Aldeia Nagô
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Silva lança ‘Encantado’ seu novo álbum de inéditas

16 - 22 minutos de leituraModo Leitura
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Nasce o novo projeto de Silva: “Encantado”. Esse será o sexto disco autoral da carreira do cantor, compositor, produtor e multi-instrumentista.

O disco estreiou nas plataformas digitais no dia 23 de maio, pela Som Livre. Para Silva, o desejo de voltar a compor e apresentar ao público um novo trabalho era imenso: “Estava sentindo falta de compor, de fazer músicas que causam emoções, que arrepiam”, comenta o artista.

Foram alguns anos de amadurecimento para chegar até o conceito final do álbum.

O título da obra surgiu para Silva antes mesmo do primeiro acorde ou melodia do álbum. A ideia nasceu durante o carnaval de 2022, assistindo aos desfiles das Escolas de Samba na Sapucaí, no Rio de Janeiro. Emocionado, Silva foi unindo algumas referências: “Essa coisa do encantamento me lembra os músicos impressionistas, que me lembra o berço da música brasileira, que me lembra o samba. Me lembra tudo que tem de melhor em nossa cultura. E sinto que agora é como se eu estivesse tendo a chance de me reformular e me apresentar de novo para as pessoas Prazer, meu nome é Silva, encantado”.

Após a definição do nome, foram muitos meses trabalhando na criação das músicas e no conceito do projeto. Ao lado de Lucas Silva, seu irmão e principal parceiro nas canções, compuseram mais de 30 faixas. Ao fim, 16 foram selecionadas para o disco, que une diferentes referências do artista, que vão do samba ao jazz, passando pelo hip hop e a MPB, descrevendo bem o momento atual de Silva.

Com atmosfera solar, característica do artista, o álbum também apresenta canções com certa melancolia. Em ‘Encantado’, Silva canta, toca piano, sintetizador, guitarra, violão, baixo e violino – instrumento no qual é formado pela Faculdade de Música do Espírito Santo – além de assumir a produção musical, ao lado de André Paste.

Com o currículo repleto de parcerias com nomes de peso como João Donato, Gal Costa, Tom Zé, Marisa Monte, Criolo, Liniker, Ludmilla, Lulu Santos, Anitta, Don L, Fernanda Takai, entre outros, Silva traz no álbum participações de algumas de suas referências na música, como Arthur Verocai. “Um dos maiores maestros da história da música brasileira, uma honra tê-lo no álbum”, comenta.

Músico carioca de 78 anos, Verocai, que possui gravações sampleadas por 69 músicas de artistas do mundo todo, assina os arranjos de cordas e metais em ‘Girassóis’. A faixa, que também inspirou a capa do álbum, com obra inédita do artista contemporâneo Elian Almeida, traz melodia refinada ao som do piano de Silva, além de violinos, violoncelos, violas, flauta, trompete e sax alto. A música proporciona o encantamento proposto por ele ao longo de todo o disco.

Marcos Valle, outra grande participação no disco, aparece em ‘Copo D’água’. Na canção de espírito leve, Silva e Valle fazem um dueto vocal e no piano elétrico. “Céu azul / água de coco / toda vez que eu te vejo fico louco / que calor / quase me mata / vem me dar um beijo ou traz um copo d’água”, diz um trecho da letra.

A cantora portuguesa Carminho, uma das principais fadistas da atualidade, vem com sua voz dramática e potente em ‘Carmesim’. A faixa traz sample de “O Preço de Uma Vida”, de Erlon Chaves E Sua Orquestra, que fez parte da trilha da novela da TV Tupi, de 1965, e conta também com a participação da instrumentista Gabriele Leite, revelação brasileira do violão clássico.

