Aldeia Nagô
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Velha mídia e representação da política por Emiliano José

8 - 10 minutos de leituraModo Leitura

Há um evidente esforço político para desqualificar a política. O esforço parte de modo evidente da mídia brasileira. Melhor, da velha mídia – aquela oligarquia que há décadas tenta monopolizar o discurso no Brasil, participa de tentativas de golpe e de golpes, como os de 1954 ou o de 1964, torna-se conivente com os governos com os quais concorde, combate acidamente aqueles dos quais discorde, e sempre, aberta ou dissimuladamente, trava uma espécie de queda de braço com o Legislativo no sentido de representar o povo, sem que tenha um único voto para tanto.


Vivemos um momento curioso, com aspectos paradoxais. Um país que nos
últimos anos, pela política, e sob o jogo aberto da democracia, promoveu
transformações jamais vistas em nossa história, especialmente nas
condições de vida do povo brasileiro, malgrado não tenhamos, por
impossibilidade, ainda superado as tantas mazelas sociais que acumulamos
durante séculos. Essa característica é sumariamente desconhecida pela
velha mídia, e é destacada no exterior, para desespero de uns tantos
colunistas absolutamente tomados pela visão neoliberal do mundo.

As
manchetes, os lides, o corpo das matérias, reportagens, artigos das
revistas, dos jornais e das emissoras de tevês revelam outro Brasil –
aquele inteiramente tomado pela corrupção, como se verdadeiro fosse.
Lembro-me de um conceito desenvolvido pelo professor Venício Lima
(Cenário de Representação da Política) que cai como uma luva para a
análise desse paradoxo. Diria que a velha mídia, tenta, a todo custo,
compor um cenário de um país sem projeto, de um governo leniente com a
corrupção, de um Legislativo inteiramente tomado por ladrões do dinheiro
público, de executivos envolvidos todos com falcatruas, e por isso,
fundamental seria as ruas serem invadidas por novos caras-pintadas
contra esse monstro chamado corrupção.

São dois países. A velha
mídia tem tentado de todo jeito ser a vanguarda das mobilizações contra a
corrupção, embora não se desconheça que o seu discurso é altamente
seletivo. Ela escolhe os seus alvos, e não há dúvida de que o principal é
o governo da presidenta Dilma e seus ministros, sabendo-se que há uma
surda disputa entre os meios de comunicação da velha mídia sobre quem
derrubará o próximo ministro. Nos altos escalões das redações, essa
disputa tornou-se evidente. Curioso é o noticiário: destacam a presença,
nos dias marcados para mobilizações contra a corrupção, de 100 pessoas,
de vinte, de trinta, numa tentativa de destaque que não se
justificaria, e que chega a torná-la burlesca. Não parece ser uma
vanguarda muito confiável.

Melhor seria dizer, na verdade, que o
outro país, o que se desenvolve, o que cresce, o que distribui renda, o
que sabe enfrentar a crise, é que prevalece. Aliás, foi este país, sob o
governo que se iniciou em 2003, com o presidente Lula, que se impôs
para além da mídia, que cotidianamente, e até os dias de hoje, se coloca
inteiramente contra o projeto político em curso. E o curioso é que na
tentativa de construção daquele outro país, daquele outro cenário, se
desconhece os grandes avanços no combate à corrupção experimentados
pelos dois mandatos do presidente Lula e agora pelo mandato da
presidenta Dilma, terceiro mandato desse projeto. A Controladoria Geral
da União é um exemplo de combate à corrupção em todo o mundo pelo rigor
com que tem atuado desde que surgiu, sob o comando de Waldir Pires,
agora de Jorge Hage. O país da distribuição de renda e da criação de
empregos é, também, o que, cotidianamente, combate a corrupção.

Pretender
que não haja corrupção seria uma inocência que não cabe hoje, como não
coube antes. Por outro lado, ignorar os avanços no combate ao
desrespeito com o dinheiro público é uma atitude deliberada que, no caso
brasileiro, se não é má fé, constitui-se num equívoco grave. Creio,
como disse no início, tratar-se de um claro objetivo político. Ignorar
tudo que foi conquistado, em todos os terrenos, nos últimos anos,
inclusive no combate à corrupção, e destacar tudo o que for possível
para desgastar o governo, a política, e os políticos, esse tem sido o
esforço da mídia. Sobra, como salvação da Nação, a velha mídia, que se
acredita uma espécie de reserva moral da população brasileira, reserva
fariséia, é bem verdade, a apontar o dedo em direção aos pecadores que,
tão logo sejam por ela apeados do poder, são convenientemente
esquecidos.

