Aldeia Nagô
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Saudade de Fausto Wolff e alguma coisa sobre FHC. Por Stockler

7 - 10 minutos de leituraModo Leitura
Fausto_Wolff

Fausto Wolff é desses caras que partem e deixam saudade. Vendo sua página na Wikipédia, não conseguimos detetar-lhe a grandeza, mas coloquei como link, apenas para umas pinceladas mais gerais sobre esse jornalista, e já serve em seu descritivo, para termos uma noção de alguns predicados e posição política.

Anteontem, parece que FH do vosso C (que era como Fausto se referia ao ex-Presidente FHC na pele de seu impagável Nataniel Jebão), desatou a falar bobagens no ignóbil programa “Manhattan Conection”, talvez um dos “lugares” mais desimportantes da televisão mundial, mas que serviu para repercutir, pela importância da personagem e ao longo do dia, em jornais e na rede.

Coincidentemente, comecei ontem, e com um atraso indesculpável, a ler “Imprensa Livre de Fausto Wolff”, que foi lançado em 2004, 4 anos antes de sua morte e já indo pela página 92 do mesmo, que nos fala sobre a época em que foi escrito, nos dá a dimensão do que foi o Governo FHC e os de seus antecessores, bem como a participação da imprensa venal e vendida que temos em nosso País.

Fica “meio” comprido prá blog, eu sei, o texto que segue abaixo e que é um dos capítulos do livro, mas de leitura fácil, esclarecedora e que quando chega ao fim, nos dá aquele gostinho de “quero mais”, ainda mais levando em conta que fica praticamente impossível acharmos na “velha mídia”, textos simples como esse transcrito abaixo e que carregue tantas verdades como aquelas, por motivos que o próprio texto nos oferece.

Sigamos! Sem Fausto…

Sete pragas do Aegptyi: corrupção, miséria, imprensa, fome, desemprego, peste e FHC

Em 1968, pouco antes do AI5, o correspondente da revista Time, David Saint Clair bebia comigo no falecido Antonio’s. Já estávamos ambos levemente de porre quando ele me disse em tom de brincadeira:

– Você sabe que teu país foi vendido com tudo que tem dentro, você inclusive? Enquanto não decidirmos que nome daremos ao país que já foi teu – e hoje é nosso – você não existirá oficialmente para o mundo.

Verdade é que uma quinta parte do país (estou falando em termos de terra) já fora vendido a estrangeiros. Pouca coisa. Hoje em dia, se alguém se der ao trabalho de verificar em nome de quem está – digamos a Amazônia -, verá que pertence a algum João da Silva. Nos cartórios europeus, asiáticos e norte-americanos, porém, os nomes dos proprietários mudam para Rockfeller e Grimaldi passando por algum Fujimoto da vida. Não me incomodei com o David, pois em 68 vivíamos em regime de exceção e regimes de exceção tendem a acabar um dia. Na ocasião, como Vinícius de Moraes, eu achava que ” a coisa não demora e se você reagir você vai se dar mal, ora se vai”. O resto todo mundo conhece.

Hoje, felizmente (eu disse felizmente?), não vivemos mais num regime de exceção. Aqueles bravos rapazes que viveram exilados no Chile e na França, passando fome e frio, foram eleitos pelo voto popular, com uma leve ajuda da TV Globo. Verdade é que tivemos de aguentar o Sarney e o Collor, mas, que diabo, a democracia exige sacrifícios. Tremo toda vez que penso que vivemos numa democracia e temos imprensa livre. Apesar disso aumentou brutalmente o número de analfabetos, aumentou a mortalidade infantil, aumentou a prostituição, aumentou a corrupção, aumentou o desemprego, aumentou a miséria, aumentou a fome, a criminalidade e a falta de caráter. Vivemos numa democracia, e aqueles bravos rapazes que estiveram no Chile e na França, sofrendo mais que Bakunin na Sibéria, envelheceram, mas foram recompensados: estão todos podres (literalmente) de ricos. A primeira coisa que os exilados de boas famílias fizeram foi unirem-se aos torturadores em nome da democracia. Pergunto-me: foi para isso que passei dez anos fora do meu país? Foi para isso que tantos foram torturados e assassinados? Foi para isso que dei minha juventude? Foi para ver essa nojeira que envelheci?

Não vivemos mais num regime de exceção. A exceção, finalmente, acabou. Transformou-se em regra. O Brasil não é mais um país. Virou uma firma que deve dar bons dividendos financeiros para seus donos. Seus donos não vivem aqui. Vivem aqui seus capachos: Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Arthur da Távola, para citar apenas alguns dos bravos rapazes exilados. Falar de Sarney, Jáder, Maluf, Antônio Carlos Magalhães é bater em cachorro agonizante. Agonzante mais riquíssimo.

O neoliberalismo saudado pelo cabo Anselmo Fernando Henrique Cardoso como a salvação para o Brasil transformou o mundo num grande mercado e países como o nosso em filiais. Não sei por onde anda o David Saint Clair nem sei se está vivo. Se estiver, porém, aí vai o novo nome do país: Brazil & Mother Joana Business Unlimited S.A., pertencente ao grupo FMI, BIRD, NAFTA, OMC. Logo, logo, estaremos anunciando na imprensa mundial: “Invista no Brazil-MJ-BU. Salários de fome, trabalho escravo, incentivos fiscais, total ausência de sindicatos, justiça e parlamento facilmente corruptíveis, população completamente alienada e call girls pouco exigentes. Tudo isso mediante comissão módica aos arrendatários nacionais. Tratar diretamente com os capachos no Palácio do Planalto”.