Música composta por Silva e Lucas Silva, ‘Amanhã de manhã (Para Lecy)’, ganhou a participação brilhante de Leci Brandão, uma das mais importantes intérpretes de samba da música popular brasileira. “Leci chegou de um jeito muito bonito e emocionou a todos. Foi especial contar com ela nessa faixa”. O samba expressa sentimentos de amor e nostalgia: “Já morri, já morri de saudades/ A pensar em quem não vai voltar/ Amanhã, se não for muito tarde/ Vou viver pra me reencontrar”. Os parênteses (Para Lecy) ao final do nome da faixa trazem a explicação dos irmãos autores de que a faixa foi feita em homenagem tanto à sua avó quanto à mãe de Leci Brandão. Ambas têm o mesmo nome, Lecy.

 Em “Recomenzar” Silva conta com uma parceria inédita com o cantor e compositor uruguaio Jorge Drexler, onde grava em espanhol pela primeira vez na carreira. “Enviei a música ao Drexler e ele pediu para fazer a segunda parte. Fiquei muito animado. Ele é um artista incrível e uma pessoa muito aberta, criativa e generosa. Me ajudou também a achar a entonação ao interpretar em espanhol.”, comenta Silva.

 ‘Encantado’ conta com mais onze faixas, incluindo ‘Abram Alas’, que como o nome já sugere, é a primeira do disco. Segundo o artista, a música resume todo o discurso do álbum e é uma canção que evoca coragem e mostra o caminho a seguir. ‘Na Hora Mais Bonita’ vem com a linha suave e suingada do álbum, com presença marcante da linha de baixo elétrico. A balada romântica ‘Vou falar de novo’ traz arranjo de cordas de Silva, assim como na faixa ‘Já Era’, onde o artista assume diferentes instrumentos.

8 Segundos’ aparece como um interlúdio interpretado no violão e voz de Silva, além de ‘Motivo’, que dessa vez traz um solo do artista em seu instrumento predileto, o piano. O disco também conta com as batidas de ‘Eu Gosto de Você’, faixa mais dançante do álbum, e ‘Mad Machine’, que traz o artista cantando em inglês, numa clássica balada de voz e violão.

Em ‘Arrebol’, Silva usa apenas a voz e faz um coral de auto-tune para homenagear o pôr do sol, tema bem presente em suas músicas. Na canção ‘Risquei Você’, que possui dois momentos, o cantor transita do sintetizador ao violão de nylon. O disco encerra com as guitarras de ‘A Vida é Triste Mas Não Precisa Ser’, deixando uma possibilidade ambígua. “É uma música que você sorri chorando ou chora sorrindo”, define o artista.

Filhos de uma professora de musicalização infantil, Lúcio Silva (Silva) e o irmão (Lucas Silva) têm bases musicais muito fortes. Juntos a dupla assina a maioria das faixas do disco. “Somos letra e música e já temos uma sintonia de uma vida, sempre fomos assim”, pontua Silva.

Feliz e orgulhoso de sua trajetória, o artista afirma que gosta de olhar apenas para frente quando o assunto é a sua carreira. “Não acredito que o ato de pesquisar música com afinco, algo que amo muito fazer, seja um “olhar pra trás”. É um processo de estudo, de respeito pela arte que já se fazia aqui antes da gente pisar nesse planeta. Eu encaro o meu passado com carinho, porque tudo que fiz na minha carreira foi sincero.E o que deixou de ser sincero eu simplesmente abandonei e deixei ir. Esse novo trabalho não olha para trás, apenas para frente. E é pra frente que se anda. Agora, pra mim, a música do passado é tão importante quanto a música do presente. Inclusive tanta coisa boa já foi gravada e que nos ensina tanto! Eu faço o que sinto, sigo meus sentimentos. O importante é vir de dentro da gente. E como Donato falava: o negócio é beber água”.

