relativamente bom desempenho fiscal, o
Brasil se mantém no topo no ranking dos países que mantém as maiores
taxas de juros reais. Como efeito desta distorção, o custo de financiamento da
divida pública atingiu, nos últimos doze meses acumulados, o montante de R$
224,8 bilhões, 5,7% do PIB !. É uma verdadeira "bolsa-rentista", equivalente a
17 vezes o custo anual do programa Bolsa Família, que com R$ 13 bilhões atendeu
a cerca de 60 milhões de pessoas no ano que passou !
Na prática, todo o ganho fiscal foi insuficiente para o pagamento dos juros
sobre a dívida pública e o Governo Federal teve que emitir, no período, títulos
no valor de R$ 133 bilhões, ampliando a dívida pública somente para este fim. O
setor público brasileiro paga de juros, proporcionalmente ao produto, cerca de
duas vezes a média dos demais países. A redução das taxas de juros tornou-se um
imperativo, especialmente diante do agravamento da situação de grande parte da
economia internacional. É fundamental diminuir os custos de financiamento da
divida pública e o custo de oportunidade do investimento privado.
As pressões inflacionárias serão fortemente amenizadas, não apenas pelo
desaquecimento do ritmo de atividades domésticas, mas também pelo efeito da
crise externa, que fará com que haja uma redução de preços no mercado
internacional, refletindo aqui dentro.
Diante do quadro de taxas de juros reais muito baixas, até negativas
nos países centrais precisamos diminuir a enorme distância que deles nos separa
neste quesito. Mesmo porque, se não o fizermos continuaremos a ser alvo da
especulação com operações de arbitragem. Algo que ainda nos impõe uma
valorização artificial da moeda, com todos os efeitos deletérios e os riscos
decorrentes.
Sempre haverá vozes que sempre encontram justificativas para procrastinar a
queda dos juros e carregam as tintas nos riscos de fazê-lo, embora não expressem
o mesmo zelo quando defendem a sua elevação. Há muita gordura para ser queimada
no nível dos juros. Mas, também há um paradigma a ser superado. Além disso, nem
sempre o que é bom para o País pode ser bom para um segmento específico e
vice-versa.
Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP, doutor pelo IE/Unicamp, é
organizador, entre outros livros, de "Crise e oportunidade: o Brasil e o
cenário internacional" (Lazuli/Cia. Editora Nacional, 2007). E mail aclacerda@pucsp.br