Aldeia Nagô
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Tipos de carisma: da cabeça (Lula) e das mãos(Dilma) por Leonarod Boff

4 - 5 minutos de leituraModo Leitura

O Brasil conheceu ultimamente duas rupturas de magnitude histórica:
elegeu um operário presidente e, em seguida, uma mulher, filha de
imigrantes búlgaros, resistente da ditadura militar e testada na
tortura. Isso não é sem significação.


Depois de 503 anos sem
alternância no poder, tempo em que as elites dominaram neste pais,
criaram-se as condições concretas políticas e sociais para romper esta
continuidade. Um filho da pobreza, Lula, irrompeu com um carisma
avassalador que modificou o cenário político brasileiro.

Agora o
sucede uma mulher, Dilma Vana Rousseff. Antes de mais nada é uma mulher.
Para os que vêm da cultura patriarcal e androcêntrica ainda dominante
na sociedade, que não se deu conta da revolução cultural trazida pelas
mulheres, há mais de um século, o fato de ser mulher não significa nada.

Para
muitos deles, funciona em suas cabeças, o que ensinava Aristóteles, o
repetia Tomás de Aquino e que ainda guarda ressonância no Código de
Direito Canônico e na psicologia de Freud: a mulher é um homem que ficou
a caminho e que não chegou ainda à sua plenitude. Por isso, o lugar que
lhe cabe é apenas de coadjuvante. E eis que emerge uma mulher que rompe
com este preconceito e se mostra como presidente que assume
conscientemente sua função. Em seguida, é uma mulher que mostrou coragem
ao se opor à truculência dos que sequestravam, torturavam e matavam em
nome do Estado de Segurança Nacional (entenda-se Segurança do Capital).
Uma mulher que ajudou a construir uma democracia aberta, sem rancor e
sem ódios, como se viu na campanha presidencial, de baixíssima
intensidade ética e se qualificou brilhantemente como administradora em
várias funções públicas.

Ela não tem o tipo de carisma de Lula que
é o carisma da cabeça, que mais que palavras fala coisas, que diz a
verdade direta e pronuncia discursos convincentes. Ela tem o carisma das
mãos, do fazer: correto, bem planejado e rigorosamente cobrado. Sem
perder a ternura de mulher, se mostra exigente, como deve ser.


carismas e carismas. A categoria carisma não pode ser monopolizada por
um tipo de carisma, aquele da palavra criativa e do fascínio que
suscita. Há outros tipos de carisma que não ncessariamente passam pela
palavra falada. Se assim fosse, Chico Buarque de Holanda não seria
inegavelmente o carismático que é, pois seu carisma não se realiza pela
palavra falada, mas no romance, na poesia e genialmente na música.

Expliquemos
melhor este conceito de carisma que vai além do sentido dado por Max
Weber. Raro na literatura grega e vétero-testamentária, foi introduzido
por São Paulo que o usou dezenas e vezes em suas epístolas. O carisma
está ligado a duas outras realidades: ao Espírito e à comunidade. O
Espírito é entendido como a fantasia de Deus, o princípio divino de toda
criatividade e invenção. Esse Espírito suscita todo tipo de carismas
como da inteligência, do aconselhamento, da consolação dos doentes, do
ensino, da palavra fácil, da direção de uma comunidade. O carisma não é
do reino do extraordinário, mas do ordinário da vida como o de cantar,
de fazer música e de entreter a comunidade. Não existe nenhum membro
ocioso:”Cada qual tem o seu próprio carisma, um de um modo outro de
outro”(1Cor 7,7).

Os carismas vêm do Espírito mas se destinam à
construção e à animação da comunidade. Eles não são para a autopromoção
mas para o serviço aos demais. Definindo: carisma é a função concreta
que cada qual desempenha dentro da comunidade a bem de todos (l Cor
12,7;Ef 4,7), função entendida na fé como atuação do Espírito Criador
presente na comunidade.

Apliquemos isso ao caso Dilma. Seu
carisma, no entendimento acima, é o do fazimento, da administração, do
governo, do planejamento de um projeto de Brasil e da diligência para
que seja realizado no sentido da justiça social e ecológica, da inclusão
dos destituídos, com ética pública, transparência nas decisões e
controle dos procedimentos. Talvez após o carisma da cabeça convém que
seja completado com o das mãos o operosas.

Para que esse carisma
se realize não basta a vontade de Dilma. Precisa-se do apoio da
sociedade, da boa-vontade geral e de todos os que labutam pelo bem do
povo a partir dos últimos.

 

Leonardo Boff escreveu com Rose Marie Muraro,Feminino e Masculino (Record) 2002

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