Aldeia Nagô
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Vamos salvar os Irokos e todas as árvores ameaçadas. Por Paloma Amado

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Paloma_Amado

Em 1967, quando construíram a nova Igreja do Rio Vermelho, no lugar em que fora o Forte do Rio Vermelho, a pequena igrejinha do centro do largo de Santana foi dessacralizada e ameaçada de ser posta abaixo. Ao saber disso, Carybé, que fora morador do sobrado da esquina, de frente para ela, ligou para papai.

— Precisamos fazer alguma coisa, Jorge. Não podemos deixar que derrubem nossa igrejinha, que lindamente compõe o Largo.

Não precisou mais de uns minutos para os dois se porem em ação. Carybé falou com Mário Cravo, papai falou com Jenner Augusto, os artistas do Rio Vermelho se uniram, papai, com a ajuda de todos, redigiu um manifesto, chamaram a imprensa: Se tocassem em um só tijolo da Igrejinha, eles invadiriam, pintariam murais e escreveriam textos em suas paredes e contariam ao mundo da barbaridade que pretendiam fazer com a cultura baiana.

Quem queria derrubar, argumentava que não sendo mais sacra, não tinha serventia. Muito mais “moderno” seria fazer uma praça. Os nossos revidavam com a cultura, a tradição e a beleza. Ganharam a batalha. A igrejinha está lá até hoje, cinquenta anos depois, como um ícone do Bairro do Rio Vermelho.

Não sei se antes ou depois disso, tentaram outra ação, dessa vez sem sucesso. Foi quando Mirabeau ligou alarmado para papai, recebera um telefonema de seu amigo Joãozinho Caribé (oia! Mais um! Mas não eram parentes, só rimavam no nome – um com y outro com i – e nas qualidades imensas de bom caratismo e generosidade que ambos tinham). O médico Caribé, morador de Periperi, ligara aflito para contar que as motosserras estavam chegando para derrubar as mangueiras centenárias que enfeitavam há séculos a entrada da cidade do subúrbio de Salvador. Mais que depressa, os dois amigos, mais Carybé, também recrutado, correram para Periperi. Chegaram tarde. É impressionante como é rápido destruir o que a natureza levou tanto tempo para fazer.

Foram procurar as autoridades. Por que? Pela “modernidade”, disse o prefeito, orgulhoso com sua mais recente realização (a derrubada das mangueiras, é claro!). Vamos alargar a rua, ter uma avenida em Periperi! De que valia a avenida perto das mangueiras gigantescas, frondosas, dando sombra e as melhores mangas?

Voltaram para casa numa tristeza de dar dó.

Nos anos 70, volta Carybé com a notícia terrível. Vão instalar, em Arembepe, uma fábrida de Dióxido de Titânio, a mais poluidora de todas as fábricas. Nenhum país aceitou, mas a Bahia, em nome da “modernidade”… Mais uma vez botaram a boca no trombone, deram entrevistas, gritaram, esbravejaram, chamaram as autoridades à razão, mas sem nenhum resultado. Era dinheiro grosso rolando aí.
Dessa vez papai foi além de escrever um manifesto. Escreveu um romance inteiro, Tieta do Agreste. A fábrica está de pé até hoje, com sua fumaça e seus detritos lançados ao mar. A Bahia se “modernizando” e morrendo mais um pouco.

Assim eu fui criada, com estes exemplos de cidadania, amor pelo patrimônio público, profundo respeito pela nossa cultura e pelo meio ambiente. Não poderia mesmo titubear, quando, há 15 dias, meu neto Lipe me convidou para ir com ele à manifestação contra a instalação do BRT em Salvador. Para levar a cabo o projeto, que tanto “modernizará” o transporte público (será mesmo? Tenho minhas imensas dúvidas), vão tirar todas as árvores do canteiro central da Avenida Juracy Magalhães. Não é possível não haver outro caminho. As árvores, todas elas, merecem sobreviver, mas preciso falar aqui das gameleiras centenárias, os Irokos, representação de Tempo, orixá poderoso da nação Gêge. Ao crime ecológico, soma-se o crime à nossa cultura e religião afro-brasileira.
A manifestação de há 15 dias, cheia de crianças, mães e pais, foi muito linda. A organização perfeita, apesar de vândalos terem se infiltrado e tentado derrubar os tapumes já colocados em parte da avenida. Poderia ter sido o fim da manifestação, cartucho dado ao governo para dela falar mal. Felizmente os organizadores, com a calma e razão, fizeram com que parassem e as coisas seguiram bem. Gostei muito de ouvir que:

A manifestação pela preservação da natureza será sempre um ato político. A boa política. (Eu diria, a melhor delas!) Não é uma manifestação partidária, não é limitante. Não é o partido tal quem quer, somos todos nós, o povo! O grito de “fora”, aqui, é: Fora motosserra! Fora BRT!

As árvores foram devidamente abraçadas, mimadas e acarinhadas. As gameleiras foram reverenciadas. Desculpe, Tempo, esse povo que nem sabe onde estão se metendo. Ninguém estranhe se começarem a acontecer coisas péssimas para quem está à frente de tal vilania. O orixá é pai forte, protege os seus, mas não brigue com ele, não mate os Irokos. Tenha juízo.

Amanhã, domingo, dia 6 de maio, outra manifestação será feita pela manhã em frente ao Hospital Aliança. Estou aqui convocando a todos os amigos de Salvador, ou de fora, que por ventura estejam na cidade, para comparecer, mostrar força. Se você teme ouvir um Fora fulano ou Liberdade para Sicrano, pense que esta luta não é de partido, mas de todos nós, e se alguns aproveitam do momento para expressar seus desejos, isso é muito menor que o objetivo em si e não tem importância. Vamos! É urgente! Ontem, passando em frente à área já tampada pelos tapumes, ouvi as motosserras em ação. Elas são muito rápidas. Temos que ser rápidos também. É por esta razão que a crônica de domingo desta semana vem no sábado. Assim, quem sabe, muitos lêem e se animam a ir.

De onde estão, Carybé, Mirabeau, Jorge, Jenner, Joãozinho Caribé, e tantos, tantos outros que muito fizeram pela nossa cultura, estarão conosco gritando: Salvem nossos árvores!

Bom domingo a todos, na manifestação pelas árvores!

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas, pessoas em pé, árvore, atividades ao ar livre e natureza
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