2018, introdução a um ano desde já inesquecível. Por Luís Costa Pinto
Dentro de 12 dias o calendário gregoriano oferecerá aos brasileiros a 1ª data marcante desse desde já incrível 2018. Qualquer resultado saído do TRF-4, em Porto Alegre, que não seja a absolvição de Lula, será inaceitável.
Inaceitável, sim. Não há sequer uma nesga de prova capaz de levar um tribunal isento a condenar um ex-presidente da República por supostamente se beneficiar de um apartamento cuja posse jamais foi sua. A ausência de provas fez o juízo tortuoso de Sérgio Moro atribuir ao petista uma promessa de ocupação do imóvel.
A partir da sentença do dia 24 saberemos se 50 anos depois do inolvidável 1968 seguiremos tendo um ano inesquecível em nossas vidas.
Pode-se ser simpático ou refratário a Luiz Inácio Lula da Silva. Pode-se ser lulista ou antilulista. Mas admitir a condenação de um líder popular da dimensão do petista numa ação eivada de vícios e com sentença marcada por forte sotaque de ativismo e politização judiciais é o mesmo que ficar de joelhos e curvar a espinha para um tirano.
No caso, a tirania é o Judiciário que há bom tempo está a manipular as cordas de uma parcela da velha imprensa. Mídia títere.
A crise conjugal dessa mídia velhaca, que entre 2014 e 2016 foi concubina do Ministério Público e manteve relações bígamas com a ala populista do Judiciário, trouxe o país a esse impasse: encenar um julgamento “justo” de Lula para não fazer o Brasil descer mais uma dezena de degraus no rol de nações civilizadas e depois mandar às favas as aparências a fim de absolver a horda de corruptos encastelada no governo ora em curso. Puro teatro.
Há uma década era impensável vir a público escrever que se pode classificar o resultado de um julgamento colegiado de Tribunal Regional Federal como inaceitável. Do ponto de vista das instituições republicanas andamos tão para trás em 2017 que desmerecer uma sentença judicial agora se tornou prudente. Para alguns, até elegante.
A isso fomos reduzidos porque juízes viraram comentaristas de costumes. Alguns não se dão ao respeito e sequer preservam aparências em redes sociais. O plenário do Supremo Tribunal Federal, em algumas sessões, assemelha-se a uma rinha de galos. A presidência pusilânime da ministra Cármem Lúcia, quando deveria expressar liderança necessária a fazer calarem os colegas mais ariscos, autoriza qualquer um a contestar a autoridade daquilo que outrora era juízo final. Não é mais final, nem fatal.
Absolvido ou condenado, Lula será o grande personagem desse ano eleitoral. Candidato até o fim do pleito, certamente estará no 2º turno e tem chances razoáveis de vencê-lo. Se vencer, é claro que deverá tomar posse e governar. A dificuldade de construir um leito de governabilidade será imensa, porém não há outro caminho a percorrer a fim pacificar um país atropelado pela aventura do impeachment de 2016 – aventura originada pela união da irresponsabilidade de Aécio Neves com os métodos chantagistas de Eduardo Cunha.
Ainda é janeiro, o pleito só se dará em outubro. Logo, há tempo para os não-lulistas se convencerem do melhor caminho para derrotar o ex-presidente: as urnas, depois de transcorrida uma campanha onde sejam debatidos os diferentes projetos de país. Vencer Lula ao arrepio das leis e lançando mão do ilegítimo ativismo judicial deixará feridas profundas, e talvez insanáveis, na História brasileira.
Se ao cabo da saga eleitoral de 2018 consumar-se a tragédia e o eleito for o capitão Jair Bolsonaro, resultado que considero improvável, nada restará a fazer senão deixá-lo assumir e cobrar dentro das normas o alto preço dessa loucura. Creio, contudo, estarmos saudavelmente distantes de tal pesadelo.
Constroem-se alternativas de centro-direita tão viáveis e tão legítimas quanto a aspiração de Lula de voltar ao poder. Uma delas é a candidatura de Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados. A outra, a renovada esperança de alguns setores enjoados com a política e crentes da viabilidade eleitoral do apresentador Luciano Huck.
Experiências presidenciais fora do campo da política deram errado tanto à direita quanto à esquerda. O general Eurico Dutra só se elegeu porque Getúlio Vargas descarregou nele todo o prestígio pessoal –depois, sucedeu-o. A ditadura militar nos legou um país atrasado, canhestro, profundamente desigual. Fernando Collor de Mello, playboy megalomaníaco, foi usado para deter o caminho natural pós-ditadura: Leonel Brizola. Dilma Rousseff, por fim, acreditou que a difícil vitória de 2014 a legitimara na política –terminou engolida pelos políticos.
