O presidente interino, Michel Temer, ao comunicar o afastamento de Romero Jucá do seu ministério, registrou “o trabalho competente e a dedicação do ministro Jucá no correto diagnóstico de nossa crise financeira e na excepcional formulação de medidas (…) para a correção do deficit fiscal e da retomada do crescimento da economia”.
O pacto confessado por Jucá na gravação de Sérgio Machado, cujo conteúdo foi divulgado nesta Folha na segunda-feira (23), não deve conseguir nem uma coisa nem outra. Em vez de técnicos notáveis, fica claro que quem manda na economia do governo provisório são os políticos. E que políticos! Temer esclarece, aliás, que Jucá continuará dando as cartas desde o Senado.
A redução da meta fiscal para um deficit de R$ 170,5 bilhões em 2016 apresentada pelo ex-ministro interino –que teve muito mais tempo para planejar o golpe do que o Orçamento deste ano– difere da proposta de R$ 96,7 bilhões do ministro Nelson Barbosa ao prever menor contingenciamento de despesas e nenhuma nova fonte de receita.
A política econômica começa, assim, a acertar as contas. No que poderia ser classificado como mais um caso de keynesianismo fisiológico, o aumento da previsão de deficit já aprovado no Congresso, em vez de abrir mais espaço para os investimentos e a criação de empregos, garante recursos para os sócios do golpe nos Poderes Executivo e Legislativo.
Já para os que conspiravam de fora da Esplanada, o governo sinaliza que manterá o regime de tributação regressivo, as desonerações fiscais e os fundos necessários para, por exemplo, o escandaloso reajuste do Judiciário.
Seguiu-se na terça-feira (24) a apresentação de um conjunto de medidas de médio prazo para a contenção de gastos. A antecipação de pagamento de R$ 100 bilhões dos R$ 480 bilhões repassados do Tesouro ao BNDES, além de possivelmente ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal, não tem efeito imediato sobre a dívida líquida (que deduz o valor dos ativos do governo).
A manobra, que poderia gerar uma economia de R$ 7 bilhões anuais em subsídios, deve prejudicar o financiamento de longo prazo para investimentos em infraestrutura em caso de retomada do crescimento. Pouco importa. O BNDES sempre pode voltar ao papel de mero vendedor de ativos públicos que tinha nos anos 1990.
O roteiro é velho conhecido. Identificada a crise, exige-se um ajuste fiscal rápido e brusco pela via do corte de gastos e investimentos. Com a crise agravada e os juros mais altos, a dívida pública continua a aumentar. Pronto. A oportunidade está criada para promover as privatizações e a redução estrutural do papel do Estado na economia.
Já as vítimas do golpe terão de sofrer, por exemplo, com o cancelamento da terceira fase do Minha Casa, Minha Vida, a desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo e, por meio do artifício do estabelecimento de um teto para o crescimento das despesas dado pela inflação do ano anterior, com a desobrigação dos gastos constitucionais com saúde e educação.
Os analistas agora saúdam o deficit maior como um exemplo de transparência, responsabilidade e pragmatismo fiscal. Garantidos os privilégios e a perpetuação da desigualdade na renda, sanar as contas públicas deixa de ser uma palavra de ordem. Na Patópolis, a verdade é a história da fraude.
Laura Carvalho é professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC).
Artigo publicado originalmente em a Folha Quem paga o pacto?