Tudo na vida é superfície e símbolo. Por Sérgio Sobreira
Parafraseando Oscar Wilde no prefácio de O Retrato de Dorian Gray, assisti alguns trechos do Casamento Real (não me julguem, ninguém tem nenhum direito sobre minhas escolhas) enquanto tomava café e fui recolhendo o repertório de símbolos cuidadosamente dispostos ao longo de toda a cerimônia.
Primeiro quero destacar que a existência de monarquia no século XXI é um anacronismo quase absurdo. Uma coisa é afirmar a diferença entre os humanos, somos todos diferentes, únicos. Outra coisa é estabelecer a diferença como hierarquia, onde o sangue (portanto, a hereditariedade) atribui a uns superioridade e direito sobre (a vida dos) outros.
O casamento está sendo comentado pelas inovações. A noiva é estrangeira, afrodescendente, divorciada e mais velha que o noivo. Entrou sozinha na igreja. Durante a celebração teve um pastor negro fazendo o sermão, um coro negro gospel americano se apresentando assim como um jovem violoncelista negro sendo o solista de parte das músicas tocadas. Coroando o afro simbolismo da cerimônia, a capelã oficial da Rainha, que celebra as missas do Palácio de Buckingham e fez uma das leituras, é uma mulher negra.
Por outro lado, a monarquia inglesa está mudando para não mudar. Todas essas inovações são estratégias de aproximação e atualização da monarquia com a sociedade para que esta continue mantendo reis, princesas, duques e barões onde estão.
Nessas horas, penso em meu colega Fabio Sadao Nakagawa e de como seria útil se o ensino da semiótica, do qual ele é master class, fosse acessível a todos. Entender os símbolos, sua construção e lugar na mediação e regulação das relações sociais, ajudaria muito as pessoas a fazerem melhores escolhas mas sobretudo serem mais honestas, inclusive com suas contradições.
Sérgio Sobreira é professor da UFBa