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Tem coisa que branco não entende (a propósito da polêmica do Oscar) . Por Joel Zito Araújo

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Joel-Zito-Araujo

Vi os comentários “provocativos” de alguns amigos em minha página do Face que me fizeram pensar e concluir que realmente é difícil para um branco, especialmente os brasileiros e latino-americanos, de compreender uma crítica como a de Spike Lee. O caso dele é exemplar. Após “Faça a Coisa Certa”, realizado em 1989, ele teve um período de intensa criatividade, com “Mais e melhores Blues”, “Malcom X”, “Febre na Selva” e “Verão de Sam”, filmes que colocaram o diretor entre os grandes nomes do cinema mundial. A Academia praticamente ignorou os filmes, o diretor, a equipe e os atores e atrizes participantes. Spike recebeu apenas duas indicações, uma por melhor roteiro por Faça a Coisa Certa, e outra por um documentário. E não levou nada até, finalmente, receber um Oscar “honorário” no ano passado, 25 anos depois. 
Portanto, não falo aqui dos prêmios não recebidos por ele, Spike Lee foi, junto com seus atores, IGNORADO nas indicações da Academia por quase 3 décadas. 
Este é um exemplo de como os brancos ignoram os talentos negros e, tendo como base um sentimento que carregam de ser os representantes naturais do ser humano, e da “raça humana” não percebem o que se passa do lado, com os não brancos. Não é a toa que a história bíblica da criação e desenvolvimento da humanidade é normalmente representada por Hollywood, e por nossas telenovelas, por pessoas brancas. Os brancos não sentem no seu dia a dia o peso da cor da pele, e de suas características raciais, como elementos de DEMÉRITO, não sentem o estigma de ser negro. Não sentem o medo da polícia por serem negros. Não sentem um permanente desconforto de estar fora do lugar nos espaços de classe média e alta por serem afro-descendentes. Não levam na cara, quando ganham 8 kikitos em Gramado, os comentários que a premiação foi fruto do politicamente correto, e não dos méritos do seu filme frente aos outros. Em outros termos, o branco sente-se como a representação natural e universal do ser humano. Enquanto isso, percebem o negro como o outro, o feio, a ameaça, como portadores de um estigma negativo de várias nuances. É atrás de tudo isto que para ser indicado tem de ser super ultra excepcional. 
Foi o que se passou nos dois últimos anos, e ao longo da história de Hollywood (não vou repetir aqui a quantidade ínfima de vezes que os negros foram indicados ou premiados). 
É uma nova consciência fruto desta injustiça que irá promover as mudanças capitaneadas pela primeira mulher negra a ocupar o posto de presidente da Academia. Não venham portanto me encher a paciência que agora a Academia vai ter também de indicar transgenêros, indianos, anões … E daí!

Vou agora apelar, sem ressentimento, para o coração dos meus amigos brancos, com uma outra história pessoal, relativa ao mérito. Eu não consegui fazer a minha graduação na UFMG porque não tive “mérito”. E eu sempre me destaquei pelo meu nível intelectual desde o início da minha adolescência. A avaliação de mérito criada pelo vestibular não detectava que eu, uma pessoa que não falava inglês, e que não tinha recebido outros privilégios de classe e raça (oriundo de um pai caminhoneiro e uma mãe empregada doméstica), poderia um dia ter uma carreira com mais prêmios, reconhecimento e produtividade, do que os jovens brancos que entraram na UFMG no curso que fui preterido na época. Portanto, por favor, não me venham com esta história de valor universal do mérito. Este tal de mérito não está acima dos preconceitos de sua época. Ele é criado por seres humanos, históricos, com classe, raça e interesses, muitas vezes, preconceituosos.

PS – Não é só brancos que não entendem, os pretos da Casa Grande também.

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