Supremo virou um terreiro e desfez a macumba das delações. Por Mário Rosa
Muito embora uma decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal tenha assentado que a palavra de um delator – por si só – não pode servir para acusar ou condenar alguém, as revelações feitas por Pai Uzêda na convenção do PMDB precisam ser ouvidas com muitas atenção.
Segundo o babalorixá, que passou flores de guiné publicamente em torno do corpo presidencial (ou primeiro corpo, segundo o protocolo), Temer foi vítima de dois gravíssimos atentados espirituais, um de vodu e outro de macumba.
A afirmação do pai de santo foi feita durante um ritual em que o maior partido do país se reuniu em convenção para deliberar o milagre político da ressurreição. Símbolo da política nesses tempos em que a confiança da sociedade parece ter desencarnado de suas instituições, o PMDB promoveu uma pajelança e voltou a se chamar MDB, a sigla que já encarnou a esperança da cidadania durante os anos de chumbo do regime militar. Será que o “P” colocado à frente da antiga sigla tão virtuosa na verdade foi um encosto finalmente retirado agora e o partido com essa mandinga vai conseguir reconquistar sua antiga conexão com o eleitorado?
O fato é que este ano político não poderia ter terminado de forma mais simbólica e eloquente. Vivemos dias realmente sobrenaturais. As manifestações de Pai Uzêda, tecnicamente, equivalem a uma delação. Vinda do além, mas uma delação. Os que não acreditarem nela tem todo o direito de professar seu credo religioso e rejeitarem outras inclinações. Em nome do rigor jurídico e sem entrar em considerações de caráter ecumênico, é preciso reconhecer que Uzêda não apresentou provas do que disse.
(Eu, em particular, acreditei piamente no diagnóstico de Pai Uzêda, assim como muitos acreditam em tudo o que dizem todos os delatores em todas as delações).
Foi exatamente por esse princípio, aliás, que a 2ª Turma do Supremo decidiu que babalorixás de outro naipe não podem servir como elementos de comprovação em delações premiadas. O que a mais alta corte do país, ao menos temporariamente, pactuou é que acusações desprovidas de comprovação são juridicamente manifestações do Éter, algo em que se pode acreditar ou não, dependendo da fé de cada um, mas não se constituem em provas incontestáveis, ao menos no mundo dos mortais.
É curioso. Ao subir ao palco da convenção nacional do maior partido do país e benzer publicamente o presidente da República, Pai Uzêda simbolizou um período em que a política nunca esteve tão próxima do sobrenatural. Ao mesmo tempo, ao se posicionar, ainda que de forma não definitiva sobre a nulidade das delações como elemento único para processar ou condenar acusados, o Supremo funcionou como uma espécie de terreiro: rechaçou o sobrenatural e impôs que a justiça dos homens deve se pautar apenas por elementos lógicos e palpáveis.
É como se tivesse feito um “trabalho” para neutralizar as macumbas dos processos legais. A liberdade religiosa é garantida a todos. A fé é algo que pode estar certa, acredite o outro ou não. Mas no caso das delações, disse o Supremo, a liturgia a ser seguida não pode ser a das crenças pessoais. Prova é prova. Todo o restante pertence ao campo do sobrenatural. Assim pregou o Supremo. Amém.
(Um último adendo: em nome da diversidade e do ecletismo, saravá também!)
Mario Rosa, 53 anos, é 1 dos mais renomados consultores de crise do Brasil. Pede que em sua biografia seja incluído o fato de ter sido jurado de miss Brasil e ter beijado o manto verde-rosa da Estação Primeira de Mangueira. Foi o autor do prefácio do primeiro plano de gerenciamento de crises do Exército Brasileiro. Atuou como jornalista e consultor.
Michel Temer saudado com galhos de arruda pelo pai de santo Pai Uzêda
Artigo publicado originalmente em https://www.poder360.com.br/opiniao/governo/revelacoes-de-pai-uzeda-precisam-ser-ouvidas-com-atencao-diz-mario-rosa/