Você realmente quer casar? por Sílvia Marques
Felizmente , nos dias atuais , casar deixou de ser uma obrigação social e um meio de sobrevivência para as mulheres. Muitas pessoas dizem que o romantismo acabou. Talvez não.
Talvez estejamos vivendo uma das fases mais românticas da História. Por quê? Foi a partir do século XIX que o tema amor começou a importar na escolha de um noivo ou noiva.
Nos dias de hoje , embora existam ainda casamentos por diversos tipos de interesse , quase todo mundo se casa mesmo por amor. Ou achando que ama , o que dá quase no mesmo. Hoje o pessoal pode casar na igreja , só no civil ou simplesmente se juntar. E quando as incompatibilidades começam a surgir dia a dia e a roubar a alegria e o prazer da convivência , muitos preferem partir para outra.
Não defendo a ideia de que precisamos aturar tudo para manter um casamento. Em algumas situações , o melhor a se fazer é partir para outra mesmo , a fim de garantir a nossa sanidade mental. Viver com alguém que nos deprecia constantemente , por exemplo, para mim não é sinal de perseverança , mas sim de suicídio existencial. Pessoas casadas que divulgam em redes sociais fotos românticas com outra pessoa não servem nem para ser nosso inimigo. Devem ser literalmente deletadas.
Por outro lado, me parece , que muitas pessoas desistem muito facilmente de um casamento. Algumas pessoas pulam fora pelo simples fato de não sentir mais aquele fogo inicial queimar. Cientificamente falando já está comprovado que a paixão tem data de validade e ninguém passa a vida inteira apaixonado pela mesma pessoa. Isso não significa dizer que o casal não se gosta mais e que nunca mais vai fazer sexo.
Quem está realmente pensando em casar , precisa entender que casamento não é fogo de artifício nem micareta. Casamento é rotina ; é partilha ; é comunhão de problemas , obrigações chatas , crises existenciais ; grana curta e neuroses de todos os tipos. Estamos desapontando e sendo desapontados constantemente. Nem sempre ouvimos a resposta que gostaríamos ou recebemos aquele mega elogio por um novo corte de cabelo. Nem sempre o sexo é tão bom e se chega ao orgasmo. Nem sempre o cineminha do final de semana é tão animado e o encontro com o melhor casal de amigos é extremamente harmônico. A vida é feitos de encontros e desencontros; de momentos altamente energéticos e de outros nem tanto. Às vezes , o papo corre solto e bom; o vinho cai bem e tudo se encaixa. Às vezes , falta inspiração, humor e tudo cai meio mal.
Viver é administrar ganhos e perdas ; valorizar conquistas e suportar derrotas. A vida tem altos e baixos. O problema é estar sempre em baixa.
Momentos emocionantes não são maioria na vida de um casal. Aprender a lidar com a rotina é fundamental. Rotina nem sempre é sinônimo de tédio ou comodismo.
Se desistirmos de cada relacionamento por motivos fúteis , provavelmente , nunca conseguiremos construir uma relação duradoura. E é aí , que entra o título do meu post: você quer realmente casar? Digo mais. É realmente preciso casar? Muita gente não nasceu para o casamento. Muita gente nasceu para se apaixonar , queimar tudo o que tem direito e se apaixonar de novo. Socialmente falando, pega mal dizer uma coisa dessas . Mas acontece. Se as pessoas exercitassem mais o autoconhecimento , muitas não se casariam, evitando assim muito sofrimento na própria vida e na de terceiros.
Muita gente gosta de dormir sozinha ; não dividir o espaço com ninguém; não dar satisfação o tempo todo. Vou além. Tem muita gente que prioriza a amizade ao namoro/casamento. Muita gente prefere sair com os amigos pois se sente mais livre e confortável neste tipo de relação. Muita gente não quer fazer sexo a vida inteira com a mesma pessoa ( e isso vale para homens e mulheres. Muitas mulheres ultra fieis fantasiam com outros homens sim e algumas vão às vias de fato. É totalmente possível amar alguém e se sentir sexualmente/intelectualmente atraído por outras pessoas) ; muita gente não é essencialmente monogâmica ; muita gente é assexuada. Muita gente se sente melhor sozinha. Muita gente quer só a emoção da paixão mesmo. Muita gente não suporta a rotina a dois; ver o outro doente , mal humorado, vomitando durante um mal estar estomacal.