‘ENCANTADO’ – FICHA TÉCNICA

ABRAM ALAS

Silva / Lucas Silva

intérprete: Silva

produção: Silva / André Paste

guitarra, sintetizador, programações, voz: Silva

sintetizador, programações: André Paste

baixo: Hugo Maciel

engenheiros de gravação: Silva / André Paste / Xande Barcelos / Raphael Herdy

mixagem: Patrick Brown / Silva

masterização: Geoff Pesche

NA HORA MAIS BONITA

Silva / Lucas Silva

intérprete: Silva

produção: Silva / André Paste

violão, sintetizador, programações, voz: Silva

sintetizador, programações: André Paste

baixo: Hugo Maciel

engenheiros de gravação: Silva / André Paste / Xande Barcelos / Raphael Herdy

mixagem: Patrick Brown / Silva

masterização: Geoff Pesche

COPO D’ÁGUA

Silva / Lucas Silva

intérpretes: Silva / Marcos Valle

produção: Silva / André Paste

piano elétrico, piano, programações, violão, voz: Silva

piano elétrico, voz: Marcos Valle

programações: André Paste

baixo: Hugo Maciel

engenheiros de gravação: William Luna Jr / Silva / Raphael Herdy

assistentes de gravação: Yasmin Humelino / Raphael Rui

mixagem: Patrick Brown / Silva

masterização: Geoff Pesche

GIRASSÓIS

Silva / Lucas Silva

intérpretes: Silva / Arthur Verocai

produção: Silva / André Paste

arranjo de cordas e metais: Arthur Verocai

piano, programações, voz: Silva

baixo: Hugo Maciel / Alberto Continentino

bateria: Felipe Continentino

programações: André Paste

arregimentador: Paulo Guimarães

violinos: Andréia Carizzi / Taís Soares / Luísa de Castro / Marluce Ferreira / Renata Athayde

/ Lucas Alvares / Tomaz Soares / Holly Marable / Ana de Oliveira / Ana Catto / Antonella

Paresch / Angélica Alves

viola: Bernardo Fantini / Cindy Folly / Diego Silva / Dhyan Toffolo

violoncelo: Mateus Ceccato, Hugo Pilger / Gretel Paganini / Glenda Carvalho

flauta: Edu Neves

trompete: José Arimatéa

sax alto: Idriss Boudriova

engenheiros de gravação: William Luna Jr / Silva / Xande Barcelos / Raphael Herdy

