Quem não sentiu o suingue de Henri Salvador? Por Renato Queiróz
Foi uma das perguntas que Caetano Veloso fez na icônica canção “Reconvexo”, destacando tanto o poder quanto o impacto do cantor, compositor e guitarrista francês.
Senta que lá vem história!
Henri Gabriel Salvador nasceu em Caiena, a capital da Guiana Francesa, uma região ultramarina da França localizada na América do Sul. Desde sua fundação em 1634, Caiena tem sido uma colônia francesa e continua a ser parte da França até hoje.
Henri Salvador destacou-se mundialmente por sua longa carreira como artista de cabaré francês, conhecido por seu refinado e contagiante bom humor, e pela influência da música brasileira em suas canções. Foi cantor, compositor e guitarrista, firmando-se também como um dos inspiradores da Bossa Nova.
A trajetória diversificada de Henri Salvador incluiu jazz, comédia, televisão e música popular, tornando-o uma figura ímpar no cenário musical. Henri teve uma ligação especial com o Brasil, onde viveu por algum tempo e fez muito sucesso. Ele é conhecido por canções como “Dans mon île” e “Le Loup, la Biche et le Chevalier”, que tiveram um grande impacto na música brasileira. Essas músicas são frequentemente citadas como influências importantes na formação da Bossa Nova.
Ele teve uma relação muito forte com o Brasil, especialmente com o Rio de Janeiro, tanto que chegou a morar no Hotel Copacabana Palace e a fazer temporadas no Cassino da Urca, onde fez muito sucesso.
O Cassino da Urca, localizado no bairro carioca da Urca, foi um dos palcos mais importantes da década de 1940. Inaugurado em 1933, o cassino foi um dos mais famosos do Brasil até seu fechamento em 1946, quando os jogos de azar foram proibidos pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra.
Houve uma época de glamour e encantamento, conhecida como a Era de Ouro dos Cassinos e do Rádio. Era um tempo em que grandes nomes da música e do entretenimento se apresentavam nos palcos, salões e auditórios dessas casas de espetáculo, impregnando os lugares com um charme inigualável.
O Cassino da Urca, em particular, marcou uma era. Talvez tenha sido o mais famoso de todos, um verdadeiro templo do entretenimento. Nas suas noites de brilho, artistas de renome nacional e internacional subiram ao palco, encantando o público com seu talento.
Entre os artistas nacionais, Carmen Miranda, Aurora Miranda, Emilinha Borba, Grande Otelo, Dalva de Oliveira e o Trio de Ouro protagonizaram shows memoráveis, gravando seus nomes na história do Cassino da Urca e de outros cassinos da época. As noites eram mágicas, repletas de música, dança, choros, flores e risos.
E não eram apenas os artistas brasileiros que abrilhantavam esses palcos. Joséphine Baker, com sua presença marcante, Maurice Chevalier, com seu charme inconfundível, e Lucienne Boyer, com sua voz encantadora, também deixaram suas marcas no Cassino da Urca. Esses ícones internacionais trouxeram um toque de sofisticação e glamour que eternizou aquela época.
Era um tempo de encontros e despedidas, de momentos inesquecíveis e de lembranças que resistem ao tempo. As histórias contadas sobre essas noites continuam a encantar, trazendo à tona a magia e o brilho que um dia iluminaram os salões do Cassino da Urca.
Além de sua relação com o Rio, Henri também conheceu a Bahia. Ele desenvolveu uma forte ligação com os músicos baianos e suas canções. Segundo a lenda, Salvador visitou, incógnito, várias vezes a Bahia, sempre com seu jeito discreto, e se encantou pela cultura local, especialmente pela musicalidade e pela hospitalidade do povo baiano. Essa relação se refletiu em algumas de suas interpretações, nas quais ele dizia que incorporava elementos da “música baiana”. Algo como ele próprio: malemolente, também arisco, confessor e confidente. A conexão com a música brasileira e com os músicos e compositores locais perdurou ao longo de toda a vida de Henri Salvador.
Henri frequentemente é apontado por muitos como o precursor e um influenciador da Bossa Nova. Há muita polêmica em torno disso, mas o cantor e compositor Roberto Menescal, por exemplo, não deixa de reconhecer a influência.
“Quando eu tinha cerca de 17 anos e estava começando a tocar violão, fui com Nara Leão [na época, namoradinha minha] assistir a um filme chamado ‘Europa de Noite’ (Europa di Notte), um ótimo documentário italiano, dirigido por Alessandro Blasetti, lançado mundialmente em 26 de fevereiro de 1959 e no Brasil em 10 de março de 1959.”
“O filme mostrava diversos shows que aconteciam naquela época por lá, eventos de sucesso da noite europeia, e um deles era com Henri Salvador cantando ‘Dans mon île’.”
“Ficamos loucos e passamos a tocá-la ao violão e mostrar para os amigos que tocavam e cantavam conosco.”
“Dans mon île”, ouvida e admirada por Tom Jobim e João Gilberto, é tida como a canção precursora da Bossa Nova.
“Dans mon île” (Maurice Pon – Henri Salvador), de 1957, foi inspiradora. Tom, João Gilberto, e outros músicos e compositores brasileiros também a ouviram no filme “Europa de Noite”. Quando Jobim viu aquilo, disse: “É, mesmo, o que temos de fazer, suavizar o tempo do samba, agregar belas melodias e suntuosas harmonias.”
“Se dão conta? Um movimento musical mundial, tudo isso por causa de um pequeno bolero composto no camarim do ‘Teatro Alhambra’,” acrescentava Henri, rindo. Henri Gabriel Salvador morreu em Paris, no dia 13 de fevereiro de 2008.
“Dans mon île” é uma singela canção com uma belíssima melodia, uma harmonia distintamente complexa e um ritmo de suavidade contagiante. Lançada por Henri Salvador em 1957, tem uma versão muito conhecida gravada por seu amigo Caetano Veloso em 1981, no magnífico álbum “Outras Palavras”. A interpretação de Caetano Veloso é uma verdadeira obra-prima, que realça a delicadeza e a sofisticação da melodia original, trazendo uma nova dimensão à canção com sua voz suave e sensível.
Aqui, Henri Salvador, com seus múltiplos talentos, interpreta “Dans mon île” em um show no Ristorante Giardino d’Inverno – Hotel Papadopoli, em Veneza, Itália, no dia 4 de fevereiro de 1961. Esta versão é amplamente conhecida e, em um cenário televisivo, Henri brilha como uma estrela inigualável. Sua presença cativante e sua interpretação única transformam a canção em um espetáculo inesquecível.
SONZAÇO!
Renato Queiroz é professor, compositor, poeta e um apaixonado pela história da música,.