Votos aos 16: uma conquista do povo brasileiro por Felipe da Silva Freitas
Uma conquista da juventude brasileira o voto facultado aos jovens entre 16 e 17
anos é, ainda hoje, objeto de debates e polêmicas no conjunto da população. Apesar
do aumento significativo do número de alistados dentro desta faixa etária[2] são
muitos os que se manifestam contra essa conquista e afirmam: "Ah, já que não pode
ser preso porque o menor de 18 pode votar?", "Ora, se não pode ser responsabilizado
por seus atos, porque o jovem pode escolher os governantes do país?".
Tais expressões, fruto de uma visão ainda preconceituosa e estigmatizada da
juventude, nega o jovem como sujeito social com possibilidade de intervenção crítica
e responsabilidade social e nega a juventude como tempo de participação social e de
emancipação pessoal e coletiva. Em outras palavras, as posições contrárias ao voto
aos 16 anos desconhecem a possibilidade de jovens que percebem a importância da
política, acreditam na democracia e apostam que é possível mudar o mundo.[3]
Numa análise mais profunda, os dados revelam que é inconsistente a noção de que esta
geração é mais apática do que as que lhe antecederam ou de que o neoliberalismo, com
seu receituário individualista e desumanizador, tenha triunfado de forma definitiva
sobre esta geração, sepultando todas as iniciativas de participação e transformação
social a partir do olhar da juventude.
Ora, se é verdade que a lógica mercantilizada do modelo capitalista tem conseqüência
direta nas relações de toda a sociedade conduzindo à máxima do "salve-se quem puder"
é verdade também que existem dentro desta mesma sociedade grupos e pessoas que
resistem e apostam em outras relações, baseadas na solidariedade e na busca do bem
comum, de modo que, também os jovens, são influenciados por essas múltiplas visões
da realidade coexistindo, portanto, entre as juventudes brasileiras tanto posições
mais conservadoras e individualistas quando posturas mais progressistas e
solidárias.
Segundo os pesquisadores Gustavo Venturi e Vilma Bokany[4], a noção de apatia
juvenil esbarra em problemas de três ordens, que denunciam a inconsistência desta
noção e a complexidade da questão da participação juvenil no cenário brasileiro:
a) o primeiro problema refere-se aos pressupostos de que as gerações anteriores
tenham sido majoritariamente progressistas. Em verdade, confunde-se uma "minoria
mitificada" com a suposta posição de toda a geração e constrói-se a imagem de que
toda a juventude dos anos 60 e 70 eram militantes revolucionários, o que em
definitivo não corresponde à realidade,
b) uma segunda questão diz respeito as interpretações apresentadas para a
participação política no Brasil. É importante frisar que não só entre os jovens há
um baixo nível de associativismo e participação, mas, pelo contrário, em todo o
conjunto da sociedade há uma crise de mobilização e engajamento político sendo que a
juventude em certa medida também reproduz essa tendência e, por isso, é acusada de
ser, sozinha, responsável por toda a crise de participação política do país.
c) Por fim, temos o problema das leituras parciais que desconsideram as novas
formas de associação juvenil e se esquecem de que, se é verdade que os jovens
quantitativamente se organizam menos nas modalidades tradicionais de associação
política (partido, sindicato etc.), é verdade também que, por outro lado, eles vêm
construindo modalidades novas de participação e luta por direitos (ONG’s, movimentos
ambientalistas, movimento negro, etc.) sem, contudo, abandonar por completo aquelas
que eram mais comuns nas gerações lhe antecederam.
Deste modo, destacamos aqui três aspectos, dentre vários outros possíveis, para a
defesa e mobilização em torno do voto aos 16 anos defendendo-o enquanto estratégia
importante para a elevação do nível de tematização social da juventude e para o
fomento a inclusão das demandas juvenis no debate eleitoral.
Um primeiro aspecto diz respeito a ruptura com o paradigma na apatia juvenil e
consiste em, por meio de uma participação ativa dos jovens dentre 16 e 17 anos no
processo eleitoral, demonstrar que não é verdadeira a tese de que toda a juventude,
ou melhor, todas as juventudes são desmobilizadas e apáticas politicamente.
Uma segunda dimensão refere-se ao incentivo à organização juvenil. Com a provocação
à participação eleitoral dos jovens é possível incentivar a criação de grupos em
interesse relacionados a essa questão como, por exemplo, a ação das redes,
juventudes partidárias e entidades de apoio que se mobilizam pela defesa do voto
adolescente como importante meio de interferência na discussão política do país.
Tais modalidades de mobilização social podem desempenhar um papel importante no que
tange a associação política de jovens, sobretudo se tais campanhas relacionam-se com
a promoção do voto crítico, do acompanhamento parlamentar, do engajamento social e
do controle dos candidatos após o processo eleitoral monitorando e fiscalizando suas
ações.
Por fim, o voto aos 16 anos pode significar ainda a inclusão do olhar dos jovens
sobre as políticas que lhe dizem respeito e, portanto, a qualificação do debate
sobre as políticas públicas de juventude dentro do processo eleitoral, suplantando o
velho modelo da tematização dos jovens como objeto das políticas para a concepção do
jovem como sujeito capaz de mediar, negociar, se contrapor e influir na constituição
do debate sobre juventude a ser travado dentro da perspectiva eleitoral.
Assim, está colocado para os(as) ativistas pelo direitos da juventude um bom debate
no que se refere ao voto aos 16 anos no sentido de que além de fomentar o
alistamento eleitoral, com o objeto de assegurar a garantia desse direito juvenil, é
importante ainda debater o voto dos jovens-adolescentes como possibilidade de
mudança e de transição geracional, desencadeando processos de mobilização política,
controle social e conscientização cidadã, certos(as) de que a eleição não será capaz
de, sozinha, mudar os rumos do país e da sua juventude, mas, cientes de que, sem
dúvida, ela representa um privilegiado momento para o debate por mais direitos e
mais participação.
[1] Felipe da Silva Freitas, 22
anos, presidente do Conselho Estadual de Juventude do estado da Bahia e
coordenador da Campanha nacional contra a violência e o extermínio de
jovens.
[2] Segundo o TSE só entre 2006 e 2002 houve um aumento de 39%
dos votantes com idade entre 16 e 17 anos.
[3] Segundo a Pesquisa
Perfil da Juventude Brasileira realizada pelo Projeto Juventude / Instituto
Cidadania, 54% afirmam que a política é muito importante, 53%
afirmam que a
democracia é sempre melhor do que qualquer outra forma de governo e
59%
afirmam que a participação popular nas decisões do governo é a melhor forma
para
resolver os problemas do país.
[4] VENTURI, Gustavo; BOKARY,
Vilma. Maiorias adaptadas, minorias progressistas. In:
ABRAMO, H.; BRANCO, P.
Retratos da juventude brasileira: análise de uma pesquisa
nacional. São
Paulo: Instituto Cidadania e Fundação Perseu Abramo, 2005.