Sequestro das nações pelo capital, por Jorge Folena
Muito antes que alguns cientistas sociais cunhassem a expressão “tropa de choque dos banqueiros”, ao se referirem ao grupo considerado como classe média, Robinson desvendou como aqueles menos de um por cento da população universal manipulam sem qualquer piedade os outros noventa e nove por cento, inclusive promovendo ações sociais de suposta bondade, que contribuem para aumentar e perpetuar a miséria entre os povos.
Ao falar sobre as mencionadas ações caritativas, patrocinadas por bilionários como Bill Gates e o roqueiro Bono da banda U2, Slavoj Zizek rotulou seus realizadores de “comunistas liberais”, que manipulam organizações não governamentais (ONGs) “sem fronteiras”, que apregoam trabalhar para combater a fome, doenças, desmatamentos florestais, exploração infantil, abusos contra mulheres etc., em países pobres da África, Ásia e América Latina.
Na obra “Violência, seis notas à margem” (Relógio D’Água Editores, 2009), Zizek diz que “os comunistas liberais são pragmáticos. Odeiam as abordagens doutrinárias. Para eles, hoje não há uma classe trabalhadora una e explorada. Há simplesmente problemas concretos que é necessário resolver.”
Conforme observado antes por Zizek e apurado diretamente nas reuniões do fórum econômico de Davos por Andy Robinson, este pragmatismo revela a manipulação que o capital financeiro promove contra os povos do mundo, disfarçada sob um véu de bondade humanitária, mediante a afirmação de que “o mercado e a responsabilidade social não são aqui termos que se oponham” (Zizek). Porém, em sua lógica do Estado mínimo, busca impor uma espécie de governo global, controlado exclusivamente pelo grupo dos um por cento mais ricos do mundo.
Para a imposição desta lógica, o capital, com seu poderio financeiro, sequestrou para si a política e, em vários lugares do mundo, estabelece e patrocina os agentes locais que atuam para a defesa dos seus negócios.
Assim, não prevalece mais, nos dias de hoje, a disputa de Estados contra Estados, pelo controle de riquezas materiais e culturais, em favor dos capitais locais, como apontado nas teorias clássicas do imperialismo, de Rosa de Luxemburgo e Lenin.
O quadro tornou-se mais grave em razão da crescente concentração de capitais, que, na prática, faz com que a maioria dos governos e suas respectivas burocracias trabalhem não mais para seus povos, mas para os bancos e financistas, que não têm pátria nem alma.
A partir de Davos ou de qualquer outro recanto do mundo, este contingente de menos de 1% controla todas as pessoas e riquezas do planeta e tem a seu serviço forças militares (como as da Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN), pagas com recursos da arrecadação de tributos dos 99%, usadas para reprimir e intimidar outros povos; enfim, não apenas mandam e desmandam, como o fazem usando os recursos suportados pelo trabalho da sociedade.
Com efeito, trabalhar para resgatar a soberania nacional passa a ser um desafio, nesta luta sem trégua pela qual os financistas tentam retirar dos povos a sua autodeterminação e dignidade.
Mais de noventa e nove por cento da população mundial, em vários países, tornou-se refém do mercado financeiro, num processo de servidão perversa em que se imagina haver liberdade, mas onde não há condições para o ser humano conseguir suprir suas necessidades básicas.
Os governos que resistem às imposições do mercado são postos sob ameaça de ataques, bloqueios ou impedimentos, a exemplo do que ocorreu entre 2013 e meados de 2016 no Brasil, e ocorre atualmente nos Estados Unidos da América do Norte, por conflitarem com os interesses da ordem financeira internacional; e outros governos, em países como Turquia, Irã, Rússia e China lutam para manter a defesa dos interesses nacionais.
Como registrado por Micklethwait na Revista The Economist/Carta Capital, em dezembro de 2014, “os pobres na china progrediram mais rapidamente que seus pares na democrática Índia”, o que pode demonstrar a opção do governo chinês de trabalhar para a soberania de seu povo. Mas os agentes do capital financeiro internacional trabalham para confundir a cabeça das pessoas, alegando que os chineses são “capitalistas predatórios” que querem tomar o mundo.
Trabalhar pela soberania é o oposto do que se faz hoje, no Brasil do desgoverno Temer, representado na figura do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ex-presidente do Bank Boston, comprado pelo mesmo Itaú que também comprou o Citibank.
A entidade a que chamamos mercado age em benefício de apenas um por cento da população mundial, os mais ricos do mundo, para que possam tornar-se cada vez mais ricos.
Para alcançar seus objetivos, o mercado sequestra as nações e, por intermédio das grandes empresas de comunicação, manipula a informação e impõe crises econômicas que possibilitam, principalmente, o incremento do discurso dos fascistas, travestidos de nacionalistas, que buscam cooptar o “homem massa”, que vaga sem esperança neste mundo do desemprego e da exploração.
Ações sociais de “comunistas liberais” como Bill Gates e Bono Vox desviam foco da luta contra agentes que contribuem para perpetuar miséria
*Jorge Rubem Folena de Oliveira é cientista político graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mestrado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Doutorado em Ciência Política pelo IUPERJ. Atual hoje como professor de Ciência Política e de Filosofia do Direito na Faculdade de Direito da Universidade Cândido Mendes, Campus Nova Friburgo.
Artigo publicado originalamente em http://jornalggn.com.br/noticia/sequestro-das-nacoes-pelo-capital-por-jorge-folena