assistentes de gravação: Yasmin Humelino / Raphael Rui

mixagem: Patrick Brown / Silva

masterização: Geoff Pesche

VOU FALAR DE NOVO

Silva / Lucas Silva

intérprete: Silva

produção: Silva / André Paste

arranjo de cordas: Silva

piano elétrico, programações, violinos, voz: Silva

baixo: Hugo Maciel

bateria, percussão: Gabriel Ruy

programações: André Paste

violoncelo: Lucas Santos

engenheiros de gravação: Silva / Raphael Herdy

mixagem: Patrick Brown / Silva

masterização: Geoff Pesche

JÁ ERA

Silva / Lucas Silva

intérprete: Silva

produção: Silva / André Paste

arranjo de cordas: Silva

piano elétrico, baixo, programações, violinos, violão, voz: Silva

bateria: Felipe Continentino

programações: André Paste

engenheiros de gravação: Silva / Raphael Herdy

mixagem: Patrick Brown / Silva

masterização: Geoff Pesche

8 SEGUNDOS

Silva

intérprete: Silva

produção: Silva / André Paste

violão, voz: Silva

engenheiros de gravação: Xande Barcelos / Raphael Herdy

mixagem: Patrick Brown / Silva

masterização: Geoff Pesche

MAD MACHINE

Silva / Lucas Silva

intérprete: Silva

produção: Silva / André Paste

violão, programações, voz: Silva

programações: André Paste

engenheiros de gravação: Silva / Raphael Herdy

mixagem: Patrick Brown / Silva

masterização: Geoff Pesche

ARREBOL

Lucas Silva

intérprete: Silva

produção: Silva / André Paste

violão, programações, voz: Silva

programações: André Paste

violoncelo: Lucas Santos

engenheiros de gravação: Silva / André Paste / Xande Barcelos / Raphael Herdy

mixagem: Patrick Brown / Silva

masterização: Geoff Pesche

CARMESIM

Silva / Lucas Silva / Erlon Chaves / Romeo Brayner

intérpretes: Silva / Carminho / Gabriele Leite

sample: “O Preço de Uma Vida” de Erlon Chaves E Sua Orquestra

produção: Silva / André Paste

synth, programações, voz: Silva

voz: Carminho

violão: Gabriele Leite

programações: André Paste

engenheiros de gravação: Silva / Raphael Herdy / Nolan Thies

mixagem: Patrick Brown / Silva

masterização: Geoff Pesche

AMANHÃ DE MANHÃ (PARA LECY)

Silva / Lucas Silva

intérpretes: Silva / Leci Brandão

produção: Silva / André Paste

violão, synth, programações, voz: Silva

voz: Leci Brandão

cavaquinho: Rodrigo Campos

programações: André Paste

percussões: Jhonathan Silva

engenheiros de gravação: Silva / Raphael Herdy / Xande Barcelos / Rafael Angerami

mixagem: Patrick Brown / Silva

masterização: Geoff Pesche

RISQUEI VOCÊ

Silva / Lucas Silva

intérprete: Silva

produção: Silva / André Paste

violão, synth, voz: Silva

programações: André Paste

engenheiros de gravação: Silva / Raphael Herdy / Xande Barcelos

mixagem: Patrick Brown / Silva

masterização: Geoff Pesche

MOTIVO

Silva

intérprete: Silva

produção: Silva / André Paste

piano: Silva

engenheiros de gravação: Raphael Herdy / Pamella Renha

mixagem: Patrick Brown / Silva

masterização: Geoff Pesche

GOSTO DE VOCÊ

Silva / Lucas Silva

intérprete: Silva

sample: “Tu Gosta, Não Gosta” de Jaula das Gostosudas

produção: Silva / André Paste

violão, synth, piano, programações, voz: Silva

programações: André Paste

voz: Jaula das Gostozudas

engenheiros de gravação: Silva / André Paste / Raphael Herdy / Xande Barcelos

mixagem: Patrick Brown / Silva

masterização: Geoff Pesche

RECOMENZAR

Silva / Lucas Silva / Jorge Drexler

intérpretes: Silva / Jorge Drexler

produção: Silva / André Paste / Jorge Drexler / Victor Martínez

violão, programações, voz: Silva

violão, percussões, voz: Jorge Drexler

violão, percussões: Víctor Martínez

baixo: Víctor Merlo

programações: André Paste

engenheiros de gravação: Silva / Lucas Piedra Cueva / Alex Cappa / Fran Meneses /

Raphael Herdy / Xande Barcelos

assistente de gravação: Quaiko

mixagem: Patrick Brown / Silva

masterização: Geoff Pesche

A VIDA É TRISTE MAS NÃO PRECISA SER

Silva / Lucas Silva

intérprete: Silva

produção: Silva / André Paste

guitarra, programações, voz: Silva

baixo: Hugo Maciel

bateria: Felipe Continentino

programações: André Paste

engenheiros de gravação: Silva / Raphael Herdy / Xande Barcelos

mixagem: Patrick Brown / Silva

masterização: Geoff Pesche

 Reencontro com a essência

Em ‘Encantado’, álbum de inéditas assumidamente de canções de amor, Silva retoma caminho artístico que o liga às origens e projeta novos rumos, ao lado dos convidados Marcos Valle, Arthur Verocai, Carminho, Gabriele Leite, Leci Brandão e Jorge Drexler

Leonardo Lichote

DESENCANTO

Silva tinha 18 anos quando mostrou uma composição a seu professor de violão e ouviu dele: “Legal… Você quer ser o Fábio Jr.?”. Na época, fã entusiasmado do indie de Los Hermanos, achou descabido o comentário dito meio a sério, meio de provocação. O artista lembrou do episódio recentemente, quando seu irmão, empresário e parceiro Lucas Silva, perguntou a ele, já no processo de feitura das músicas que estariam em seu novo álbum, “Encantado”: “Cara, você já entendeu que é um cantor romântico?”.

