Uma revolução ainda por fazer por Leonardo Boff
Toda mudança de paradigma civilizatório é precedido por uma
revolução na cosmologia (visão do universo e da vida). O mundo atual
surgiu com a extraordinária revolução que Copérnico e Galileo Galilei
introduziram ao comprovarem que a Terra não era um centro estável, mas
que girava ao redor do sol.
Isso gerou enorme crise nas mentes e na
Igreja, pois parecia que tudo perdia centralidade e valor. Mas
lentamente impôs-se a nova cosmologia que fundamentalmente perdura até
hoje nas escolas, nos negócios e na leitura do curso geral das coisas.
Manteve-se, porém, o antropocentrismo, a ideia de que o ser humano
continua sendo o centro de tudo e as coisas são destinadas ao seu
bel-prazer.
Se a Terra não é estável -pensava-se – o universo, pelo menos, é
estável. Seria como uma incomensurável bolha dentro da qual se moveriam
os astros celestes e todas as demais coisas.
Eis que esta cosmologia começou a ser superada quando em 1924 um
astrônomo amador Edwin Hubble comprovou que o universo não é estável.
Constatou que todas as galáxias bem como todos os corpos celestes estão
se afastando uns dos outros. O universo, portanto, não é estacionário
como ainda acreditava Einstein. Está se expandindo em todas as direções.
Seu estado natural é a evolução e não a estabilidade.
Esta constatação sugere que tudo tenha começado a partir de um ponto
extremamente denso de matéria e energia que, de repente, explodiu (big
bang) dando origem ao atual universo em expansão. Isso foi proposto em
1927 pelo padre belga, o astrônomo George Lemaître o que foi
considerado esclarecedor por Einstein e assumido como teoria comum. Em
1965 Arno Penzias e Robert Wilson demonstraram que, de todas as partes
do universo, nos chega uma radiação mínima, três graus Kelvin, que seria
o derradeiro eco da explosão inicial. Analisando o espectro da luz das
estrelas mais distantes, a comunidade científica concluiu que esta
explosão teria ocorrido há 13,7 bilhões de anos. Eis a idade do universo
e a nossa própria, pois um dia estávamos, virtualmente, todos juntos
lá naquele ínfimo ponto flamejante.
Ao expandir-se, o universo se autoorganiza, se autocria e gera
complexidades cada vez maiores e ordens cada vez mais altas. É convicção
de notáveis dos cientistas que, alcançado certo grau de complexidade,
em qualquer parte, a vida emerge como imperativo cósmico. Assim também a
consciência e a inteligência. Todos nós, nossa capacidade de amar e de
inventar, não estamos fora da dinâmica geral do universo em
cosmogênese. Somos partes deste imenso todo.
Uma energia de fundo insondável e sem margens – abismo alimentador de
tudo – sustenta e perpassa todas as coisas ativando as energias
fundamentais sem as quais nada existe do que existe.
A partir desta nova cosmologia, nossa vida, a Terra e todos os
seres, nossas instituições, a ciência, a técnica, a educação, as artes,
as filosofias e as religiões devem ser resignificadas. Tudo e tudo são
emergências deste universo em evolução, dependem de suas condições
iniciais e devem ser compreendidas no interior deste universo vivo,
inteligente, auto-organizativo e ascendente rumo a ordens ainda mais
altas.
Esta revolução não provocou ainda uma crise semelhante a do século
XVI, pois não penetrou suficientemente nas mentes da maioria da
humanidade, nem da inteligentzia, muito menos nos empresários e nos
governantes. Mas ela está presente no pensamento ecológico, sistêmico,
holístico e em muitos educadores, fundando o paradigma da nova era, o
ecozóico.
Por que é urgente que se incorpore esta revolução paradigmática?
Porque é ela que nos fornecerá a base teórica necessária para
resolvemos os atuais problemas do sistema-Terra em processo acelerado de
degradação. Ela nos permite ver nossa interdependência e mutualidade
com todos os seres. Formamos junto com a Terra viva a grande comunidade
cósmica e vital. Somos a expressão consciente do processo cósmico e
responsáveis por esta porção dele, a Terra, sem a qual tudo o que
estamos dizendo seria impossível. Porque não nos sentimos parte da
Terra, a estamos destruindo. O futuro do século XXI e de todas as COPs
dependerá da assunção ou não desta nova cosmologia. Na verdade só ela
nos poderá salvar.
Leonardo Boff com Mark Hathway escreveram The Tao of Liberation:exploring the ecology os transformation,N.Y.2010.
* Teólogo, filósofo e escritor