Aldeia Nagô
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Um mundo cheio de ‘não-pessoas’ por Noam Chomsky

6 - 8 minutos de leituraModo Leitura

Triunvirato de potência apoia tiranos enquanto é vantajoso, mas e quanto aos que morrem lá em baixo, vítimas de bombardeios?


No dia 15 de junho, três meses depois do começo dos bombardeios da
OTAN na Líbia, a União Africana [UA] apresentou ao Conselho de Segurança
da ONU a posição africana sobre o ataque – na realidade, bombardeio por
seus tradicionais agressores imperiais: França e Grã-Bretanha, junto
com os Estados Unidos, que inicialmente coordenaram o ataque, e outras
nações, marginalmente.

É preciso relembrar que houve duas intervenções. A primeira, sob a
Resolução nº 1973 do Conselho de Segurança da ONU, adotada em 17 de
Março, que estabeleceu uma "zona de exclusão aérea", um cessar-fogo e
medidas de proteção aos civis. Depois de poucos momentos, essa
intervenção foi deixada de lado, pois o triunvirato se juntou ao
exército rebelde, servindo de força aérea para ele.

No começo do bombardeio, a UA conclamou esforços diplomáticos e
negociações para tentar evitar catástrofe humanitária na Líbia. Em um
mês, à UA se juntaram os países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul) e outros, inclusive a maior força regional da OTAN, a
Turquia.

Na realidade, o triunvirato estava bastante isolado nos seus ataques –
usados para eliminar o tirano imprevisível que eles apoiaram enquanto
era vantajoso. A esperança era ter um regime que acatasse melhor as
exigências do Ocidente com relação ao controle sobre os ricos recursos
da Líbia e, talvez, oferecer uma base africana ao Comando militar dos
Estados Unidos para a África – AFRICOM -, por enquanto confinado em
Stuttgart [Alemanha].

Ninguém sabe dizer se o esforço relativamente pacífico proposto pela
Resolução nº 1973 da ONU, que tinha o apoio de quase todo o mundo, teria
sucesso em evitar a terrível perda de vidas e a destruição que se
seguiu na Líbia.

No dia 15 de Junho, a UA informou ao Conselho de Segurança que
"ignorar a UA por três meses e levar adiante os bombardeios da terra
sagrada da África foi desrespeitoso, arrogante e provocador". A UA foi
adiante e apresentou um plano de negociação e policiamento dentro da
Líbia, pelas forças da UA, além de outras medidas de reconciliação –
para nada.

O informe da UA para o Conselho de Segurança também relatou o
contexto das preocupações dela: "A soberania tem sido a ferramenta da
emancipação dos povos da África, que estão começando a forjar novos
caminhos depois de séculos predatórios com o tráfico de escravos, o
colonialismo e o neocolonialismo. Assaltos descuidados à soberania dos
países da África, portanto, significam abrir feridas recentes no destino
dos povos africanos".

O apelo africano pode ser encontrado no jornal indiano "Frontline",
mas praticamente não foi ouvido no Ocidente. Isso não é surpresa: os
africanos são "não-pessoas", para adaptar um termo de George Orwell para
os que não estão qualificados para entrar na História.

No dia 12 de Março, a Liga Árabe ganhou status de "pessoa" ao dar
apoio à Resolução nº 1973 da ONU. Mas essa aprovação logo desapareceu,
quando a liga se recusou a apoiar o subsequente bombardeio Ocidental à
Líbia.

Devastadores e mortíferos ataques de Israel em Gaza. Os palestinos
("não-pessoas") são proibidos de ter Força Armada para se defender

No dia 10 de Abril, a Liga Árabe voltou à categoria de "não-pessoa"
ao pedir à ONU que impusesse uma zona de exclusão aérea sobre Gaza e
levantasse o embargo israelense, o que foi virtualmente ignorado.

Isso também faz muito sentido. Os palestinos são os típicos
"não-pessoas", como vemos regularmente. Considere a edição
Novembro/Dezembro da revista "Foreign Affairs", que começa com dois
artigos sobre o conflito Israel-Palestina.

Um, escrito pelos oficiais israelenses Yosef Kuperwasser e Shalom
Lipner, culpa os palestinos pela continuação do conflito, por se
recusarem a reconhecer Israel como um "estado Judeu" (para ficar em dia
com a norma diplomática: Estados são reconhecidos, mas não setores
privilegiados dentro deles [como "os judeus"]).

O segundo, do estudioso americano Ronald R. Krebs, atribui o problema
à ocupação israelense; o subtítulo do artigo é: "Como a Ocupação está
Destruindo a Nação". Que Nação? Israel, claro, ferida por ter suas botas
nos pescoços das ‘não-pessoas’ ".

E não ficamos sabendo de nada a respeito de centenas de detidos,
mantidos em prisões israelenses, por longos períodos, sem que haja
acusação contra eles.

Entre os presos não mencionados, estão os irmãos Osama e Mustafa Abu
Muamar, civis sequestrados por forças de Israel que assaltaram Gaza City
no dia 24 de Junho de 2006 – um dia antes da captura de Shalit. Os
irmãos foram "desaparecidos" dentro do sistema carcerário de Israel.

Não importa o que se pense sobre a captura de um soldado de um
exército que ataca, sequestrar civis é, simplesmente, crime mais sério –
a não ser, claro, que eles sejam "não-pessoas".

Para se ter certeza, esses crimes não se comparam com outros, entre
eles os constantes ataques aos cidadãos beduínos de Israel, que vivem no
sul do deserto de Negev.

Eles estão, novamente, sendo expulsos sob um novo programa desenhado
para destruir dúzias de vilas beduínas para as quais foram forçados
anteriormente. Por razões benignas, claro. O gabinete israelense
explicou que 10 assentamentos judeus seriam fundados ali "para atrair
nova população para o Negev" – ou seja, para substituir as "não-pessoas"
por "pessoas legítimas". Quem se oporia a isso?

As estranhas crias dos "não-pessoas" podem ser encontradas por toda
parte, inclusive nos Estados Unidos: nas penitenciárias que são
escândalo internacional, nas cozinhas públicas, nas favelas em
decadência.

Mas os exemplos enganam. A população mundial como um todo balança na beira de um buraco negro.

Somos relembrados diariamente, até mesmo por incidentes pequenos —
por exemplo, no mês passado, quando os republicanos da Câmara dos
Deputados barraram uma organização, praticamente sem custos, que
investigaria as causas das variações extremas de clima em 2011,
oferecendo assim melhores previsões do tempo.

Os republicanos temiam que essa pudesse ser uma brecha para
"propaganda" sobre o aquecimento global, um "não-problema", de acordo
com a catequese recitada pelos candidatos à indicação para concorrer à
Casa Branca do que, no passado, foi um partido político autêntico.

Triste espécie."

FONTE: escrito por Noam Chomsky, no site norte-americano de notícias
"Truthout". Transcrito no portal "Viomundo" com tradução de Heloisa
Villela
(http://www.viomundo.com.br/politica/noam-chomsky-um-mundo-cheio-de-nao-pessoas.html).
Wikipedia: Avram Noam Chomsky (Filadélfia, 7 de dezembro de 1928) é
renomado linguista, filósofo (PhD) e ativista político estadunidense
[imagens do Google e sua legenda adicionadas por este blog
‘democracia&política’].

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