Yeda Crusius e a corrupção na mídia. Por Altamírio Borges
Um lobista do PSDB acusado de integrar a máfia do Detran diz, numa carta escrita à governadora Yeda Crusius, que vários colunistas da mídia comercial foram pagos com dinheiro do esquema ilícito. Há muito que a mídia comercial mantém relações corrompidas com o poder, como prova Bernardo Kucinski no imperdível livro “O jornalismo na era virtual – ensaios sobre o colapso da razão ética”. A análise é de Altamiro Borges.
O jornalista Marco Aurélio Weissheimer, da Carta Maior, encontrou
uma pista para explicar o tratamento cordial – e tardio – dispensado pela mídia
hegemônica ao escândalo de corrupção no governo tucano de Yeda Crusius.
Pesquisando os documentos que o Ministério Público Federal apresentou contra a
quadrilha que roubou o Detran, ele descobriu que os líderes desta maracutaia
investiram na formação de opinião pública favorável bancando anúncios
publicitários nos jornais gaúchos. Um lobista do PSDB acusado de integrar a
máfia diz, numa carta à governadora, que vários colunistas da mídia comercial
foram pagos com dinheiro do esquema ilícito.
Na página 56 do documento, o
Ministério Público é taxativo: "O grupo investia não apenas na imagem de seus
integrantes, mas também na própria formação de uma opinião pública favorável aos
seus interesses, ou seja, aos projetos que objetivavam desenvolver. A busca de
proximidade com jornais estaduais, os aportes financeiros destinados a controlar
jornais de interesse regional, freqüentes contratações de agências de
publicidade e mesmo a formação de empresas destinadas à publicidade são
comportamentos periféricos adotados pela quadrilha para enuviar a opinião
pública, dificultar o controle social e lhes conferir aparente imagem de lisura
e idoneidade".
Colunistas ou mercenários?
O documento não
revela quais os jornais ou colunistas que prestaram o serviço sujo à máfia do
Detran. Diante da gravidade da denúncia, o Sindicato dos Jornalistas do Rio
Grande Sul enviou pedido à CPI que apura o caso para que sejam nominados os
profissionais e veículos, "pois não é justo que toda a categoria seja colocada
sob suspeição". Já os jornais estaduais – a rigor, existem apenas dois, Zero
Hora e Correio do Povo – fingiram-se de mortos diante da grave revelação do
MPF. Até agora, a imprensa gaúcha simplesmente nem citou o trecho do
documento.
Além das referências feitas pelo Ministério Público ao braço
midiático da máfia, outro indício do envolvimento de jornalistas aparece numa
carta do empresário Lair Ferst à governadora Crusius. Nela, o lobista tucano diz
ser vítima de campanha difamatória por parte de integrantes da máfia e cita o
conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, João Luiz Vargas, e José Antonio
Fernandes. Segundo confessa, a quadrilha "conta com uma série de colunistas de
vários jornais que tem remuneração paga por José Fernandes para plantar
notícias". As investigações da Polícia Federal indicam que Ferst se envolveu
numa briga interna no grupo pelo controle da rapina do Detran.
Colapso da ética no jornalismo
O lamentável, como afirma Marco
Aurélio, é que a imprensa nada divulgue sobre essas relações promíscuas. "Apesar
de todas essas informações, a mídia gaúcha decidiu silenciar sobre o tema.
Acusados, de forma generalizada, de ter recebido verba publicitária de
integrantes da quadrilha, os jornais do Estado não publicaram uma linha sequer
sobre esse assunto espinhoso". O mesmo tem ocorrido na mídia nacional. Mas o
ruidoso silêncio não é de se estranhar. Há muito que a mídia comercial mantém
relações corrompidas com o poder, como prova Bernardo Kucinski no imperdível
livro "O jornalismo na era virtual – ensaios sobre o colapso da razão
ética".
Ele mostra que sempre existiu no Brasil uma imprensa "marrom",
feita de matérias compradas e de deturpações grosseiras para favorecer grupos
econômicos e políticos ou simplesmente para vender mais jornal. Cita Assis
Chateaubriand, que ergueu seu império dos Diários Associados com base num
jornalismo inescrupuloso. "A corrupção é uma prática sedutora na indústria de
comunicação pelo fato de nela se combinar o poder de influenciar politicamente a
opinião pública com o poder econômico. Nenhuma outra indústria tem essa
característica. É uma prática também comum entre os jornalistas, por sua
proximidade no jogo de influência dos poderosos".
A corrupção
institucionalizada
Para ele, porém, a prática da corrupção adquiriu novos
e sutis contornos na era do jornalismo on-line e do predomínio da ditadura
financeira e da globalização neoliberal. Ela é mais patente no jornalismo
econômico, "que estabeleceu relações promíscuas e venais com o capital
financeiro. Analistas de bancos e corretores de valores conseguem ganhos
extraordinários nas bolsas ou mesas de câmbio por intermédio da disseminação de
notícias falsas ou falseadas… Com o colapso da Enron e de outras grandes
empresas norte-americanas na primeira crise da economia virtual em 2002,
descobriu-se que essas empresas faziam pagamentos volumosos a jornalistas de
prestígio pela redação de discursos e relatórios, forma disfarçada de comprar
seus favores".
A chaga da corrupção nos meios de comunicação e até entre
os jornalistas, que nunca é abordada pela própria mídia, teria ganhado impulso
com o neoliberalismo. "O projeto neoliberal implantou-se no país comprando votos
no Congresso e vendendo grandes empresas públicas a consórcios formados por meio
de acordos secretos que contaram com recursos dos bancos oficiais e de fundos de
pensão, obtidos às vezes com apoio em suborno. O neoliberalismo consagrou a
corrupção como padrão de negócios e da política. A própria ideologia neoliberal,
fundada no individualismo exacerbado, em sua versão latino-americana, alimentou
a corrupção".
Lembra que na campanha pela reeleição de FHC, "os barões
da imprensa se reuniram com ele em Brasília e fecharam totalmente com sua
candidatura. Assim, a corrupção nas empresas jornalísticas voltou à dimensão
institucionalizada e compartilhada de um grande projeto de classe". Ele aponta
ainda as práticas mais comuns de cooptação de jornalistas usadas por políticos e
empresas. Uma delas é o merchandising – a propaganda camuflada em programas de
entretenimento. "O exemplo mais notável e mais conhecido foi o da organização de
uma falsa ONG, chamada Brasil-2000, pelo presidente do BNDES, Luiz Carlos
Mendonça de Barros, para pagar jornalistas que pudessem fazer merchandising das
privatizações e, por tabela, da candidatura de FHC". Como se observa, Yeda
Crusius teve um renomado mestre de Sorbonne.
* Altamiro Borges é
jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical
e organizador do livro "Para entender e combater a Alca" (Editora Anita
Garibaldi, 2002).