“Eu sempre lutei contra isso”, explica Silva. “Sempre tive dificuldade de encarar essa coisa de cantar sobre o amor, via como uma crítica de gente que eu tinha como referência e que dizia: ‘nada pode ser bonito demais’. Mas depois de um tempo amadurecendo percebi que é isso mesmo que eu sou. Doce, carinhoso, fofo. Eu sou um cantor romântico. E não quis lutar contra isso nesse disco”.

“Encantado” é, portanto, um disco desavergonhadamente de amor. Mais do que isso: um álbum em que Silva, aos 35 anos, marca sua maturidade e vai em direção ao que define como sua essência. Porque o disco nasce num momento em que o compositor se percebeu afastando-se dessa essência de maneira radical.

O sucesso de sua carreira, sobretudo a partir de “Brasileiro”, de 2018, o lançou numa espiral que o tirou de seu eixo, seu ritmo, impondo uma rotina de, muitas vezes, seis shows num fim de semana. Algo que só se aprofundou com o “Bloco do Silva”, show lançado em 2019 com repertório de carnaval. O projeto se agigantou, rodou o Brasil e o desviou de algo que era central em sua vida desde os 11, 12 anos: a composição.

“Eu me vi num vazio existencial muito grande, porque sou compositor desde criança. E eu parei de compor”, lembra Silva. “Comecei a ficar mega cansado. Não tenho esse talento pra ser essa pessoa da indústria pop, da coisa de ‘não pode perder essa oportunidade, se você deixar isso passar, talvez isso nunca mais apareça, o momento é agora’. Até eu entender que meu ritmo é outro, eu passei por um furacão. Um furacão que foi importante para reforçar quem eu sou. E eu sou um cara da música, nasci em berço musical. Não quero todos os dinheiros, nem todos os dinheiros são pra mim”.

REENCANTO

A ficha de Silva sobre a necessidade de reencontrar seu rumo caiu em 2022, num cenário improvável: o camarote da Marquês de Sapucaí. Dois anos antes, o compositor havia lançado “5”, disco que foi atropelado pela pandemia e, por isso, acabou não indo pra estrada, deixando um travo de frustração. Quando Silva se viu naquele ambiente de pulseiras, cercadinhos vip e abadás, pura celebração pela celebração, se sentiu deslocado e questionou o que estava fazendo de sua carreira, de sua arte. Até que começou o desfile campeão da Grande Rio, cujo enredo naquele ano era dedicado a Exu.

“Fiquei muito arrepiado com tudo, com a fineza e com o refinamento estético”, recorda o artista. “Não era só o discurso que era lindo, ver Exu ser representado na Avenida, algo ainda mais especial para mim, que sou uma pessoa ex-evangélica e desde sempre aprendi que ele era uma figura assustadora, o orixá mais demonizado. Então quando vi aquilo ser representado de uma forma tão bonita, tão esteticamente incrível, foi uma experiência quase lisérgica. Fiquei muito emocionado. E eu estava com muita saudade de ver arte, porque depois da pandemia veio só festa, festa, festa, festa, era só eu tocando para a alegria dos outros e sem me preencher”.

A partir dali, aquele encantamento se materializou na mente de Silva num nome: “Encantado”. Uma ideia que tinha a ver com seu deslumbramento com o desfile; com o significado sagrado do encantamento nas religiões de matriz africana; e mesmo com a poesia cotidiana de quem diz “encantado” ao conhecer alguém. Silva buscava reencantar-se e reapresentar-se ao público, pelo caminho que desde sempre foi o que mais deu sentido a ele: a música.

