Aldeia Nagô
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Sofri bullying durante todo o meu segundo grau. Por Fernando Horta

4 - 6 minutos de leituraModo Leitura
Fernando_Horta

Só para vocês terem uma noção do impacto disto, nos primeiros anos na escola eu cheguei a estar entre os 3 melhores alunos (com melhores notas) de toda a série, no final do terceiro ano eu fazia contas para passar com as notas mínimas. Com o limite de faltas atingido. Quando eu digo “fazia contas” é porque eu fazia o suficiente para passar mesmo. Nem um milímetro a mais. 

Se no colégio houvesse qualquer preocupação com psicologia ou pedagogia, eu teria sido imediatamente procurado. Era um caso evidente à luz de qualquer olhar pedagógico.
Como professor, fui ler e me especializar muito nisto, até para lidar com meus demônios internos. 
Vendo a tragédia em Goiás algo me soa estranho.
No meu caso, foram 4 anos inteiros sofrendo agressões físicas e psicológicas. Começou no final da sétima série e seguiu até o terceiro ano. Bullying não é ofensa. Não é piada. Não é briga ou constrangimento.
Bullying é sequência. É uma violência continuada e sempre presente. Não qualquer brincadeira, que perdura na memória por uma semana, um mês. Bullying é a transformação psicológica do espaço social da escola em algo insuportável a quem sofre.
Dar a desculpa de bullying porque foi xingado não serve.
Bullying não tem cara. Se são sempre os mesmos agressores, e estes podem ser identificados, não é bullying. Uma das maiores características do bullying é ele ser social. Forma-se uma massa amorfa de agressores (que pode até ter seus líderes), mas que quem sofre leva um bom tempo para determinar culpados. Isto é o cerne. Quem sofre o bullying tem uma postura estranha para com os perpetradores. Quem faz bullying se transforma na companhia dos demais. Inclusive, muitas vezes não se vê como um agressor, porque quando sozinhos, agressor e vítima, podem ter uma relação completamente saudável. Diferente do momento social da violência do bullying.
Hoje sabe-se que os agressores, aqueles que fazem bullying, são vítimas de violência doméstica também. São pessoas normalmente com sérios problemas em seu meio familiar, que veem na prática da violência social uma forma de expiar seus problemas.
O bullying é um acontecimento social. Os agressores se sentem parte aceita pelo grupo por fazerem bullying. Isto coloca o agredido na condição de pária. E esta condição mascara a violência para a própria vítima.
“Se todos são contra mim, eles devem ter razão”. E a vítima vai internalizando um sentimento de impotência, de inferioridade e de insegurança. Este caos psicológico acaba redundando em violência quando vítima desenvolve algum sentido crítico. Normalmente na adolescência. Quando a vítima se subjetiva, quando se reconhece, ela acaba se vendo como vítima da violência que antes acreditava – ela mesma – ser fruto de alguma razão. A coletividade guarda em si a legitimidade social, e é só quando a vítima rompe com este paradigma que ela passa a se ver vítima.
Os sintomas são claros, desde o afastamento de si dos espaços de sociabilidade, queda no rendimento escolar até o desleixo pessoal. O que leva a mais bullying.
É somente após este tempo (tempo aqui entendido como tempo psicológico e não cronológico) qua a vítima escolhe o caminho da reação. E a reação também não é individual. Dado que a violência é difusa, a vingança também o é. Por isto, muitas balas, muitas armas, o sentimento de punir a “todos” e, em seguida, a percepção de que o erro foi descomunal acaba, muitas vezes, no suicídio. Não há muito o que a vítima defender depois de ter sua personalidade dilacerada a ponto de matar seus amigos e colegas. O suicídio surge como um caminho normal, em vista da morte psicológica que já sente a vítima.
São culpados, e tremendamente culpados, o corpo pedagógico da escola e todos os pais envolvidos. Sejam de vítimas a agressores. Uns por omissão, outros por participação passiva.
Bullying é constância. Bullying é coletivo. Bullying é social. Bullying é alienante e psicologicamente uma morte lenta.
Se a vítima identifica pessoalmente agressores não é Bullying. É outro tipo de violência.
Se a vítima dirige sua vingança contra determinados alvos, não é Bullying.
Se a violência não é contínua e constante, não é bullying.

É preciso não confundir a vítima de bullying, que por anos é violentada e se sente inferiorizada, da criança mal criada, num lar autoritário e violento, que acha que pode reagir e punir com a morte qualquer um que lhe cause um embaraço momentâneo.
A reação da vítima de bullying é uma explosão da qual ela, vítima, sabe que não sobreviverá. E é dirigido ao coletivo, ao amorfo social. Um misto de amor e ódio, em vista da dualidade sentimentos.
A reação de uma criança criada num lar violento, sem limites, narcisista e que constrói valores éticos em cima de diferenciação social, com pouco ou nenhum apreço pelo outro, não é bullying.

Por fim, as armas matam. A sensação de uma vítima de bullying (após formar-se como sujeito crítico) é a mesma que você sente após ser assaltado. Só que no assalto a sensação de revolta é pontual. No bullying é sempre assim, todo dia a toda bora. Se te derem uma arma, logo após você ser assaltado, você descarrega no assaltante. Se te deixarem cuspir nele a sensação sua será a mesma. As armas matam.
Agora imagine um adolescente, em estado crítico de bullying, com armas semi-automáticas…

Bullying é sério. Mas nem toda violência estudantil é bullying.

Publicado originalmente em seu Facebook

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