Aldeia Nagô
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Reforma política: a democratização do poder por Luís Brasilino

12 - 17 minutos de leituraModo Leitura

Nos próximos meses serão coletadas assinaturas para que as propostas de uma
iniciativa popular de reforma política sejam levadas ao Congresso e tramitem
como projeto de lei. José Antônio Moroni, da Plataforma dos Movimentos Sociais
pela Reforma do Sistema Políitco, apresenta a inciativa e discute suas
perspectivas.



ENTREVISTA
COM JOSÉ ANTÔNIO MORONI


LE MONDE DIPLOMATIQUE BRASIL – Qual o conceito de reforma política
trabalhado pela Plataforma dos Movimentos Sociais?

JOSÉ ANTÔNIO MORONI – A plataforma nasce em 2004/2005, diante do desconforto de
várias organizações, redes e movimentos da sociedade civil com o que estava
sendo apresentado como proposta de reforma política. O entendimento apresentado
pela imprensa e pelos partidos era que a reforma política é igual à reforma do
processo eleitoral, das normas eleitorais. Esse conceito, além de reduzir a
complexidade do tema a um dos aspectos, acaba trazendo outra consequência: os sujeitos
reconhecidos para interferir no debate seriam apenas os parlamentares e os
partidos. A sociedade ficaria de fora.

Ora, a questão da forma de fazer política e exercer o poder e seus mecanismos é
um debate no qual a sociedade tem todo o direito de participar e decidir.
Afinal, todo o poder, inclusive o da representação, é uma delegação da
sociedade. Com isso, elaboramos o conceito de reforma do sistema político que
coloca no centro do debate não apenas o processo eleitoral e a representação,
mas também o poder, suas formas de exercício e controle, e principalmente o
debate sobre quem tem o poder de exercer o poder.

Assim, estruturamos a plataforma em cinco grandes eixos: fortalecimento da
democracia direta; fortalecimento da democracia participativa/deliberativa;
aperfeiçoamento da democracia representativa; democratização da informação e
comunicação; e transparência e democratização do Judiciário.

DIPLOMATIQUE – Quais são as estratégias da plataforma para alcançar uma
reforma com essa amplitude?

 MORONI – Sempre tivemos duas estratégias básicas: uma de diálogo e debate
na sociedade, e outra de atuar na institucionalidade. Atuar na
institucionalidade é promover o diálogo e a pressão para que o Parlamento abra
espaço à participação da sociedade civil e vote uma reforma que atenda aos
interesses da sociedade e não fique apenas nas regras eleitorais. Para isso
fomos cofundadores, em 2007, da Frente Parlamentar pela Reforma Política com
Participação Popular e participamos ativamente de todo o debate no Parlamento.
Da mesma forma, como em 2007, participamos na elaboração da proposta do
Executivo, e em 2010 cobramos do Judiciário e do Ministério Público o respeito
à lei que obrigava os partidos a terem 30%, no mínimo, de mulheres como
candidatas. Infelizmente os partidos descumpriram a lei e o Judiciário não fez
nada.

No debate com a sociedade, que é a nossa principal estratégia, atuamos no
sentido da construção dessa pauta nas organizações e na própria sociedade,
fazemos mobilizações, elaboramos propostas consensuais em processos amplos e
democráticos, elaboramos materiais (cartilhas, programas de rádio, vídeo etc.).
Essas duas estratégias se articulam, pois não adianta ficar só dialogando com a
institucionalidade sem ter a participação ampla da sociedade e vice-versa.

DIPLOMATIQUE – Como está sendo o processo de construção da iniciativa
popular para a reforma do sistema político?

MORONI – A plataforma discute com o MCCE [Movimento de Combate à Corrupção
Eleitoral], que articulou duas iniciativas populares, contra a compra de votos
e o ficha limpa, desde 2008. Chegamos num consenso que, após o ficha limpa (que
é um dos elementos da reforma), a reforma do sistema político deveria ser
submetida ao Congresso por iniciativa popular. Estamos discutindo há mais de três
anos a estratégia (iniciativa popular) e o conteúdo. No final de março
apresentamos um texto consulta para recebermos sugestões e críticas. Agora
estamos concluindo a sistematização das sugestões recebidas para ver como as
incorporamos, ou não, na proposta. Vamos dar retorno a todas as pessoas que
colaboraram com este processo. No começo de junho vamos dar início à coleta de
assinaturas. Vale lembrar que todo esse processo está sendo discutido com
muitas organizações e movimentos, e isso demora, porque é necessário respeitar
o tempo de cada organização.

