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Aldeia Nagô
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Seu mundo você é quem faz. Por Eduardo Affonso

3 - 4 minutos de leituraModo Leitura

Artigo publicado originalmente em o oglobo

Há os que são contra a eutanásia. Mas deixem ir em paz quem não compartilha a mesma crença e os mesmos temores

Quando Roberto Carlos quis se casar, em 1968, teve de sair do país: a noiva, Nice Rossi, era desquitada, e a legislação brasileira não permitia uma segunda chance no casamento. Graças ao empenho do senador Nélson Carneiro, o divórcio foi, finalmente, aprovado em 1977, e hoje ninguém mais precisa cruzar a fronteira para reconstruir a vida conjugal.

Quando, em 2024, o poeta e filósofo Antonio Cicero quis acabar com a angústia de ver o passado se esvair, não conseguir mais filosofar e sentir que lhe escapava a poesia, teve de fazer as malas e ir à Suíça para dar a sua vida um fim digno.

Não há no Brasil de hoje um Nélson Carneiro disposto a lutar contra o conservadorismo e os dogmas religiosos para devolver ao cidadão o direito inato e irrenunciável de dispor da própria existência como quiser, exercendo a liberdade de escolha em tudo que diga respeito a si mesmo e à própria felicidade.

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Se dependêssemos do Congresso atual, possivelmente ainda estaríamos no tempo do desquite — a direita retrógrada se agarra a uma falaciosa “defesa da família”; a esquerda está mais interessada em aparelhar estatais, apoiar ditaduras e patrulhar o vocabulário; e o Centrão não enxergaria ganho financeiro ou eleitoral (que, no caso, vêm a ser a mesma coisa).

Há os que são contrários à eutanásia, ao suicídio assistido (ou mesmo à ortotanásia) e prefiram sofrer até o suspiro final — seja pela nobreza do martírio, seja pelo arraigado terror infantil de ir para o Inferno, condenados pelo ser divino e bondoso que os criou. Que estes — certamente a maioria — possam usufruir integralmente a cota de dor que lhes cabe neste latifúndio. Mas deixem ir em paz os que não compartilham a mesma crença e os mesmos temores.

Antonio Cicero celebrou a vida, principalmente nos poemas que escreveu para ser musicados: Curto as coisas que acendem e apagam/E se acendem novamente em vão (“Bagatelas”, com Frejat), A vida é fogo e risco/E não pode esperar (“Fogo e risco”, com Marina Lima), Vem comigo agora/Hoje, enquanto a gente se adora/E a vida diz baixinho: é hoje (“É a vida que diz”, com Marina Lima e Piska).

E também elaborou a morte:

Memória,/deusa que não é, como querem crer os néscios,/a guardiã do passado, com o qual pouco/se importa, mas antes a que nos oferece o/esquecimento quando canta o imorredouro. (“Guardar”, 1996)

Dizem que o que destroça/de tempos em tempos nossas crenças/são catástrofes, que nos impedem/de amadurecer. Mas quem se lembra/mesmo ou se importa se, ao que parece,/o que nasceu merece morrer? (“A cidade e os livros”, 2002)

Eu viveria tantas mortes/morreria tantas vidas/jamais me queixaria/jamais. (“Porventura”, 2012)

Pelo direito de não se perder num labirinto dentro de si mesmo, de não se ver cercado de estranhos num tempo estranho que não era mais seu; para poder ser sujeito de seus últimos atos — despedir-se de quem ama, da cidade favorita, das coisas que lhe deram prazer e fizeram a vida valer a pena —, Antonio Cicero precisou cruzar um oceano. Quem quer que o ajudasse aqui estaria sujeito à pena de prisão (de seis meses a dois anos).

Antes que a lucidez lhe escapasse por completo, o filósofo escreveu numa carta seu último verso: Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade. Uma prerrogativa que não deveria ser negada a ninguém.

Eduardo Affonso é arquiteto e cronista

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