Sem mistério por Delfim Netto
Os brasileiros trabalharam e voltaram a acreditar que é possível
estimular o
crescimento sem perder de vista os objetivos de justiça
social
Em seu segundo mandato, com o andamento das obras
do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – o presidente Lula começou a
devolver ao País a ideia do desenvolvimento. O Brasil vinha manquitolando há 20
anos, a economia patinava e os brasileiros pareciam ter perdido a crença na
possibilidade de voltar a crescer de forma robusta e mais rapidamente.
Depois de enfrentar o sufoco de inesperados problemas políticos em seu
primeiro período de governo e afastar o risco de uma recidiva inflacionária
herdada do antecessor, ele interpretou corretamente o recado das urnas ao ser
reeleito: a sociedade queria o desenvolvimento com mais justiça social.
Ao lançar o PAC, Lula reacendeu o ânimo do crescimento, mobilizou os
empresários, estimulou os bancos oficiais a darem suporte aos investimentos
privados, conseguiu reanimar o espírito animal do empresariado, que logo voltou
a tocar os projetos, a aumentar a produção e criar empregos.
Muitas pessoas
parecem bastante surpresas com o fato de estarmos hoje crescendo à taxa anual
próxima de 6%, como se fosse um novo milagre, lembrando o crescimento dos anos
70 do século XX, quando na verdade o PIB cresceu 10% durante vários anos por
conta de fatores bem reai-s que nada tinham a ver com o sobrenatural.
Da
mesma forma que naquele período, o crescimento atua-l é fruto do trabalho dos
brasileiros, que voltaram a acreditar que é possível acelerar o desenvolvimento
sem perder de vista os objetivos de justiça social. O grande mérito do
presidente Lula foi convencer a sociedade de que o Brasil tinha readquirido as
condições para crescer vigorosamente, com inflação sob controle e melhorando a
distribuição de renda. Três anos e meio depois, os dados sobre o consumo, a
expansão da oferta de empregos e o aumento do salário real indicam um nível de
crescimento anual do PIB provavelmente acima de 6% e não será nenhuma surpresa
se esse ritmo se sustentar nos próximos anos.
Há fortes motivos para
acreditar que, nessa nova fase de desenvolvimento, a economia brasileira estará
bem menos ameaçada por crises internas ou externas, como aquelas que
interromperam o robusto crescimento nas últimas três décadas do século XX. Nossa
economia mostrou-se suficientemente sólida durante os momentos mais dramáticos
da crise que abalou as finanças mundiais a partir de 2008. Mais importante é o
fato de que reduzimos efetivamente os riscos de crises de energia ou de
restrições de financiamento externo, graças à retomada dos projetos de geração
hidrelétrica e ao bônus da natureza representado pelo petróleo do pré-sal.
Esses dois problemas interromperam o desenvolvimento brasileiro em
diferentes ocasiões ao longo do século passado: as mais graves foram a crise
produzida pela brutal elevação dos preços do petróleo nas décadas de 70 e 80 (o
que obrigou o País a endividar-se para pagar as importações de petróleo, que
correspondiam a 80% do consumo de combustível) e o inesperado apagão energético
de 2001, que resultou numa queda de 2% do PIB brasileiro. Com o reinício da
construção das grandes usinas hidrelétricas nas Regiõe-s Centro-Oeste e Norte,
vai se recompondo a matriz original brasileira de energia limpa, não poluente.
Numa outra vertente, a extração de óleo e gás de petróleo do pré-sal consolida a
autossuficiência em combustível e abre um vasto campo para investimentos na
indústria petroquímica.
Devemos nos acostumar, en-tão, com os problemas
que habitualmente acompanham a aceleração do crescimento, a começar pelo fato de
que desenvolvimento não significa e-quilíbrio. Já temos vários setores
reclamando da falta de mão de obra e outros em que se generalizam as queixas
quanto à situação precária da infraestrutura, especialmente o estado das
rodovias e o estrangulamento dos acessos aos portos. O desenvolvimento é isso
mesmo: cada problema resolvido cria mais dois para serem enfrentados mais
adiante. Trata-se, portanto, de lidar com situações de desequilíbrio próprias de
um processo de crescimento acelerado.
Artigo publicado originalmente na
revista www.cartacapital.com.br