Aldeia Nagô
Facebook Facebook Instagram WhatsApp

Tempos difíceis. Por Cláudio Guedes

4 - 5 minutos de leituraModo Leitura
Claudio_Guedes

Os pavores que assombraram o mundo civilizado, ou o que então imaginávamos como mundo desenvolvido, nas décadas de 30 e 40 do século passado, soam contemporâneos no Brasil de hoje.

 

Violência, nacionalismo, patriotismo – impressionante a quantidade de pessoas que se abrigam sobre o manto da bandeira para molestar e xingar adversários políticos – arrogância, brutalidade e preconceito.

Novas simplificações, aparentemente racionais, alimentam o ciclo de desrespeito à ordem democrática e às leis garantidoras dos direitos individuais.

Neste clima onde ressentimentos, oportunismos e truculências se dão as mãos, o vírus do proto-fascismo começa a se espalhar com vigor.

O mesmo país que gerou um Lula, uma Marielle, um Chico Buarque, produziu também um Moro, um Bolsonaro, um Alexandre Frota. O elemento diferenciador são as escolhas, os caminhos morais ou amorais, os atalhos que levaram os últimos a desprezar a ordem constitucional, a fomentar a violência e a atacar os produtores luminares de cultura.

Uma estratégia bem articulada pelos setores conservadores e reacionários da sociedade brasileira, ajudados por vigaristas, oportunistas e ingênuos – como sempre nesses processos – descontentes com as vitórias nacionais seguidas da coalização liderada pela esquerda, levou os vencedores de 2014 às cordas.

Atônitos, despreparados para o confronto iminente, com capacidade de reação limitada – como consequência de erros contínuos na avaliação da conjuntura política e uma inexplicável soberba -, os vencedores nas urnas foram ao chão em “knockdowns” sucessivos.

Infelizmente, é forçoso reconhecer, os adversários da Constituinte Cidadã, que a deglutiram com dificuldade nos anos 90, se reorganizaram e se juntaram com o que há de mais atrasado e árido na sociedade brasileira para fornecer à direita organizada politicamente – esse misto de liberais oportunistas e conservadores elitistas – o espaço que a democracia conquistada lhe negava continuamente. Espaço para encurralar politicamente as forças que representam os interesses populares e ambiente, na sociedade civil, para promover movimentos regressivos subtraindo conquistas relativas aos costumes e aos direitos individuais.

Ultrapassamos o meio da encruzilhada, com tendência claramente favorável aos adversários da liberdade, da igualdade e da fraternidade.

Entretanto o movimento muito bem articulado pelos estrategistas dos forças reacionárias possui uma vulnerabilidade patente. Na estratégia de conquista do poder e usufruto deste pelos liberais (sic), apoiados pelo grande capital empresarial e financeiro, não parece ter lugar para o povo. Sim, o povo, a maioria do país que convive com uma realidade de opressão econômica e desigualdade social das mais gravosas entre os países ocidentais.

O que nos resta?

Ou sucumbir aos proto-fascistas e preparar a longa resistência, de um ciclo que normalmente dura entre uma dezena a duas de anos, ou organizar a resistência desde já, de forma inteligente e articulada buscando deter o processo de derrota.

A coalizão que deu sustenção à escalada autoritária possui outra fragilidade. Parte de sua sustentação encontra-se em setores que, por oportunismo ou ingenuidade, apoiam as medidas de supressão de direitos e garantias porque pensam que as mesmas serão recolhidas quando a esquerda petista e as lideranças populares mais aguerridas forem eliminadas. Pura ilusão. Chocado o ovo, a serpente crescendo e engordando, as vítimas irão se sucedendo. O filme é conhecido.

Devemos alertar os intelectuais, jornalistas e juristas outrora próximos à esquerda e que hoje dão sustentação à nova ordem que eles não se salvarão. Serão, em muito breve, peças descartáveis. Seus “curriculums” estão em um fundo de gaveta, apenas por conveniência esquecidos. Mas na hora apropriada de lá serão retirados e lhes serão jogados aos pés. Serão julgados como oportunistas, apenas oportunistas, pelos novos vitoriosos. E nesse momento só salvarão suas cabeças se de quatro mostrarem as suas carnes já flácidas aos detentores do poder. É preciso que ouçam esse alerta.

A resistência para manter a democracia e as liberdades individuais exige clareza, boa escolha de aliados e generosidade. Trabalhar com o mundo do trabalho, desnudando a conexão, que para muitos permanece obscura, entre a supressão de direitos políticos e civis e o aumento da exploração do trabalho, pela precarização também dos direitos sociais. As coisas caminham juntas.

Frentes amplas em todos os espaços, a unir os que entendem a democracia e a liberdade como valores universais, como conquistas do processo civilizatório.

Nas escolas de segundo grau, nas universidades, nos sindicatos e, principalmente, no mundo da grande política a hora é de esquecer as pequenas diferenças e buscar alguma unidade. Mesmo onde a batalha parece decidida em favor do adversário, o vasto sistema jurídico do país, há contradições a explorar, somando apoios, para ao menos tentar re-equilibrar a enorme desvantagem.

É hora de defender a liberdade.

O manto negro do autoritarismo ameaça cobrir o país.

Claudio Guedes é Empresário e Professor

Compartilhar:

Mais lidas