Um acordo e seis verdades por José Luís Fiori
"A mediação
bem
sucedida de Lula com o Irã alçaria o Brasil no cenário mundial." O
Globo, 16 de
maio de 2010, p. 38.
Na terça feira,
18 de maio de 2010, foi assinado o Acordo Nuclear entre o Brasil, a
Turquia e o
Irã, que dispensa maiores apresentações. E como é sabido, quarenta e
oito horas
depois da assinatura do Acordo, os Estados Unidos propuseram ao Conselho
de
Segurança da ONU, uma nova rodada de sanções ao Irã, junto com a
Inglaterra,
França e Alemanha, e com o apoio discreto da China e da
Rússia.
Apesar da
rapidez dos acontecimentos, já é possível decantar algumas verdades no
meio da
confusão: 1) A iniciativa diplomática do Brasil e da Turquia não foi uma
"rebelião da periferia", nem foi um desafio aberto ao poder americano.
Neste
momento, os dois países são membros não permanentes do Conselho de
Segurança da
ONU, e desde o início contaram com o apoio e o estímulo de todos os
cinco
membros permanentes. Além disso, as diplomacias brasileira e turca
estiveram em
contato permanente com os governos desses países durante a negociação. A
Turquia
pertence à OTAN, e abriga em seu território armas atômicas
norte-americanas. E o
presidente Lula recebeu carta de estímulo do presidente Barack Obama,
duas
semanas antes da assinatura da visita de Lula, e a secretária de Estado
norte-americana declarou – na véspera do Acordo – que se tratava da
"última
esperança" de solucionar de forma diplomática a "questão nuclear
iraniana".
2) O que
provocou surpresa e irritação em alguns setores, portanto, não foram as
negociações, nem os termos do acordo final, que já eram conhecidos. Foi o
sucesso do presidente brasileiro que todos consideravam impossível ou
muito
improvável. Sua mediação viabilizou o acordo, e ao mesmo tempo descalçou
a
proposta de sanções articulada pela secretária de Estado americana
depois de
sucessivas concessões à Rússia e à China. E, além disso, criou uma nova
realidade que já escapou ao controle dos Estados Unidos e seus aliados, e
do
Brasil e Turquia.
3) A reação
americana contra o Acordo foi rápida e ágil, mas o preço que os Estados
Unidos
pagarão pela sua posição contra esta iniciativa pacifista será muito
alto.
Perdem autoridade moral dentro das Nações Unidas e perdem credibilidade
entre
seus aliados do Oriente Médio, com a exceção de Israel, por razões
óbvias. E já
agora, passe o que passe, o Brasil e a Turquia serão uma referência
ética e
pacifista, em todos os desdobramentos futuros deste
contencioso.
4) Existe
consenso que a estrutura de governança mundial estabelecida depois da II
Guerra
Mundial, e reformulada depois do fim da Guerra Fria, já não corresponde à
configuração do poder mundial. Está em curso uma mudança na distribuição
dos
recursos do poder global, mas não se trata de um processo automático, e
dependerá muito da capacidade estratégica e da ousadia dos governos
envolvidos
nesse processo de transformação. O Oriente Médio faz parte da zona de
segurança
e interesse imediato da Turquia, mas no caso do Brasil, foi a primeira
vez que
interveio numa negociação longe de sua zona imediata de interesse
regional,
envolvendo uma agenda nuclear, e todas as grandes potências do mundo. A
mensagem
foi clara: o Brasil quer ser uma potência global e usará sua influência
para
ajudar a moldar o mundo, além de suas fronteiras. E o sucesso do Acordo
já
consagrou uma nova posição de autonomia do Brasil, com relação aos
Estados
Unidos, Inglaterra e França e, também, com relação aos países do
Bric.
5) O acordo
seguirá sendo a melhor chance para prevenir um conflito militar em todo o
Oriente Médio. As sanções em discussão são fracas, já foram diluídas,
não são
totalmente obrigatórias, e não atingirão a capacidade de resistência
iraniana.
Pelo contrário, se foram aprovadas e aplicadas, liberarão
automaticamente o
governo do Irã de qualquer controle ou restrição, diminuirão o controle
norte-americano e da AIEA, acelerarão o programa nuclear iraniano e
aumentarão a
probabilidade de um ataque israelense. Porque os Estados Unidos já estão
envolvidos em duas guerras, e não é provável que a OTAN assuma
diretamente esta
nova frente de batalha, a despeito do anti-islamismo militante, dos
atuais
governos de direita, da Alemanha, França e Itália.
6) Por fim, o
jornal "O Globo" foi quem acertou em cheio, ao prever – com perfeita
lucidez –
na véspera do Acordo, que o sucesso da mediação do presidente Lula com o
Irã
projetaria o Brasil, definitivamente, no cenário mundial. O que de fato
aconteceu, estabelecendo uma descontinuidade definitiva com relação à
política
externa do governo FHC, que foi, ao mesmo tempo, provinciana e
deslumbrada, e
submissa aos juízos e decisões estratégicas das grandes
potências.