 DIPLOMATIQUE – Você pode fazer uma breve apresentação das propostas
contidas no texto base?

 MORONI – Primeiro, um lembrete: a iniciativa popular não pode apresentar
mudanças constitucionais. Isso limitou as nossas propostas, por exemplo, para a
possibilidade de revogação de mandatos pela própria população, que é uma ideia
que apoiamos.

Optamos por apresentar na iniciativa dois eixos da plataforma: a democracia
direta e a democracia. Escolhemos deixar de fora a democracia
participativa/deliberativa porque essa é uma agenda mais voltada ao diálogo com
o Executivo e menos com o Parlamento. Nesta área não precisamos, no momento, de
mudanças legislativas, mas sim de tornar os instrumentos que temos (conselhos,
conferências, audiências publicas, ouvidorias etc.) espaços de partilha de
poder. Isso não se faz apenas por mudanças legislativas, e sim pela prática
política democrática. Na questão da democratização da informação e da
comunicação, e na questão do Judiciário, ainda estamos discutindo qual a melhor
estratégia a ser usada.

Com esse recorte, estruturamos a iniciativa popular em quatro eixos:
fortalecimento da democracia direta; democratização e fortalecimento dos
partidos políticos; reforma do sistema eleitoral; e controle social do processo
eleitoral.

 DIPLOMATIQUE – Você poderia detalhar melhor o que significa cada um
desses eixos?

 MORONI – No que diz respeito à democracia direta, trabalhamos com a
seguinte concepção: quando escolhemos nossos parlamentares não estamos passando
uma procuração em branco. Portanto, trabalhamos com a ideia que a representação
tem limites. Hoje não tem. Elencamos um conjunto de temas que a representação
não pode decidir. Isso é uma mudança enorme na ideia do poder total à
representação. E nós já temos os instrumentos de democracia direta para fazer
isso, que são o plebiscito e o referendo. Acontece que a Lei 9.709/98, que
regulamentou esses mecanismos, limitou o seu uso. Por isso, elaboramos uma nova
normatização. Outra questão é a simplificação para o processo da iniciativa
popular, que hoje é complexo e oneroso: por exemplo, permitir o uso da urna
eletrônica e da assinatura pela internet. Atualmente, só pode ser em papel
impresso e com o título de eleitor. Precisamos coletar 1,5 milhão de
assinaturas e, quando o projeto chega ao Parlamento, ele tem o mesmo rito que
qualquer outra proposta apresentada por um parlamentar. Propomos que a
iniciativa popular tenha uma tramitação própria e que seja votada em caráter de
urgência. Defendemos também que plebiscitos e referendos possam ser convocados
por iniciativa popular; e não como é hoje, quando apenas o Parlamento pode
convocá-los. Outro ponto são as cláusulas pétreas e os direitos fundamentais
não poderem ser objeto de plebiscitos e referendos. Defendemos ainda que a
sociedade tenha participação nas campanhas dos plebiscitos e referendos, e que
estes não possam ter financiamento privado em suas campanhas. Defendemos a
proibição, na iniciativa popular, de qualquer recurso público ou de empresas, e
que seja apresentada uma prestação de contas de todo o processo de elaboração
da iniciativa popular.

 DIPLOMATIQUE – E a questão dos partidos?

 MORONI – Para qualquer proposta de mudança no processo eleitoral,
precisamos discutir os partidos. Por isso, colocamos um conjunto de propostas
que buscam democratizá-los e fortalecê-los. Sem isso não teremos grandes
mudanças na representação. Defendemos que, nos partidos, o poder esteja nos
filiados e não na direção, e que as coligações sejam aprovadas pelos filiados
com quórum mínimo de 30%. Propomos ainda que os partidos só possam ser
financiados com recursos do fundo partidário e dos filiados – empresas não
podem financiar partidos -, e que a prestação de contas periódicas e
sistemáticas seja obrigatória.