Em minha opinião, muitas pessoas não foram feitas para o casamento e tal fato deveria ser encarado com menos espanto e mais naturalidade , até mesmo porque amar não é nada fácil. Muita gente tenta , mas poucas conseguem.
Amar é fazer uma piada depois de um dia terrível para ver um sorriso no rosto de quem se ama; amar é demonstrar interesse pela vida de quem amamos ( por toda a vida e não só pela parte bonitinha) ; amar é saber ouvir sem julgar ; valorizar as pequenas conquistas diárias do parceiro; entender e respeitar que ele é um ser humano limitado; aceitá-lo como ele é , sem desejar mudá-lo e adaptá-lo às nossas necessidades e anseios; respeitar suas opiniões mesmo não concordando com elas; discutir problemas com assertividade e cuidado, sem humilhar e ironizar o parceiro; é dar mais valor à companhia de quem amamos do que a companhia de terceiros , que muitas vezes interferem negativamente na relação; amar é se preocupar com a saúde e com o bem estar do amado/amada, fazendo uma sopa quando ele/ela está gripado/a , acompanhando-o/a ao médico , incentivando-o/a a ingerir mais alimentos saudáveis, estimulando-o/a em sua vida profissional. Acima de tudo, ajudando o amado/amada a ser alguém melhor e mais feliz.
Quando pensamos em amor , pensamos em beijos franceses , abraços de tirar o fôlego, gente esbarrando nos móveis , derrubando abajures até chegar semi nus na cama. Pensamos em frio na espinha ; na expectativa do próximo encontro. Pensamos na troca de presentes no dia dos namorados. Pensamos em homéricas cenas de ciúmes seguidas de uma noite intensa.
Confundimos amor com paixão e alimentamos ideais românticas sobre o relacionamento como algo emocionante e aventureiro.
Mas quem pensa em uma mulher ou em um homem preparando um almoço? Quem pensa em uma pessoa pregando o botão da camisa ou deixando de ir a uma festa para fazer companhia ao parceiro? Quem pensa em uma pessoa levantando cedo, sem necessidade , apenas para fazer o café para o parceiro que precisa ser incentivado a se alimentar pela manhã? Quem pensa na pessoa que deixa de comprar uma roupa para comprar algo para a casa ; pelo bem em comum do casal? Quem pensa no casal que antes de dormir dá um selinho e não se permite ir para a cama brigado ou com uma questão mal resolvida? Quem pensa na pessoa que verdadeiramente se alegra com a menor conquista de seu parceiro e faz ela parecer maior? Quem pensa no homem que abraça e beija sua mulher mesmo quando ela está cheirando a alho e cebola?
Amar vai muito além da emoção . Amor é compaixão. Amar vai muito além da paixão. Amor é comunhão. Amar vai muito além do momento, do aqui agora ; amor é construção. Por muitos anos ri ironicamente diante da frase “o amor vem com o tempo”. Vem , vem sim. É claro que a fase inicial da paixão é muito importante para o desenvolvimento de uma relação feliz. Ninguém precisa se obrigar a ficar com quem não sente química. Porém, passada a paixão, precisamos fazer uma escolha . Mais uma entre tantas outras. Queremos começar tudo de novo com outra pessoa ou seguir em frente com a mesma , dando início a uma nova etapa da relação? Amar exige muita maturidade ; não é orgânico, instintivo e espontâneo como apaixonar-se. Amar é uma escolha , nem sempre muito glamorosa , mas profunda e reveladora.
Sílvia Marques é paulistana, escritora, bacharel em Cinema , professora universitária e doutora em Comunicação e Semiótica..
Artigo publicado originalmente emhttp://obviousmag.org/cinema_pensante/2015/03/-voce-quer-realmente-casar.html