Sobre novela global e academia local. Por Nelson Maca
Estou pensando justamente na refutação de nossa preocupação pela ausência de negros e negras na tal novela e, por extensão, da refutação dos nossos argumentos já colocados. No geral, por parte de uma parte da própria negritude, a questão está sendo reduzida a ter ou não ter negros e negras na novela de horário e emissora nobre.
Como se isso não fosse relevante. Como se pleitear isso não fosse algo político. Porém, ainda assim, é evidente que nossa crítica não se reduz a isso.
Não desconsidero a possibilidade de um amplo e aprofundado debate sobre “obras mais relevantes”, como “Black Panther” ou “ler um livro”, por exemplo. Concordo com ambas as proposições, que têm aparecido nas conversas. No entanto, isso não tem que ser em detrimento do debate em torno de novelas em emissoras que tem concessões públicas e que influenciam diretamente na formação subjetiva e física da maior parte da população, incluindo milhões de negros e negras. Deve influenciar mais que a escola, acredito!
A discussão sobre Black Panther pode ser retomada imediatamente por quem se propõe, e não, necessariamente, por quem escolheu debater a novela. E um bom livro sempre foi e será bem vindo. Prazeroso e formativo! Precisamos relativizar a presença da novela em nossas vidas, sim, concordo. Entretanto devemos nos pautar mais a nós mesmos e pautar menos os outros.
Travamos o mesmo debate em torno da presença negra na Academia Brasileira de Letras. Mesma tensão! Nunca defendi novela ou a ABL. Nem vou defender agora. Achava que eu não precisava verbalizar isso; que fosse evidente em minha postura. Mas confesso que me sinto incluído nos “desavisados”, “ignorantes”, “alienados”, etc e tal, que é como estão sendo tachados aqueles que exigem presença de negros e negras nas novelas. Ou simplesmente aceitam se debruçar, criticamente, sobre o assunto.
Mas confesso, também, que só estou entrando nesses diálogos porque, ao meu ver, estou tratando de NEGRITUDE concreta, real. Gente que vê novela cotidianamente e que compreende a literatura oficial branco-européia como suprassumo da “alta cultura”. E que pleiteiam, buscam ou sonham ocupar esses lugares da tradição que não nos reconhece; muito menos nos estima. Para acomodar-se ou tentar interferir no seu mecanismo por dentro.
Eu me pergunto sempre o que significa Lázaro Ramos dentro da emissora. E, agora, me pergunto com mais cautela, depois de questionamentos de pessoas que amo e confio, o que pode significar nossa inquebrantável Conceição Evaristo naquela academia. Lima Barreto, minha grande referência, quis entrar lá. Zezé Mota entrou lá, e nunca “traiu” a causa.
Depois que li o livro e assisti o documentário “A negação do Brasil”, do nosso irmão Joelzito Araujo, não tem como eu desprezar a presença efetiva da novela em nossas demandas existenciais. E, por extensão, levar muito a sério o questionamento da representação de nossas demandas e nossa presença física lá. Principalmente porque, historicamente, ela nos invisibiliza, deturpa, estereotipa ou diminui.
Peço desculpa a quem está imune às nossas contradições, mas quero relevar nossas intempéries. Quero participar da quebra de paradigmas, ainda que com textos e diálogos quase inócuos nas redes sociais! Ainda que tachado de chato e alienado!
Ainda que abrindo a guarda, para apanhar igualmente de pessoas íntegras, porém divergentes, e de ignorantes que pensam que são a luz, verdade e a vida!