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Um trio de histórias sobre como ser cristão! Por Marconi de Souza Reis

5 - 7 minutos de leituraModo Leitura
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Vou narrar aqui três rápidas histórias ocorridas nos últimos quatro meses, que me servem muito mais como reflexão sobre o que é “ser cristão” do que tudo aquilo que ouvi a respeito de Jesus na infância e adolescência. As três histórias estão interligadas por um acidente. Ei-las:

Eu quebrei a minha perna no dia 19 de agosto de 2017 e, durante seis semanas, andei amparado por muletas. Todavia, na terceira semana já conseguia dirigir meu carro, daí que fui abastecê-lo num posto de combustíveis perto de casa, quando me ocorreu a primeira reflexão.

Neste posto há um gerente, sobrinho do dono, que, vez por outra, costuma tratar as pessoas com truculência. Ele nunca me disse um “ai”, um “ei” ou um “oi” sequer… Talvez por causa dos meus músculos, sempre que me via, ele gaseificava, afastando-se naquele estilo fugaz de “galo terra”.

Pois bem: um dia eu vi uma mulher estacionar o carro para encher o tanque, e enquanto o frentista abastecia, ela foi até a loja de conveniência ao lado comprar algo. Aconteceu que a mulher demorou um pouco para voltar, e então chegou um cara querendo abastecer na mesma bomba.

O cara passou a buzinar, despertando a atenção do tal gerente. Assim que a mulher retornou, o gerente lhe disse vários impropérios, enquanto ela pedia mil desculpas, inclusive ao outro motorista. Ela estava errada, mas aqueles gritos e gestos do gerente eram desproporcionais ao fato.

A mulher saiu dali tão envergonhada e humilhada, que, acredito, nunca mais voltou ao posto. A impressão era de que o seu desejo fosse, talvez, o de voar no pescoço daquele gerente, mas, felizmente, quis a vida lhe fazer nascer sem asas para tamanha audácia no mundo furioso dos machos.

Passados alguns meses, eis que a mesma cena se sucedeu comigo. Deixei o carro abastecendo e fui à loja de conveniência. De repente, alguém me chamou para tirar o automóvel. Vendo-me de muletas retornando ao carro, o tal gerente passou a me insultar, nos mesmos moldes que fez com a tal mulher.

Eu sabia que estava errado, mas, insisto, a reação do gerente comigo foi também totalmente desproporcional ao meu erro. Daí que, quando cheguei a uns três metros de distância, ergui uma das muletas em sua direção, e disparei:

– Daqui a alguns dias eu estarei sem essas muletas e vou querer ouvir você falar assim comigo.

O gerente silenciou, afastou-se, e os frentistas caíram na gargalhada. Ao sair do posto de combustíveis, porém, ocorreu-me uma reflexão, qual seja, lembrei-me daquela mulher que passara pela mesma situação, isto é, percebi que eu iria me livrar das muletas em breve; ela, não. Caramba.

–A mulher é, de fato, o ser absolutamente pacífico deste planeta, porque se não o fosse andaria com arma de fogo para compensar as muletas invisíveis, concluí.

Dias depois, ocorreu-me uma segunda reflexão cristã. Fui comprar peixe numa feirinha de Lauro de Freitas, quando uma feirante, vendo-me com as muletas, aconselhou-me: – Para ficar totalmente bom disso, e voltar a andar logo sem mancar, você tem que passar “sebo de carneiro” na perna!

Eu caí na gargalhada, afinal, fui educado com a Razão que desautoriza a cultura popular. Resultado: levei três meses sob intensa fisioterapia, que, a despeito do progresso, não conseguia fazer a perna desinchar totalmente. E o que é pior: eu só andava mancando, como se uma perna estivesse maior do que a outra.

Pois bem: minha esposa foi fazer uma audiência em Vitória da Conquista no final de novembro passado, e eu então pedi a ela que procurasse por lá o tal “sebo de carneiro”. Caramba. Na primeira noite que usei o sebo, a perna desinchou totalmente. E mais: voltei a correr na segunda aplicação. Larguei a fisioterapia.

– “Nunca desdenhe, que dirá ria, da sabedoria do povo”!, pensei.

