Aldeia Nagô
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Save the Amazon, por Fernando Horta

4 - 6 minutos de leituraModo Leitura
Fernando_Horta

Desde 1500 já tivemos mais de uma centena de projetos para a Amazônia. Desde apenas exploratórios, usando o extrato das seringueiras, explorando plantas nativas, a diversidade biológica, depois ecológica, os minerais, até, mais recentemente, a bioexploração, em que tentamos que o mundo pagasse royalties do que fosse produzido a partir de extratos biológicos da região.

Na Rio 92, talvez uma das poucas inciativas do governo Collor que valha a pena mencionar, a ideia não vingou pelo veto de um único país. Um doce se você souber qual foi.

Depois, tivemos projetos desenvolvimentistas, como a compra do Acre, a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, a Belém-Brasília, o projeto militar de “integrar para não entregar” com a TransAmazônica, a Zona Franca de Manaus, chegando até Belo Monte nos governos progressistas. Além destes, temos os projetos de defesa e militares que começam desde a criação do Estado do Grão Pará (1751), até os projetos Calha Norte (1985) e SIVAM.

Temos ainda os projetos “particulares” como a invasão da pecuária, a biopirataria feita por ONGs na região, os garimpeiros e mineradoras ilegais, a extração ilegal de madeira, o tráfico de animais e o uso político dos problemas da região para sustentar messianismos e salvadores da pátria que surgem sazonalmente, em época de eleição.

Podemos falar ainda do sempre presente interesse em “internacionalizar” a Amazônia, transformar em “reserva mundial” ou que se possibilitem a venda de terras para estrangeiros com o objetivo de “proteger” a “diversidade” da região. Dentro destes discursos protetores existem aqueles cujo objetivo é proteger a vida na região (toda ela, inclusive a humana) e aqueles que acham que as populações da região também são um mal (com exceção dos índios adaptados) e que a “proteção” deve se restringir somente aos ecossistemas, com o mínimo de participação humana. Todos estes projetos recebem generosas doações de fundos internacionais. “Cidadãos” suíços, belgas, holandeses, canadenses fazem “vaquinhas” para apoiar a vida da Arara Vermelha, do Uacari-branco ou do Tamanduá Bandeira. Todas ações que sobrevivem em cima das famosas narrativas de “pulmão do mundo” ou “filtro e controle de temperatura do planeta” ou ainda “do seguro de vida do ecossistema terrestre”.

O que todas estas narrativas e projetos têm em comum? Nenhuma delas ouve os índios, os trabalhadores ou as pessoas que vivem na região, ocupando 61% do território nacional. As populações do norte (indígenas ou não), de repente, recebem projetos vindos do nada que são colocados – por sobre suas vontades – por um sem número de atores nacionais e internacionais. “Agora vamos ajudar a vocês silvícolas ou semi-silvícolas, culturalmente atrasados ou incapazes de pensar no desenvolvimento da sua região. Agora vamos proteger a Arara de barriga amarela, a “Rain Forest” ou as “tribos isoladas” e, ou você aceita, ou é parte do problema”.

A Amazônia real inexiste neste mundo de discursos. Aquela com seus problemas regionais de diversidade humana, da disputa violenta dos espaços entre diversas espécies animais e vegetais. Aquela Amazônia que sofre com um país virado de costas para ela, distante e quase sempre autoritário. Um local em que até a boa vontade normalmente não é boa, especialmente se fala inglês ou francês. Um local em que ONGs se amontoam, várias. Às vezes para salvar as mesmas espécies ou “assistir” às mesmas populações. Pesquisadores do mundo todo “preocupados” com a degradação da região, a morte de espécies e toda uma gama de perguntas de pesquisa que estranhamente envolvem complexas análises de DNA, bioquímicas e médicas de um sem número de extratos vegetais ou animais na região. Não raro precisa-se levar espécimes de pesquisa para fora do país. Tudo, óbvio, para o bom desenvolvimento da região.

O discurso mais conhecido sobre Amazônia é, no entanto, aquele que a chama de “the Amazon”. “The Amazon” é um local mítico onde a natureza pura convive com humanos puros. Onde os jacarés e os macacos aguardam ao lado das paradas de ônibus que levam cidadãos-tarzã para seus respectivos trabalhos. Colher cocos, construir casas com madeiras ou fazer lindos cestos de palha. “The Amazon” é o lar de bilhões de espécies que formam um Éden bem aqui no nosso mundo material. É o local que precisa ser protegido do Brasil e de seus garimpeiros, madeireiros, políticos e até mesmo dos seus habitantes, estes incultos e incapazes que podem colocar a sobrevivência do planeta inteiro em risco porque não sabem conviver com o milagre que foi colocado à sua disposição.

Para o governo Temer, “the Amazon” tem que ser fatiada e, através da exploração mineral aumentar o PIB e enriquecer senadores. Como fizeram artificialmente com a safra deste ano, para dizer que o país “voltou a crescer”. Na visão de estrangeiros, “The Amazon” precisa ser preservada. Para que ou para quem não interessa. Comprem-se terras, invadam com ONGs, protejam os peixes-boi, as araras e as tribos isoladas. That’s all, folks!. No fundo “The Amazon” precisa ser salva and you have to help! Já a Amazônia real não interessa a ninguém.

No meio desta hipocrisia, com decretos de Brasília, “crowdfundings” internacionais e choros de übermodels em shows de rock, vivem as populações ribeirinhas desassistidas, as tribos autóctones lutando pela preservação de seus direitos, as populações urbanas muitas vezes ilhadas economicamente e lutando pela diversificação das formas de trabalho e educação, e os núcleos urbanos fronteiriços a viver num estranho limbo com regras e leis próprias. Todos mudos. Nada a eles se pergunta ou se permite que digam. Outrora os índios eram entendidos pela nossa legislação como “incapazes”, com status jurídico semelhante ao de menores de idade. Pois parece que para o mundo todo, incluindo parte do Brasil, esta condição abrange agora a todas as populações do Norte.

Não, “The Amazon” não precisa ser salva. A Amazônia real precisa é ser ouvida.

Foto CIMI

Artigo publicado originalmente em http://jornalggn.com.br/blog/blogfernando/save-the-amazon-por-fernando-horta

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