Que Deus o acolha e o bote no colo Gurgel. Por Fernanda Maria Tourinho
Quando morre alguém que a gente conheceu no auge da juventude, conheceu mesmo, fez de um tudo junto, a cabeça da gente vira um cinema transcendental, como tão bem definiu Caetano. Quando conheci Gurgel tínhamos menos de 30 anos.
Tudo era demasiado e tínhamos tempo suficiente para aprofundarmos qualquer coisa. Horas discutindo um filme, outras tantas lambendo poemas, virando as canções.
Tínhamos muito tempo livre para falar de nós, gostos, dores, talentos, traumas, sonhos, amores. Gurgel era poeta e me apresentou Florbela Espanca. Gostava da morbidez e da beleza. Ele mesmo, mórbido e incrivelmente lindo. Inquieto. Dramático como bom canceriano. Muitas gargalhadas eu dei com seu humor cruel, mas cheio de inteligência e rapidez. Um menino. Gurgel foi para sempre um menino. De uma carência infinita e um devaneio sem fim. Queria que o mundo lhe coubesse e fosse em tons pasteis. Mas nunca entendeu que tudo começa e termina dentro de nós mesmos. O segredo de tudo.
Convido a todos para visitar quando em vez a pagina dele aqui no face. Não tem postagens do seu cotidiano, o que comia, bebia, dançava ou ria. É um face de arte, um face onírico. Como um livro ilustrado. Transborda conhecimento e talento. Vale a fruição.
Eu só desejo a ele agora que não tenha medo, o pior já passou. Descanse um pouco a mente e o coração. Siga a trilha de rosas brancas e o caminho se encherá de farta luz. Que Deus o acolha e o bote no colo.