Um nortestino injuriado por Acton Lobo
Aproveitando
toda a discussão em torno da "polêmica" gerada pelo comentário de uma
"intelectual twiiteira", (segundo as sábias palavras de um amigo), resolvi
romper o silêncio, alimentando com mais um texto, este espaço virtual.
Fiquei
pensando sobre o acontecimento em si, li alguns e-mails de repúdio ao ato da
"intelectual", que tem no currículo o curso de Direito como área de formação,
mas que, pelo visto, desconhecia que a prática de racismo é crime inafiançável.
Nada que cause espanto, considerando a qualidade de muitos cursos de "Direito"
que existem por aí
Todo
fato gerou uma revolta nacional. A OAB prontamente abriu um processo contra a
"intelectual", a mídia já está fazendo a sua parte para a que questão não saia
de foco, transformando assim, o ato, em um espetáculo. Jornais, revistas,
sites, acenderam os holofotes, transformando em "novidade" algo que a história
do nosso país não nos deixa esquecer: A arrogância sulista frente às outras
regiões do país, principalmente, as regiões Norte e Nordeste.
Escrevo
aqui uma lembrança àqueles que aplaudiram a nossa "intelectual", e por
fim, um alerta.
Historicamente
beneficiados por um projeto político que excluiu economicamente as outras
regiões do país, São Paulo, juntamente com outros Estados do Sudeste, sempre se
notabilizou por ser o "centro de luz", ou seja, de lá, todo desenvolvimento e
produção cultural serviram de modelo e inspiração para a formação das regiões
"obscurecidas" pelo atraso social e econômico. Regiões estas chamadas de
periféricas, aqui, destaca-se a região atacada pelos comentários racistas.
A
concentração de riqueza motivada por importantes ciclos econômicos, a destacar
o ciclo do café durante o século XIX, contribui para o crescente investimento
na região, auxiliando posteriormente na formação das primeiras industriais.
Enquanto isso, a região Nordeste do país, desenvolvia-se economicamente tendo
como base, a produção agrícola da cana de açúcar e a indústria fumageira, ambas
neste período, já apresentavam um acentuado declínio em decorrência dos parcos
investimentos nos setores e da gradual desvalorização da matéria prima no
mercado internacional, contribuindo assim, para cada vez mais crescente
migração forçada de muitas famílias em direção ao Sudeste.
Abandonados
à própria sorte, em meio às adversidades, àqueles que permaneceram viram surgir
"fenômenos" frutos do descaso nacional e da concentração de renda da elite
nacional. Surgiu Antônio Conselheiro e Lampião; o primeiro motivado pela fé,
buscava em uma terra prometida e mística, aquilo que não encontravam na "terra
dos homens". O segundo, por sua vez, buscava na "terra dos homens" a vingança
para aplacar as dores de viver em uma região sem justiça e igualdade. Em comum,
todos alimentados pelo descaso patológico das elites, estas, meras caricaturas
das elites europeias. Do Nordeste "místico" e "atrasado" surgiu o desejo de
separação e o estranhamento frente ao progresso do Sudeste, sendo a eclosão da
Guerra de Canudos o "despertador" necessário para acordar o Brasil dos seus
sonhos.
Aos
nordestinos que sobreviveram à longa viagem até o "centro de luz" restou a
força e o empenho daqueles que lutaram em meio a uma estranha realidade.
Estranha, cruel, insensível e fria. Como mão-de-obra barata construíram São
Paulo em meio às péssimas condições de vida, porém, permanecendo firmes em seus
costumes e tradições, almejando sempre poder voltar à sua terra, e assim, rever
a família deixada para trás, entre sonhos, lágrimas e um ressentimento
convertido no mais árduo labor.
Gerações
de nordestinos forneceram ao Sudeste, a energia e vigor que ele tem hoje.
Nutrindo as suas elites, preparando as suas refeições, cuidando de seus filhos,
dirigindo os seus carros, limpando o chão que vocês pisavam, trabalhando
duramente em meios às piadas e outras atitudes discriminatórias. Resistindo,
sem abaixar a cabeça, ao processo de exclusão social e econômica, que seus
antepassados iniciaram, e que vocês, contemporâneos, ingenuamente fazem questão
de reproduzir.
Silenciosamente
sem vocês "paulistas" se atentarem, nós nordestinos nos tornamos o Sudeste.
Sim, o Sudeste! Prestem muita atenção em suas atitudes, em suas palavras, e
mais ainda, em suas ameaças, pois, podemos implodir o seu modo de vida de um
dia para o outro. Podemos acirrar revanchismos históricos, podemos também
hostilizá-los, quando, durante as suas férias, vierem sorridentes e distraídos
curtir sol e o clima do Nordeste. Ou melhor, quando vierem curtir o Carnaval na
Bahia.
E
onde entra a nossa "intelectual" nessa história? Se a história não foi capaz de
alertá-la acerca da força que emana do Nordeste, que o presente sirva de
reflexão. Por isso, tenham cuidado! Muito cuidado mesmo…
Acton,
um nordestino "injuriado"…