 DIPLOMATIQUE – Quais são as propostas para as eleições?

MORONI – Um primeiro ponto é o financiamento democrático. O que temos hoje é
uma forma de financiamento que mescla público e privado, que acaba sendo
público, porque quando uma empresa contribui com uma campanha, ela coloca esse
custo nos produtos que nós adquirimos, portanto, estamos pagando. Quando não
acrescenta o valor nos serviços que presta ao Estado, o que é uma forma de
corrupção. Desse processo vem o chamado "caixa dois". Além disso, esse sistema
de financiamento é fonte de desigualdades na disputa. Quem está no poder ou tem
maior possibilidade de chegar sempre terá mais recursos que os demais,
reproduzindo e aumentando as desigualdades presentes na sociedade. Por isso,
chamamos de financiamento democrático o financiamento público exclusivo, pois
somente ele possibilita uma igualdade maior nas disputas eleitorais.

Outra questão é a lista transparente. O atual sistema de escolha de candidato é
o menos transparente, pois você vota num e acaba elegendo outro, e personaliza
a política, enfraquecendo os partidos. Com a lista, elaborada de forma
democrática pelos partidos, isso acaba. Mas, para isso, quem deve definir a
ordem da lista são todos os filiados do partido e não sua cúpula. Outro
argumento fundamental para nós é que somente pela lista transparente podemos
criar mecanismos que diminuam a sub-representação de vários segmentos, entre
eles as mulheres. Um país que tem apenas 8% de mulheres na Câmara dos Deputados
não é democrático. Assim, defendemos que, na lista, seja respeitada a
alternância de sexo. Mas não só as mulheres são sub-representadas, também os
indígenas, a população negra e LGBT, os jovens, as pessoas com deficiência, a
população rural etc. Nesse caso, defendemos que os partidos adotem mecanismos
para incluir tais segmentos na lista, deixando público quais foram os critérios
usados. Outra questão importante é não favorecer quem já é parlamentar.
Defendemos também o fim das votações secretas, do foro privilegiado, da imunidade
parlamentar, a fidelidade partidária e programática, que partidos com comissão
provisória não possam lançar candidatos etc. Outro ponto importante da nossa
proposta é a obrigação de cumprir o mandato. Isto é, se foi eleito deputado
federal, não pode assumir algum cargo no Executivo e continuar a ser
parlamentar. Vai ter que renunciar. Isso vale também para quem é parlamentar e
disputa eleição para prefeito, por exemplo.

No que diz respeito à Justiça Eleitoral, apresentamos um conjunto de propostas
com vista à sua democratização. Basicamente, é incluir a representação da
sociedade civil no processo eleitoral e na sua fiscalização. Todas as propostas
podem ser acessadas no site www.reformapolitica.org.br.

 DIPLOMATIQUE – A aplicação dessas alterações no sistema político
brasileiro poderia mudar o país? Em qual sentido? Por exemplo, é possível
afirmar que, em consequência disso, a educação ou a saúde vai melhorar?

MORONI – Com certeza esse conjunto de propostas melhora a forma de fazer e
pensar a política, assim como o próprio exercício do poder e o seu controle.
Teremos no Parlamento, por exemplo, representantes de todos os segmentos
defendendo seus legítimos interesses e de forma pública, republicana e
transparente. Teremos uma mudança, em médio prazo, na cultura política. Isso é
fundamental. Com o sistema proposto, a população poderá cobrar e acompanhar
mais os seus representantes, e cobrar dos partidos coerência nas suas promessas
de campanha e no seu modo de agir. Com isso, se saúde e educação são
prioridades na sociedade, deverão ser também para os partidos e governo.

DIPLOMATIQUE – Por outro lado, quais grupos sociais saem perdendo com (e por
isso farão de tudo para impedir) essa reforma política?

MORONI – No longo prazo, penso que toda a sociedade sai ganhando. De imediato,
quem perde com essas mudanças são os oportunistas, as oligarquias, tanto
urbanas como rurais, o poder econômico, os que fazem da política instrumento de
riqueza e fonte de impunidade e, principalmente, quem financia a política para
depois ter favores do Estado. Basta ver quem está contra essa nova forma de
fazer política e quais interesses estão sendo contrariados.

