Aldeia Nagô
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Um Pé de Milho. Por Rubem Braga

2 - 3 minutos de leituraModo Leitura

Os americanos, através do radar, entraram em contato com a Lua, o que não deixa
de ser emocionante. Mas o fato mais importante da semana aconteceu com o meu pé
de milho.


Aconteceu que, no meu quintal, em um monte de terra trazida
pelo jardineiro, nasceu alguma coisa que podia ser um pé de capim – mas descobri
que era um pé de milho. Transplantei-o para o exíguo canteiro da casa. Secaram
as pequenas folhas; pensei que fosse morrer. Mas ele reagiu. Quando estava do
tamanho de um palmo, veio um amigo e declarou desdenhosamente que aquilo era
capim. Quando estava com dois palmos, veio um outro amigo e afirmou que era
cana.

Sou um ignorante, um pobre homem da cidade. Mas eu tinha razão.
Ele cresceu, está com dois metros, lança suas folhas além do muro e é um
esplêndido pé de milho. Já viu o leitor um pé de milho? Eu nunca tinha visto.
Tinha visto centenas de milharais – mas é diferente.

Um pé de milho
sozinho, em um canteiro espremido, junto do portão, numa esquina de rua – não é
um número numa lavoura, é um ser vivo e independente. Suas raízes roxas se
agarram no chão e suas folhas longas e verdes nunca estão imóveis. Detesto
comparações surrealistas – mas na lógica de seu crescimento, tal como vi numa
noite de luar, o pé de milho parecia um cavalo empinado, de crinas ao vento e em
outra madrugada, parecia um galo cantando.

Anteontem aconteceu o que era
inevitável, mas que nos encantou como se fosse inesperado: meu pé de milho
pendoou. Há muitas flores lindas no mundo, e a flor de milho não será a mais
linda. Mas aquele pendão firme, vertical, beijado pelo vento do mar, veio
enriquecer nosso canteirinho vulgar com uma força e uma alegria que me fazem
bem. É alguma coisa que se afirma com ímpeto e certeza. Meu pé de milho é um
belo gesto da terra. Eu não sou mais um medíocre homem que vive atrás de uma
chata máquina de escrever: sou um rico lavrador da rua Júlio de Castilhos.

Rubem Braga

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