ENCANTADO

Silva começou então em seu estúdio caseiro a investigação musical — de beats, timbres e harmonias — que desaguaria em “Encantado”. Nesse processo, criou ao piano, a partir de um sample, a harmonia daquela que seria a primeira canção do disco, dando rumo ao que viria: “Girassóis”, que no álbum tem a participação do maestro Arthur Verocai nos arranjos de cordas e metais. A composição aponta uma leveza solar, moderna, ao mesmo tempo elaborada e pop que dá o tom do disco como um todo. “Não por acaso a capa tem um girassol”, nota Silva.

As letras de Lucas Silva e a produção de Silva e André Paste se afinam a esse espírito Daft Punk tropical, Weeknd bossanovista. Vale mencionar a mixagem — pela primeira vez sob responsabilidade de Silva — que valoriza os graves na medida exata.

“Encantado” anuncia a que veio já na primeira faixa, apropriadamente batizada de “Abram alas”. Nela, Silva canta, sob arranjo minimalista, o caminho que o levou até ali e os que ele quer traçar a partir de agora: “Abram alas/ Tô numa jornada pro futuro/ Cansei de vagar pelo absurdo/ Só deixei de fora a gente chata”. O vocal que se ouve ali foi gravado no iPhone. “Tentei depois refazer num microfone bom, mas a melhor interpretação foi aquela original mesmo”, conta Silva.

“A hora mais bonita” sintetiza, desde seu título, a atmosfera de “Encantado” — sobretudo da primeira parte do disco. Um cenário em que tudo é exato, de beleza precisa e sem sobra: “Tudo tem

a hora certa de ser/ Logo a manga vai cair no quintal/ Primavera irá florir o ipê/ E o samba afastar todo mal”. Silva comenta: “Tem bastante do meu senso estético musical, um beat sedutor, um groove que nasce dessa minha tentativa de tentar imitar o (baixista) Luizão Maia (risos). Sempre ficava pensando o que Luizão faria em cada música”.

Poucos podem encarnar tão bem essa atmosfera do disco como Marcos Valle, convidado de “Copo d’água”. O prazer da existência que exala da canção é da mesma frequência do que Marcos vem projetando há décadas. O arranjo conversa também com as primeiras produções de Silva, a mesma espuma leve. O caráter sensorial de “Encantado”, repleto de cores e sabores, se mostra de maneira nítida já nos primeiros versos da canção: “Céu azul/ Água de coco”.

A já mencionada “Girassóis”, com arranjos de Verocai, segue na mesma linha: “Boca goiabada gosto na boca” é seu primeiro verso. De inspiração donatiana — Silva dedica o disco a João Donato —, ela é a música favorita do compositor: “Consigo me imaginar com 65 anos tocando essa canção. Ela é moderna, ao mesmo tempo tem a escola da qual eu venho, com violinos, harmonias um pouco mais rebuscadas, sem deixar de soar simples”.

A balada de piano — uma escola levada às alturas por mestres como Elton John e Guilherme Arantes — “Vou falar de novo” é Silva fincando os dois pés na sua condição de cantor romântico. Música feita pra dizer “eu te amo” (“e não é pouco”, reforça a letra), é definida pelo artista como “canção de amor sem pudor”. A voz e o piano foram gravados no dia em que ela foi composta, e permaneceram até a versão final.

A envolvente “Já era”, que toca sutilmente na conversa entre sagrado e terreno, nasce sob inspiração do candomblé. Mas Silva, que diz não ser seguidor de nenhuma religião, preferiu deixar a referência mais sugerida que declarada — até por respeito. Uma curiosidade: “Eu tropecei na pedra do encantado”, lindo verso de Lucas, é metáfora mas também é literal. O letrista escreveu-o depois de ter tropeçado num tipo de pedra que, soube depois, é relacionada à energia de Exu.

