Rio: a falta dos “profetas da ecologia” por Leonardo Boff
Entre os dias 5-8
de abril do corrente ano, o Estado do Rio de Janeiro (a cidade e outras
vizinhas, especialmente Niterói) conheceram a maior enchente histórica
dos
últimos 48 anos. Houve grandes alagamentos nas principais ruas,
deslizamentos de
encostas, subida de um metro e meio da aguas da Lagoa Rodrigo de Freitas
provocada, em parte, pela elevação da maré que impediu o desaguar das
águas
pluviais. O mais terrível foi a morte de centenas de pessoas, soterradas
por
toneladas de terra, árvores, pedras e lixo.
Entre outras, três
causas
parecem as principais causadoras desta tragédia, que, de tempos em
tempos, se
abate sobre a cidade, encantadora por sua paisagem que combina mar,
montanhas e
floresta, associada a uma população alegre e acolhedora.
A
primeira são
as enchentes propriamente ditas, típicas destas áreas sub-tropicais. Mas
ocorre
um agravante que é o aquecimento global. A tragédia do Rio deve ser
analisada no
contexto de outras ocorridas no Sul do pais com tufões, prolongadas
chuvas com
enormes deslizamentos e centenas de vítimas e da cidade de São Paulo que
durante
mais de um mes seguido sofreu enchentes que deixaram bairros inteiros
ininterruptamente debaixo de águas. Analistas apontaram mudanças nos
ciclos
hidrológicos causadas pelo aquecimento das águas do Atlântico, como vem
ocorrendo no Pacífico. Este quadro tende a se repetir com mais
frequência e até
com mais intensidade à medida que o aquecimento global se agravar.
A
tragédia climática trouxe à luz a tragédia social vivida pelas
populações
carentes. Esta é a segunda causa. Há mais de 500 favelas (comunidades
pobres),
dependuradas nas encostas das montanhas que serpenteiam a cidade. Elas
não são
culpadas pelos deslizamentos, como apontava o governador. Elas moram
nestas
regiões de risco porque, simplesmente, não tem para onde ir. Há uma
notória
insensibilidade geral pelos pobres, fruto do elitismo de nossa tradição
colonial
e escravagista. O Estado não foi montando para atender toda a população,
mas
principalmente as classes já beneficiadas. Nunca houve uma política
pública
consistente que inserisse as favelas como parte da cidade e por isso as
urbanizasse, garantindo-lhes habitação segura, infra-estrutura de
esgoto, água e
luz e, não em último lugar, transporte. Sempre houve políticas pobres
para os
pobres que são as grandes maiorias da população e políticas ricas para
os ricos.
A consequência deste descaso se revela nos desastres que vitimam
centenas de
pessoas.
A terceira causa é a que eu chamaria de a falta de
"profetas da
ecologia". Observando-se ruas e avenidas inundadas, viam-se boaindo por
sobre as
águas, todo tipo de lixo, sacos cheios de rejeitos, garrafas
plásticas,
caixotes e até sofás e armários. Quer dizer, a população não incorporou
uma
atitude ecológica mínima de cuidar do lixo que produz. Esse lixo entupiu
os
bueiros e outros sugadouros de águas pluviais, o que provocou a subida
repentina
das águas torrenciais e seu lento escoamento.
Porto Alegre, no
Rio Grande
do Sul, nos oferece um belo exemplo. Sob a orientação de um irmão
marista,
Antônio Cecchin, que há anos vem trabalhando nos meios pobres em volta
da
cidade, organizou centenas de catadores de lixo. Fez levantar cerca de
vinte
grandes galpões, perto do centro, na ponta da Ilha Grande dos
Marinheiros, onde
o lixo é selecionado, limpado e vendido a diferentes fábricas que o
re-utilizam.
Conscientizou os catadores de que com seu trabalho estão
ajudando a
manter a cidade limpa para que seja um lugar em que se possa viver com
alegria.
Orgulhosamente os catadores escreveram atrás de cada carrinho, em
grandes
letras, o seu título de dignidade:"Profetas da Ecologia".
Assumiram
como
ideal as palavras de um de nossos maiores ecologistas, José
Lutzenberger:"Um só
catador faz mais pelo meio-ambiente no Brasil do que o próprio ministro
do
meio-ambiente". Se existissem estes "profetas da ecologia" no Estado do
Rio de
Janeiro, as enchentes seriam menos avassaladoras e centenas de vidas
seriam
poupadas.