Aldeia Nagô
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Um círculo vicioso mortal por Leonardo Boff

3 - 5 minutos de leituraModo Leitura

Estamos todos sentados em cima de paradigmas
civilizacionais e econômicos falidos. É o que nos revela a atual crise global com
suas várias vertebrações.






Nada de consistente se apresenta como alternativa
viável a curto e a médio prazo. Somos passageiros de um avião em vôo cego. O
que se oferece, é fazer correções e controles à la Keynes, que, no fundo, são
mudanças no sistema mas não do sistema. Mas é este sistema que comparece como
insustentável, incapaz de oferecer um horizonte promissor para a humanidade.
Por isso, a demanda é por um outro sistema e um outro paradigma de habitar este
pequeno, velho, devastado e superpovoado planeta. É urgente porque o tempo do
relógio corre contra nós e temos pouca sabedoria e parco sentido de cooperação.

Em razão dos interesses dos
poderosos que não fazem o necessário para evitar o fatal, as soluções
implementadas mundo afora vão na linha de "mais do mesmo". Mas isso é
absolutamente irracional  pois foi esse "mesmo" que levou à
crise que poderá evoluir para uma tragédia completa.

Estamos, pois, enredados num círculo vicioso
letal. Dois impasses estão à vista, gostem ou não os economistas, "os salvadores"
do mundo: um humanitário e outro ecológico.

O primeiro é de natureza ética: a consciência
planetária, surgida à deriva da globalização, suscita a pergunta: quanto de
inumanidade e de crueldade aguenta o espírito humano ao verificar que 20% das pessoas
consome 80% de toda a riqueza da Terra, condenando o resto à cruz do desespero,
encurralada nos limites da sobrevivência? Esta aceitará o veredito de morte
sobre ela? Ela resiste, se indigna e, por fim, se rebelará por instinto de
sobrevivência O ideal capitalista de crescimento ilimitado num planeta limitado
parece não ser mais proponível ou só sob grande violência.

O segundo é o limite ecológico. O capitalismo
criou a cultura do consumo e do desperdício cujo protótipo é a sociedade
norte-americana. Generalizar esta cultura – cálculos foram já feitos –
precisar-se-iam de duas ou mais Terras semelhantes à nossa, o que torna o
propósito irrealizável. Por outra parte, encostamos nos limites dos recursos e
serviços da Terra e os ultrapassamos em 40%. Todas as energias alternativas à
fóssil, mantido o atual consumo, atenderia somente 30% da demanda global. Como
se depreende, dentro do mesmo modelo, somos um sapo sendo lentamente cozido sem
chances de saltar da panela.

 Há três propostas criativas: a da economia
solidária que não mais se guia pelo objetivo capitalista da maximização do
lucro e de sua apropriação individual. A do escambo com as moedas regionais. A
terceira é a da biocivilização e da Terra da Boa Esperança, do economista
polonês que dirige um centro de pesquisa sobre o Brasil em Paris: Ignacy Sachs.
Ela confere centralidade à vida e à natureza, tendo o Brasil como o lugar de
sua antecipação. As três são possíveis mas não acumularam ainda força
suficiente para ganhar a hegemonia.

 Talvez elas nos poderiam salvar. Mas
teremos tempo hábil? Bem dizia Gramsci: "o velho não acaba de morrer e o
novo custa em nascer". Não se desmonta uma cultura de um dia para outro.
Quem está acostumado a comer bife de filé dificilmente se resignará a comer
ovo.

 Meu sentimento do mundo diz que vamos ao
encontro de uma formidável crise generalizada que nos colocará nos limites da
sobrevivência. Chegando a água ao nariz, faremos tudo para nos salvar.
Possivelmente seremos todos socialistas, não por ideologia mas por necessidade:
os parcos recursos naturais serão repartidos equanimemente entre os humanos e
os demais viventes da comunidade de vida.

 Santo Agostinho sabiamente ensinou que dois
fatores ocasionam em nós grandes transformações: o sofrimento e o amor. Devemos
aprender já agora a amar e a sofrer por esta única Casa Comum a fim de que
possa ser uma grande Arca de Noé que albergue a todos. Então será, sim, a Terra
da Boa Esperança, um sinal de um Jardim do Éden ainda por vir.

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