Que cultura queremos? por Mõnica Santana
Assisto perplexa a um
almoço em praça pública, em jornal, tevê, rodas de conversa. O almoço sobre a
carne de quem tenta quebrar modelos tortos de se fazer cultura.
A cultura na
Bahia era como uma festa, cujo aniversariante convida 100 convidados, mas só
concede a fatia do bolo para cinco, seis no máximo. Um bolo construído à custa
dos 100 convidados, que quase sempre ficam a ver navios. A sentir fome. As
verbas do Fazcultura dessa terra eram centralizadas em Salvador, nas mãos de pouco
mais de 20 produtores. 93% da cultura da Bahia era empregada na capital.
Migalhas para o restante desse estado, que é quase um continente.
O Pelourinho é hoje o
“mártir” para a imprensa baiana. É também o algoz da Secretaria de Cultura do
estado, que busca quebrar os vícios instaurados naquele terreno por anos. Sim,
os bares estão às moscas, não há graça nenhuma hoje no Centro Histórico de
Salvador. Mas é papel do governo pagar as atrações musicais que vão atrair
público para as casas noturnas da região? É papel de o governo investir no
mercado do entretenimento local? Quando vou aos bares do Rio Vermelho, assisto
a programações culturais que os comerciantes locais viabilizam. Assim é na
Ribeira, assim é na Orla, assim é em qualquer lugar dessa e de qualquer terra.
No vício do Pelourinho, é papel do estado pagar as atrações musicais ou
culturais para lotar os bares e restaurantes. Ou pior, investir em atrações
privadas, cedendo um espaço público para produtores locais cobrarem ingressos
exorbitantes. É essa a cultura que sempre foi, é essa a cultura que essa
população espera?
E no meio dessa história
toda, um teatro que por anos, sim, contribuiu para a cultura soteropolitana.
Espaço para artistas da terra, mas mais do que isso, espaço para um público
novo, que desconhecia outros palcos e que podia ali assistir a espetáculos de
qualidade, a conhecer aquilo que se chama teatro. O Theatro XVIII, que hora,
tem as portas fechadas foi por muito um feliz espaço que promoveu a
democratização do acesso a cultura, a formação de novas platéias. Talvez, pouco
aberto para artistas não tão próximos da administração do teatro, um tanto
focado num séqüito, mas por outro lado, uma casa que dava acesso a um público
diferente, a cidadãos que não conheciam outras salas, outros atores, outras
peças. Àqueles que não dispunham de convites ou recursos para verr outros
espetáculos.
Ok. Esse teatro fez
muito pela cultura de Salvador, mas isso não o isenta de fiscalização, visto
que há ali recursos públicos. Da mesma forma como é feito nas organizações
sociais que conheço. Se eu uso um recurso que é do estado, é meu dever prestar
contas. Assim como é dever do estado pedir explicações dos gastos. Se eu afirmo
que vou gastar com cultura, que sentido tem eu entregar uma comprovação de agropecuária?
Uma nota fiscal que não cabe para aquele universo com o qual estou afirmando
trabalhar. Trabalho com organizações e recebo minha remuneração através da
estrutura de pessoa jurídica. Se meu trabalho é com comunicação, só posso usar
uma nota fiscal da área de comunicação. Não posso ser jornalista e dar a meu
cliente uma nota fiscal da quitanda…é natural então, que meu cliente não
aceite essa nota, que ele questione. Há algo de errado.
Assim, pergunto. O que
há de errado com a Secretaria de Cultura proceder na letra da lei? Essa terra é
tão tonta, tão tosca, que quando a lei é cumprida, as pessoas se sentem
ultrajadas, humilhadas… não sei. Será que precisamos dar um jeitinho? Por
mais gente boa que eu seja, se minhas contas estão pouco corretas, se a
prestação não está de acordo, não posso me queixar se o meu parceiro financeiro
exige o recurso de volta. Se há erros…se há pendências ou coisas
questionáveis. É assim nos lugares em que trabalho, em qualquer empresa. Assim
deve ser no estado. Presumo.
Mas não é o que a
imprensa mostra. O Governo é execrado por cumprir sua lei. É execrado por
exigir que os comerciantes invistam em seus próprios empreendimentos. Que
recursos o Governo investe no Rio Vermelho? Que incentivos são dados para os
bares dessa região? O que justifica um tratamento diferenciado com o
Pelourinho? Sim, falta segurança… como falta segurança no próprio Rio
Vermelho, no Campo Grande, na Piedade (onde morro de medo de transitar à
noite), em Plataforma, no Bonfim, no Cabula. Falta segurança nessa terra
inteira…o Pelourinho não deve ser privilegiado, nem mártir.
Pela primeira vez na
existência dessa Bahia, acontecem encontros por várias localidades para se
discutir que cultura as pessoas desse estado desejam. Que cultura queremos.
Nunca vi isso aqui. Nunca me perguntaram. Nem aos amigos de Feira de Santana,
Vitória da Conquista, Senhor do Bonfim, entre tantos cantos…que cultura
queremos, baianos? A cultura maquiada? Queremos investimentos da cultura do
trio elétrico? Em blocos que cobram mais que nossos salários para tocar uma
música pasteurizada? Queremos a cultura de uma dúzia de produtores
endinheirados nesse estado que tem pelo menos quatro centenas de municípios?
Queremos o Governo do Estado investindo em festas fechadas de camisa? É essa a
cultura que queremos? Se é essa, provavelmente, esse sujeito que aí está não é
a pessoa…
E quanto ao XVIII torço
que volte com todo gás, abrindo as portas para tantos baianos. Mas que volte
organizado, bem administrado, como deve ser qualquer instituição. Seja ela da
cultura, farmácia, movimento social.
Falo como artista,
moradora do Pelourinho, ativista social, freqüentadora do XVIII, sonhadora.
Artigo publicado
originalmente no blog http://casadaatriz.blogspot.com/