 DIPLOMATIQUE – De que modo os partidos políticos têm recebido essas
propostas?

MORONI – Se em outros temas é difícil falar em posição partidária, neste,
então, é mais complexo. Nas tentativas de votação que já tivemos, da reforma
política no seu aspecto eleitoral, percebemos que uma coisa é dialogar com os
partidos via suas instâncias, outra é dialogar com as lideranças partidárias no
Parlamento, e outra ainda é conversar com os parlamentares. Na maioria das
vezes, esses três grupos têm propostas diferentes, e aí reside uma grande
dificuldade da sociedade, pois não há um interlocutor capaz de negociar uma
proposta. Esse quadro vem mudando, e muito. Temos uma ótima recepção dos
partidos e também de vários parlamentares às nossas propostas. Se é a maioria,
é difícil dizer, pois ainda há muitos formando posição. A plataforma se reúne
periodicamente com fundações partidárias de sete partidos, construímos consenso
em várias propostas e as fundações dialogam com as instâncias partidárias.
Queremos que a Frente Parlamentar pela Reforma Política com Participação
Popular também faça esse trabalho com os partidos.
 
DIPLOMATIQUE – E o governo federal apoia a iniciativa popular para a reforma
do sistema político ou você acredita que essa não é uma prioridade do
Executivo?

 MORONI – Tanto o governo Fernando Henrique (sim, esse tema vem de longe)
quanto o governo Lula não se envolveram no tema da forma como deveriam.
Argumentavam, de forma equivocada, que esse era um tema do Legislativo. Não é,
é de toda a sociedade e de toda a institucionalidade. Portanto, o Executivo não
tem o direito de esconder a sua posição. O governo Lula mandou uma proposta de
reforma eleitoral para o Congresso, em 2007, que tem certa semelhança com a
nossa. O governo Dilma ainda não se posicionou, o que eu acho uma omissão. O
Executivo precisa dizer para a sociedade o que ele defende num tema tão
fundamental para a democracia. Penso também que a reforma política (seja ela
qual for) só será votada no Congresso se tiver pressão da sociedade, e o
Executivo articulando um processo de negociação. Sem isso, por si só, não
acredito que o Parlamento consiga chegar num consenso majoritário. Acho que
caminhamos nessa direção, a sociedade pressionando (a iniciativa popular ajuda,
e muito, nessa pressão) e o Executivo articulando a negociação. Eu leio que a
entrada do Lula como esse elemento negociador tem o aval do governo. Não acho
que o PT faria isso sem ter o apoio da presidenta. Portanto, estamos caminhando
na direção certa. Outro aspecto é que os partidos de oposição também precisam
definir o que eles defendem, sem isso fica difícil um processo de negociação.

 DIPLOMATIQUE – Quais as chances dessas propostas serem aprovadas até o
final deste ano?

 MORONI – Esse é um grande desafio, mas acredito que nunca estivemos tão
perto de conseguir a aprovação de uma reforma política que aponte para uma
mudança estrutural do poder no Brasil. Porém, para isso, os partidos devem
acelerar a sua tomada de posição, e a sociedade precisa pressionar mais.
 
DIPLOMATIQUE – Como a população pode participar desse processo?
 
MORONI – A plataforma tem realizado reuniões e encontros nos estados, quando
são discutidas com a sociedade as nossas propostas, e recebemos sugestões. Tudo
isso é sistematizado e vira instrumento de debate na plataforma. Foi essa
metodologia que usamos na construção da plataforma, assim como na iniciativa
popular. Produzimos materiais aos quais qualquer cidadão pode ter acesso para
organizar debates e nos encaminhar suas contribuições. Lançamos, no final de
março, programas de rádio que são ótimos instrumentos para provocar o debate, e
agora começamos a produzir vídeos e mais cartilhas. Tudo isso com muita
dificuldade financeira, porque nos sustentamos com contribuições das
organizações. Todos os nossos materiais podem ser acessados no site www.reformapolitica.org.br.

Entrevista publicada originalmente em Do Le Monde Diplomatique Brasil – edição de maio

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