Vocês acham que estou pegando pesado demais? Estou não. Fiquei com pena do Robert Zoellick, secretário comercial da Casa Branca, quando esteve aqui há uma semana. Não podia descuidar um momento e já não sabia como impedir que nossas autoridades acariciassem seu saco. Ficou tão irritado que disse:

– Os “países” (coloquei as aspas mas elas não são minhas) que demorarem a fechar acordo de livre comércio conosco vão ficar para trás. Não faltam países para fazer acordo com os Estados Unidos. O número é enorme, e não posso atender a todos.

-Mas o que podemos fazer, mais do que já fizemos? – teria perguntado Malan.

-Privatizem mais, derrubem mais suas tarifas, mudem as leis trabalhistas, respeitem a propriedade intelectual americana.

Não, leitores, ninguém perguntou se na olhota não ia nada, de modo que o bom Zoellick (afinal de contas apenas um funcionário com um belo salário trabalhando para seu país e não contra, como FHC e companhia) continuou:

-Os Estados Unidos são a maior potência do mundo, com um  PIB de 10 trilhões de dólares, e escolhem os parceiros que bem quiserem.

Zoellick tratou nossos governantes-algozes como se fossem office-boys (coisa que Greenspan já vem fazendo há anos) e não ouviu uma crítica do corajoso caçador de sem-terra, FHC. Voltou para Washington com os países baixos babados. Na mesma época esteve entre nós Jean Ziegler, representante da ONU, e disse que em matéria de desigualdade social o Brasil só encontra paralelo na África do Sul. O bravo Raul Jungman, ministro da Reforma Agrária Fantasma, só faltou pedir sua prisão.

Repito mais uma vez: quando a imprensa torna-se sócia dos três poderes, o máximo de democracia que consegue produzir é essa nojeira que está aí. Alguns dias atrás li um artigo bem escrito em O Globo de autoria de Carlos Alberto Di Franco, diretor do master em jornalismo e professor de ética jornalística. Concordei com algumas coisas, como o fato de o jornalismo ter virado entretenimento. Mas, master, não dá para concordar quendo você diz que o “Brasil desenhado por certos setores da mídia nem sempre bate com a realidade nacional. Embora (o grifo é meu) o país tenha grandes problemas(….) esses problemas sociais estão longe de representarem um retrato de corpo inteiro da nação”.

Espera aí, ô master, você acha que uma grande imprensa venal, comprada, feita por colunistas amestrados (as exceções são por demais conhecidas) está batendo muito pesado? Isso ocorre quando eventualmente os interesses econômicos do poder e da empresa jornalística se chocam. Logo, respeito seu título de master of ethics mas você é master of ethics de uma imprensa que não é absolutamente livre. É bem mais livre na matriz. Ainda assim, sugiro que você leia 20 Years of Censored News, de Carl Jensen (Seven Stories Press/New York). Ele revela entre outras coisas que em 1961 vazou para a Casa Branca a notícia de que o New York Times iria publicar uma reportagem sobre a invasão a Cuba. Kennedy mandou chamar o editor do jornal e a história jamais foi publicada. Houvesse sido, talvez os Estados Unidos não tivessem de suportar até hoje o fiasco que foi a baía dos Porcos.

A última demonstração de liberdade da grande imprensa brasileira foi o noticiário sobre a dengue. Parece que não existe uma epidemia e que as pessoas picadas pelo mosquito não correm risco de vida. Aqui em casa, eu e minha mulher passamos quase três semanas nos arrastando. Duas pessoas num apartamento, dois casos de dengue. A indústria informou que nas últimas semanas 10% dos empregados não compareceram ao trabalho. Isso não significaria, por acaso, que 10% dos trabalhadores foram vítimas do mosquito? E as crianças, e as donas-de-casa? Só no Hospital das Clínicas da Amil de Niterói foram registrados mais de 300 casos da doença em apenas uma semana de março e ninguém soube. Passei na esquina de Atlântica e Sá Ferreira e encontrei mais de 15 pessoas pobres (crianças e velhos) deitadas nos bancos, todas com dengue. Durante a minha vida ouvi falar do Ibope mas jamais alguém que eu conheça foi consultado por ele. No caso da dengue, os nossos repórteres, em vez de fazerem contas elementares que elevariam para um milhão o número de pessoas infectadas e para no mínimo alguns milhares de mortos, limitaram-se e limitam-se a repetir os dados oficiais de José Serra, candidato a presidengue.

Pouco depois de acordar e antes de começar a escrever este artigo, olhei pela janela e vi que havia chovido. Imediatamente, passei repelente por todo o corpo. Os entomologistas (que estudam o mosquito) estão ganhando dos virologistas que tratam da doença. Em oito anos de corrupção, Fernando Henrique Cardoso não cometeu uma só boa ação e se despede matando os pobres coitados que tanto esperavam do bravo rapaz exilado no Chile.

Artigo publicado originalmente em https://jornalggn.com.br/blog/stockler/saudade-de-fausto-wolff-e-alguma-coisa-sobre-fhc

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