A terceira reflexão, porém, foi a mais forte. Nos últimos quatro meses, eu já parei o meu carro em Lauro de Freitas para cinco pessoas com muletas atravessarem a rua. Antes de quebrar a perna – e eu já dirijo há uns 40 anos –, isso nunca me ocorrera. Incrível a minha nova percepção.

Isto é: ao longo de décadas eu nunca via/percebia pessoas de muletas querendo atravessar a rua. Eu era cego para elas. Resumo da ópera: ser cristão é uma sensibilidade que você nasce com ela, ou então precisa passar por algo – quebrar uma perna, por exemplo –, para adquiri-la.

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas e atividades ao ar livre

Faça pelo menos no dia de hoje alguma caridade!

Francisco, o Papa, disse recentemente que, com o mundo em guerra e muita gente a sofrer de fome, “as festividades cheias de luzes e de cor soam a falso”. O Papa afirmou, numa homilia no Vaticano, que “as festas de Natal tornam-se vazias e soam a falso perante um mundo que escolheu a guerra e o ódio”.

– “Estamos perto do Natal: haverá luzes, festas, árvores iluminadas, presépios… mas é uma farsa. O mundo continua a fazer as guerras. Não escolheu o caminho da paz”, lamentou Francisco, na homilia da missa matinal.

O Sumo Pontífice disse que a guerra é a escolha de quem prefere as “riquezas” ao ser humano. O Papa falava no dia em que foi instalado na praça de São Pedro, em Roma, um grande pinheiro para as festividades de Natal.

Tive essa percepção quando era ainda adolescente. Eu morava na casa mais bela de Queimadas, o Natal era um dos mais suntuosos, com as guloseimas mais inusitadas, os presentes caros e diversos, enfim…

No entanto, a minha mãe, uma cristã de quatro costados, nem sabia que, naquelas noites natalinas, eu não conseguia esquecer os meus amigos mais pobres da periferia – um deles morava nas Pifaias, e não tinha sequer um preá para comer.

Passadas tantas décadas, percebo que pouca coisa mudou. A desigualdade continua imensa, embora o salário mínimo tenha quadruplicado entre 2003 e 2015 (saiu de 80 dólares para 320 dólares). O apartheid educacional, porém, é gigantesco.

Mas cada um de nós pode fazer algo para melhorar esse quadro, e não apenas ficar criticando as autoridades. Ademais, é contraditório ficar o ano inteiro destilando ódio nas redes sociais, para chegar nessa época e, como num milagre, falar em Jesus.

Nesse contexto, eu lhe pergunto:

– Você, por acaso, foi ao NACCI (Núcleo de Apoio ao Combate do Câncer Infantil), ou a alguma entidade de caridade, neste ano de 2017, levar pelo menos um saquinho de leite em pó ou um quilo de feijão?

Eu conheci o NACCI em 2005, quando fui condenado por denunciar que o Ministério Público realizou, em 2002, um concurso para promotores públicos com fraudes. E o fiz com farta documentação, mas, absurdamente, fui condenado.

A pena estava prescrita, porém eu decidi, por desejo próprio, cumpri-la. E foi um enorme aprendizado levar 40 quilos de leite em pó todos os meses, ao longo de dois anos, para aquelas crianças pobres com câncer.

Acredito que a minha indignação com o garoto que passava fome nas Pifaias foi que me levou a exercer o jornalismo com fúria contra a corrupção, mas, devo reconhecer, as crianças do NACCI me ensinaram que há outras formas altruístas de ser.

Bem, se você não foi a nenhuma entidade de caridade em 2017, então melhor não comemorar o Natal. É muito mais proveitoso refletir sobre essa questão durante esse dia, porque o resultado da reflexão será o grande presente que dará a si próprio, para, quiçá, no próximo ano ser verdadeiramente cristão.

– “Então é Natal, e o que você fez?”, pergunta John Lennon, na sua canção “Merry Christmas”, de 1970.

Enfim, pare de brigar e xingar na rede social, e vá ajudar ao próximo necessitado, pelo menos neste domingo, para que o seu “Feliz Natal” seja digno, seja verdadeiro, e não apenas palavras ao vento;

 

Marconi de Souza Reis é Advogado e Jornalista

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