Onde está o seu poder? Onde você seca? Conta um itan africano que através de um levante organizado e liderado por Oxum, às mulheres foram convocadas a secar o mundo, deixando-o infértil e desequilibrado. Para que todos compreendessem a importância das mulheres na concepção e organização do mundo.
“A revolução social é feminina e chegou a hora da Mulher Negra falar de si, por si e sobre si. Oxum é um espetáculo de poderamento feminino negro, onde a mulher Negra contemporânea é convocada a buscar o seu poder”, declara Onisajé (Fernanda Júlia), diretora artística do Núcleo Afrobrasileiro de Teatro de Alagoinhas (NATA). O espetáculo também tem direção do coreógrafo Zebrinha e dramaturgia de Daniel Arcades.
Na dramaturgia aparecem quatro qualidades de OXUM: Opará – Justiceira e guerreira; Okê ou Loke – caçadora; Abotô ou Yaboto, relacionada ao parto e ao nascimento e ao encantamento; e Ijimu, a feiticeira e senhora da fecundidade.
Faz-se ainda referência a Yami, mãe ancestral, síntese e geratriz do poder feminino. Na poética do Nata, cada Oxum é interpretada pela atriz que tem o arquétipo correspondente a qualidade. Para escolher essas qualidades, a voz – o lugar de fala – das atrizes se tornou algo importante. Oxum é um mergulho no autocuidado entre mulheres negras.
Para Oxum, o NATA convidou mais três atrizes – Fernanda Silva, Ive Carvalho e Tatiana Dias -, que foram selecionadas através de audição. Fazem parte do elenco os integrantes do grupo: Fabíola Nansurê, Antônio Marcelo, Daniel Arcades, Thiago Romero - que assina a direção de arte - e Nando Zâmbia, que assina a iluminação e a coordenação técnica da peça. Para completar o quadro de interpretes, o grupo traz a cantora Joana Boccanera, que também assina a preparação vocal.
Zebrinha comenta que o espetáculo faz uma leitura moderna ao mostrar o entrelaçamento do mítico com o contemporâneo. “Ao ser iniciado passei por um upgrade. Hoje, como filho de Ogun, consigo enfrentar a batalha que é calçar um salto alto. É desta forma que encenamos essa yabá. Mostramos que essas mulheres, acima de tudo, carregam o poder e o comportamento da Oxum. Ou seja, do arquétipo que carregam. Elas levam a orixá em sua personalidade”.
De acordo com Daniel Arcades, a dramaturgia em Oxum aprofunda o processo de pesquisa feito nos trabalhos anteriores do Nata. “Mantêm o lírico-narrativo aliado a presença das vozes políticas femininas. A grande novidade é esse lugar de fala. Durante muito tempo, o NATA foi majoritariamente masculino. Em Oxum, ao trazermos quatro atrizes, o grupo passa a ser mais feminino, interferindo na dramaturgia”.
Daniel explica que a dramaturgia aprofunda o intercâmbio entre tradição e contemporaneidade, trazendo um discurso que pensa no protagonismo feminino. “Pensamos em dois lugares: no lugar de fala e escuta. O discurso feminino precisa estar ao alcance de todos, mas em lugares diferentes. Esse assunto não é só de mulher e sim de todos, mas a fala precisa ser delas”.
Com isso, o espetáculo Oxum vem para fazer as seguintes perguntas: Onde está o poder da mulher negra? Ela tem consciência desse poder? Onde ela seca o mundo? A montagem é um levante contra o feminicídio negro e a invisibilização da mulher negra na contemporaneidade.
“Lugar de fala não é só o lugar que se está falando, mas a visibilização e legitimação desta fala, citando aqui a filósofa Djamila Ribeiro. É o que estamos propondo em Oxum. É a mulher falar de si, por si e sobre si. O homem é criado para valorizar-se desde sempre. E a mulher negra é o outro do outro. Vem depois da mulher branca”, descreve Onisajé, ao reforçar que a sociedade precisa visibilizar essas vozes femininas negras.
Mas, é impossível falar de feminino sem trazer uma proposição de uma nova masculinidade. “O espetáculo traz dois princípios fortes do texto: o lugar de fala e de escuta. O homem precisa escutar e estudar nossas questões. A dramaturgia é de Daniel, mas foi construída a partir das vozes das mulheres que fazem parte desse projeto – atrizes, produtoras e conselheiras”, explica.
Além de Daniel Arcades na dramaturgia, Onisajé divide a encenação com o coreógrafo Zebrinha. “O homem tem que afirmar o feminismo e enxergar o papel dele nessa luta. O problema não é o homem e sim o machismo. Não queremos uma inversão de supremacia e sim a complementariedade, pois no matriarcado sabemos a importância da mulher e do homem juntos”, destaca.
O espetáculo OXUM faz parte do projeto OROAFROBUMERANGUE, aprovado no Edital de Apoio a Grupos e Coletivos Culturais da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb). A realização é do Núcleo Afrobrasileiro de Teatro de Alagoinhas (NATA) e uma produção da Modupé Produções.
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