Combater intransigentemente a corrupção é tarefa de
qualquer governo. E isso tem sido feito pelos governos que se iniciaram
em 2003. Nenhum governo pode trabalhar exclusivamente com a análise de
virtudes individuais, embora estas também contem. O principal é que o
Estado Democrático tenha instrumentos capazes de acompanhar com rigor o
uso do dinheiro público, e punir os transgressores dos princípios
democráticos e republicanos. Isso, creio, os governos centrais da
República, de 2003 a esta parte, tem feito. Mas, a saída de ministros,
desde Lula, é tomada como vitória da velha mídia, e não como providência
correta do governo. É como se os poderes do governo eleito pelo povo
tivessem sido transferidos para a velha mídia.

A cada denúncia,
verdadeira ou não, e tantas não o são, a velha mídia cobra que a
presidenta demita o atingido, e vocifera de modo estridente quando a
providência não é a que ela reclama. Insista-se na essencialidade do
combate à corrupção. Mas, não se desconheça que campanhas dessa
natureza,  com essa mesma matriz, de corte udenista, foram conduzidas
tantas vezes com claros objetivos políticos, como aquela da tentativa de
golpe contra Vargas, e que resultou no seu suicídio, ou a outra que
redundou no golpe militar, ou a outra, ainda, que ensejou a eleição de
Collor. Ou a que pretendia derrubar Lula em 2005, porque afinal o que
estava em jogo ali era essa tentativa, e não o impropriamente chamado
mensalão que, aliás, na forma caracterizada pela imprensa, naquele caso
não existiu.

Creio que devamos lutar pela dignidade da política.
Sem a política, não há civilização. Sem a política, não há democracia. A
inexistência da política implica o autoritarismo, as ditaduras, a
barbárie. E a velha mídia, extremamente conservadora, partidária de
projeto político distinto do que está em andamento no Brasil, não pode
ser e não é aquela que pode representar a população, como pretende
cotidianamente.

Poderia, fosse séria, fazer um belo trabalho, se
sua cobertura seguisse ao menos os manuais de redação que edita. Não o
faz. Sempre segue a cartilha de seu projeto político, afinado hoje com o
pensamento neoliberal, derrotado em 2002, 2006 e 2010, e derrotado
porque o povo brasileiro reconheceu primeiro uma nova e generosa
proposta para o país, e depois, porque viu a proposta sendo posta em
prática, melhorando a vida de todos, e especialmente a dos mais pobres. A
dificuldade de fazer valer um novo cenário de representação da
política, fundada em princípios neoliberais, está no fato de que o
Brasil real, felizmente, não é o que ela gostaria que fosse. E ela, a
velha mídia, não consegue mais representar, como pretende, o que chama
de opinião pública.

Esta, hoje, orienta-se por suas próprias
convicções, e não engole a velha catilinária midiática com facilidade.
Olha o entorno, analisa a política em andamento, valoriza o que
efetivamente ocorre, observa as suas próprias condições de vida e dos
demais, e então opina, a seu modo. E não é por acaso que, apesar da
insistência midiática, a presidenta Dilma segue crescendo em
popularidade. Está cumprindo o que acertara com a população durante a
campanha, dando sequência àquele projeto iniciado em 2003, enfrentando a
crise, garantindo emprego, distribuindo renda, afirmando nossa
soberania, e tentando, junto com tantas parceiros, contribuir para que o
mundo saiba orientar-se diante do desastre a que nos levaram os países
que ainda seguiam a cartilha neoliberal, como os EUA e os integrantes da
União Européia.

E o que vale para o Executivo, vale para o
Parlamento. Que se puna com todo rigor aqueles que se envolvem em
falcatruas. Que se lute, como temos lutado, e com dificuldades, e sem
que a velha mídia se envolva nessa luta, pela reforma política. Sem
financiamento público de campanha, com o conseqüente voto em lista e
fortalecimento dos partidos, não estaremos livres dos sucessivos
escândalos decorrentes do financiamento privado. Pretender, como
pretende a velha mídia, ser, no entanto, o Parlamento, de modo
generalizado, um antro de ladrões, é um equívoco grave e que trabalha
contra a democracia e contra a política. Há muita gente séria e que
trabalha muito no Parlamento brasileiro, e falo de parlamentares de
todos os partidos.

Defender a democracia e o Estado de Direito
Democrático. Defender o mais absoluto rigor no trato do dinheiro
público.   Defender a política como instrumento da civilização. E
opor-se às campanhas destinadas à desmoralização da política,
orquestradas de modo consciente pela velha mídia. Estas são algumas das
tarefas nossas. Não apenas do Parlamento ou dos governos. Mas, da
sociedade brasileira, que seguramente quer que a revolução democrática
em curso prossiga. Para prosseguir, a política, a boa política, é
essencial.

*Artigo publicado originalmente no site
Carta Capital. Emiliano José é deputado federal (PT-BA), jornalista,
escritor e doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea pela
Universidade Federal da Bahia.

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