Aldeia Nagô
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Sérgio Fausto e a falta de discurso e de coragem do centro democrático, por Luis Nassif

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Superintendente Executivo da Fundação Fernando Henrique Cardoso, Sérgio Fausto é uma das vozes de bom-senso do PSDB. Mas seu artigo de hoje, no Estadão – “Duas falsas narrativas” – não está à altura do cientista político.

 

Presta-se mais ao papel de marqueteiro de um centro democrático que não consegue sair da armadilha do “anti”, isto é, de focar todo o discurso na desconstrução dos “inimigos” e nenhuma parte na apresentação de propostas.

Insiste na dicotomia Lula-Bolsonaro, a última palavra de ordem da mídia. Aceita impavidamente o caráter supostamente democrático do impeachment, a presunção de isenção da Justiça e da mídia. E, ao mesmo tempo, se apresenta como um cartesiano que não compactua com crendices.

Como membro distinto da academia FHC, não lhe cabe o benefício da ingenuidade. O próprio chefe, FHC, admitiu que o impeachment foi um golpe, motivado pela falta de apoio político a Dilma Rousseff.?

Ou seja, o impeachment se consumou por falta de apoio contra o impeachment. E eu não apoiei a reação ao impeachment porque a maioria apoiou o impeachment. Em linguagem coloquial, eis a definição acabada do “maria-vai-com-as-outras”. E aí está uma das chaves para entender a falta de discurso do chamado centro-democrático.

Como cientista político, Sérgio poderia abordar os poderes excepcionais do Judiciário, invadindo áreas de outros poderes, a parceria mídia-Lava Jato, a parceria PSDB-MBL. Preferiu repetir a cantilena-para-pegar-bobo da Lava Jato: quem é contra a Lava Jato é a favor da lambança.

Acerta ao dizer que o PT tentou montar uma base econômica, através de empreiteiras e frigoríficos. Erra deliberadamente ao não conceituar elite no país, especialmente a frente mídia-Judiciário-mercado-PSDB. Ou não existiu? Ou não teve peso central? Historicamente, as empreiteiras sempre garantiram recursos para financiamentos de campanha, escreveram uma história de corrupção, mas nunca foram protagonistas diretas das políticas, como são o mercado, a mídia, em outros tempos as Forças Armadas e, agora, o Judiciário.

Depois, algumas poucas linhas para criticar o grotesco em Bolsonaro. E uma linha apenas para o que deveria ser a conclusão final: o fato do centro não ter desenvolvido um discurso.

Ora, o que era para ser a introdução se tornou o artigo completo.

Provavelmente, o professor Sérgio Fausto reservou a parte substantiva para seus escritos acadêmicos e para os eventos da FFHC. Qual a razão? Seria um raciocínio excessivamente complexo para os leitores do Estadão, como  jogar pérolas aos porcos? Ou o professor tem duas vestimentas: de dia, a de gladiador; de noite, a de acadêmico. Ou só tem a de gladiador?

Seria bastante interessante ler, da pena de um de seus membros mais ilustres, sobre as dificuldades do centro-democrático em desenvolver um discurso.

Teria que abordar seu posicionamento em relação às políticas sociais. E, pelo que se sabe da formação social-democrata, Sergio Fausto é a favor de um governo social. Mas a mídia, não. Teria que abordar a privatização sem o viés fundamentalista do mercado. E a mídia gosta de simplificações. Teria que dispor da coragem intelectual para admitir que existem setores que devem ser privatizados e outros que são prerrogativas de Estado. Pensou que confusão na cabeça simples do leitor, se dizer a favor da privatização e contra a privatização da Eletrobras? Ou ousar dizer que o comprometimento do orçamento com juros é uma excrescência inadmissível em qualquer país civilizado?

Ao não se dispor a discorrer sobre o tema, Sérgio Fausto mata a charada dos motivos do centro não ter ainda um projeto consistente. São dois motivos:

  1. A terceirização do discurso de oposição para a mídia, que resumiu-se a desancar diariamente as propostas dos inimigos e se descuidar por completo de desenvolver as próprias propostas. Ao usar todo seu artigo para desancar os “outros”, Sérgio Fausto permite o c.q.d (como queríamos demonstrar).

  2. A falta de coragem de investir contra a muralha de intolerância e de estereótipos que que o próprio PSDB de FHC ajudou a construir, ao embarcar oportunisticamente nas ondas ideológicas levantadas no rastro do “delenda PT”.

Artigo publicado originalmente em https://jornalggn.com.br/noticia/sergio-fausto-e-a-falta-de-discurso-e-de-coragem-do-centro-democratico-por-luis-nassif

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