Aldeia Nagô
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Vitimização. Por Rita Almeida

3 - 4 minutos de leituraModo Leitura

Uma pessoa comentava comigo sua admiração por Mujica (que nos deixou nos últimos dias), especialmente pelo fato dele ter passado 10, dos 14 anos de sua condenação numa solitária e ter saído de lá sem se quebrar psiquicamente, sem odiar o mundo e ainda capaz de tanta sabedoria e de fazer tudo o que fez depois.

Em contraponto, ela cita Carla Zambelli que, diante da sua condenação, afirma que não sobreviveria à cadeia. Concordamos então que a deputada tem razão na sua afirmação, afinal, para atravessar uma situação assim são necessários determinados recursos simbólicos e uma envergadura moral que, ao contrário de Mujica, a deputada definitivamente não tem. Apesar de Zambelli se justificar num punhado de diagnósticos médicos, sua doença mais limitante não é orgânica, é a pobreza subjetiva.

É curioso que seja quase uma regra, entre os políticos bolsonaristas, a vitimização e o subterfúgio em diagnósticos para escapar das suas responsabilidades quando a lei lhes pesa sobre os ombros. O próprio Bolsonaro também tem dito o mesmo que a deputada; que o cárcere será sua sentença de morte.

Vale destacar que Zambelli, Bolsonaro, e outros covardes morais da extrema-direita, têm direito ao devido processo legal e todos os recursos e atenuantes garantidos pelo sistema democrático, o mesmo que eles vêm tentando destruir, e que Mujica e outros condenados da ditadura, não tiveram. Além disso, o horizonte de cumprimento das penas dessas pessoas será infinitamente mais brando e humanizado que de mais de 90% dos encarcerados do Brasil.

Outro exemplo a ser considerado aqui é Dilma Rousseff. Dilma tinha apenas 22 anos quando foi condenada a 6 anos de prisão pela ditadura militar e submetida a todo tipo de tortura: pau de arara, palmatória, choques e socos. Ninguém nunca viu Dilma utilizando sua história para se lamentar, se vitimizar ou expor alguma sequela dos castigos que sofreu. Dilma não apenas sobreviveu dignamente ao seu calvário (e nesse caso, poderia ter sido de fato assassinada, como muitos de seus companheiros), como fez dele motivação para defender a democracia e garantir que o que aconteceu a ela, não acontecesse a mais ninguém.

Quando presidenta do Brasil, Dilma sofreu ainda um Golpe Parlamentar não só injusto como abjeto, e enfrentou com coragem, altivez e sem nenhum subterfúgio médico, 13 horas de interrogatório no Senado Federal. As falas dos parlamentares nesse processo é das coisas mais repugnantes que esse país já viu, isso pra dizer o mínimo. Inclui-se aí a intervenção do então Deputado Jair Bolsonaro, que votou pelo impeachment em nome de Carlos Alberto Brilhante Ustra, o torturador de Dilma.

A vida nos impõe tragédias, flagelos e desgraças, justas ou não, mas igualmente traumáticas. Dos que sobrevivem a tais contingências, são realmente notáveis sujeitos como Mujica e Dilma, que além de não se quebrarem psiquicamente, não se deixaram engolir pela estupidez ou o ressentimento, e ainda se tornaram seres humanos mais generosos, dignos e sábios. Mas fazer essa trajetória não é para qualquer um. Não se trata de uma predisposição biológica ou psicológica, mas como já dissemos, de recurso simbólico e inteligência subjetiva.

Todavia, essas figuras da extrema-direita que se destacaram na cena pública nos últimos anos, autorizadas por um movimento de massas fascistizado, possuem como característica de base a pobreza subjetiva, a estupidez moral e a burrice cultural e simbólica. Elas têm razão de se desesperarem diante da iminência da prisão, afinal, não terão a riqueza e a diversidade de significantes necessários para passar por tal experiência, não suportarão a companhia de sua própria consciência de seu próprio universo mental.

Essas pessoas são como parasitas que não funcionam sem hospedeiros, dos quais precisam sugar os sentidos de suas vidas. Elas sabem que não sobrevivem a sua própria mediocridade. 

Rita Almeida é psicanalista

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