“Oito segundos” é um interlúdio instrumental ao violão que anuncia um segundo momento do disco. Ele se abre com “Mad machine”, primeira música em inglês de Silva e Lucas. Diferentemente do clima que se afirmara no disco até ali, a canção de amor é cinza, em dia de chuva. O azul reaparece no céu, mas desta vez num caráter ambíguo trazido pela língua — além de designar a cor, “blue” é também a palavra para “triste”.

“Arrebol” segue algo melancólica (a presença do violoncelo ajuda a marcar isso), apesar de afirmar as cores. O detalhe da palavra “veracidade” sendo ouvida como “ver a cidade” é uma pequena joia poética da canção. O arranjo vocal propositadamente artificial, Autotune no talo, soa como se Os Cariocas ou o MPB-4 habitassem um Rio digital.

O banzo do arpejo final de “Arrebol” de alguma maneira ecoa em “Carmesim”, que tem seu drama destilado com precisão na voz de Carminho e no violão de Gabriele Leite, as convidadas da faixa. A pungente composição, que partiu de um sample de “O preço de uma vida” (de uma gravação de

Erlon Chaves e Sua Orquestra), novamente traz a chuva para dar conta de um amor conturbado que se vê chegando ao fim.

O samba macio “Amanhã de manhã (Para Lecy)” foi composto por Silva e Lucas para a avó deles, e tem a participação luminosa de Leci Brandão. “Minha avó é mulher de pastor, regia coral na igreja”, lembra Silva. “Então essa música é um samba, mas fiz a melodia inspirada em hinos do ‘Cantor cristão’ (hinário usado nas igrejas protestantes)”. Há certa tristeza no andamento lento e nos versos de saudade, mas há sobretudo a esperança anunciada em seu último movimento: “De manhã tudo vai melhorar”.

“Risquei você” cruza referências que vão de Demóstenes a Gaudí, de Tarsila a Dante, partindo de longos acordes de sintetizador e desaguando numa marcha-rancho — gênero que conjuga em si o desalento e a alegria do carnaval. O verso final (“Mas veja, o meu amor é gigante”) prepara para o terceiro e derradeiro movimento do álbum, no qual as cores mais vivas são em alguma medida retomadas. Antes, porém, o disco passa por um outro interlúdio, “Motivo”, desta vez ao piano — anúncio de um projeto de peças instrumentais para piano que Silva pretende desenvolver no futuro.

“Gosto de você” começa apenas dedilhado ao violão, como pegando o bastão de “Motivo”, mas logo explode em um delicioso funk melody. “André (Paste) trouxe esse beat, é a cara dele. Tem uma memória afetiva pra mim muito grande, porque nessa época do funk melody eu morava no pé do morro, ouvia muito isso”, diz o compositor.

“Recomenzar”, com letra em espanhol, tem a participação de Jorge Drexler, que também assina a composição com Silva e Lucas. Nos minutos finais do álbum, temos a proposta de recomeço exposta desde o título da canção, desde o início do disco, desde o desfile da Sapucaí sobre Exu. A levada de violão animada não deixa dúvidas, assim como a proposta de existência posta no primeiro verso: “La vida es más que un trago/ Quiero beberte entera”.

“A vida é triste mas não precisa ser”, que encerra o álbum, baixa o tom — em vez da euforia, começa com sobriedade antes de partir para uma atmosfera indie rock 2000’s. “Sempre gostei muito dessa coisa do rock, apesar de nunca ter trazido tanto para o meu trabalho”, avalia Silva. “Eu conheço essas bandas de cabo a rabo, lembro de pegar 15 horas de viagem de ônibus de Vitória até São Paulo pra ver Arctic Monkeys, The Killers…”.

Na letra, a canção traz a ambiguidade que de alguma forma equilibra os aspectos solares e sombrios de “Encanto”. “Adoro essa coisa de uma música que você ri chorando ou que você chora rindo. Ela é melancólica mas não é. Te bota no buraco mas te dá esperança e condição de sair”, diz Silva, apontando uma síntese possível do álbum e, para além, de sua trajetória até aqui

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