A sofisticada costura à qual se entrega Maia desde julho do ano passado, quando escolheu o caminho da lealdade a Michel Temer e resistiu bravamente às inúmeras chances de assumir a cadeira presidencial, fizeram-no galgar 50 anos em 5 meses na escala de maturidade política e institucional.
Na esteira das duas denúncias de corrupção derrubadas por Michel Temer às custas do erário e de novos e inacreditáveis paradigmas de fisiologismo e cooptação alcançados pelo Poder Executivo, o presidente da Câmara evitou atalhos e preservou a biografia. Naqueles momentos, ceder e ajudar a derrubar um governo que florescera como fruto de uma conspiração era possível, viável e seria encarado como jogo jogado.
Agora, bem mais à vontade no centro da ribalta brasiliense, credor do Palácio do Planalto e observador atento dos torpedos lançados contra si pela própria equipe palaciana inconformada com o upgrade político obtido, Rodrigo Maia afina a sintonia da própria candidatura.
O presidente da Câmara faz da simplicidade o eixo condutor de sua proposta e de seu pragmatismo. Dá entrevistas com a naturalidade dos artistas e dos atletas. Ao falar, evita raciocínios tortuosos e enfrenta bravamente os temas mais duros. Parece querer dizer, a todo momento, que é simples falar a verdade. E a partir desse ponto deslinda o que parece ser o esboço de um projeto de país – liberal, antagônico ao de Lula e do PT, mas um inegável olhar para a frente.
A existência desse esboço de projeto liberal desenhado pelo DEM a partir de Maia e de seus 2 coadjuvantes na modernização imposta à sigla nascida dos escombros do PFL, o prefeito de Salvador ACM Neto e o ministro Mendonça Filho, diferencia em tudo demistas de tucanos.
Pré-candidato do PSDB à Presidência, o governador de São Paulo Geraldo Alckmin parece estar sendo cristianizado (leia aqui o significado do termo) antes mesmo do início formal da campanha eleitoral. Desestabilizado pela lambança armada por Aécio Neves, o partido que ocupou o Planalto por 8 anos com Fernando Henrique Cardoso e chegou ao 2º turno nos últimos 4 pleitos presidenciais é hoje uma ruína. Sobre seus destroços os próprios filiados jogam sal, como a querer evitar que dali brote algum futuro.
O estepe conservador para uma alternativa externa à política, caso todas as outras se verifiquem frágeis ante Lula e a força do lulismo, é ainda o apresentador Luciano Huck. Aventuras não são aconselháveis na política. Nossa historiografia já nos ensina isso.
Os 2 impeachments brasileiros aconteceram durante mandatos de não-políticos, justamente porque a arrogância à flor da pele impediu-os de negociar com o Congresso, em que pesem as largas diferenças biográficas de Collor e de Dilma. No campo da ficção, Philip Roth especulou sobre o tema em Complô Contra a América: e se Charles Lindbergh, germanófilo assumido, houvesse vencido Franklin Roosevelt no pleito de 1940 evitando a aliança antinazista dos EUA com a Inglaterra, a União Soviética e a resistência francesa?
Huck não é um parvo. Longe disso. Tem formação, circula entre políticos –sobretudo tucanos– há alguns anos, buscou ampliar os horizontes da própria formação e possui sensibilidade social genuína. Mas nem o barro vermelho da Esplanada, nem o tapete verde da Câmara ou o azul do Senado, integram seus terreiros particulares. Os horizontes amplos dos entardeceres brasilienses não lhe caem com naturalidade. O apresentador global quer entrar no jogo, mas sinaliza que entra para ganhar. Quem conhece as regras da política sabe que o risco é inerente à atividade. Já os aventureiros são engolidos ou expelidos pelos profissionais. Logo, não se pode abrir a guarda para novas aventuras.
É por isso que dentro de 12 dias o calendário gregoriano oferecerá aos brasileiros a 1ª data marcante desse desde já incrível 2018, como foi dito no início desse texto. Tudo se organizará a partir da sentença proferida pelos 3 desembargadores encarregados de reformar ou confirmar o juízo de Moro sobre Lula.
É aconselhável, portanto, que os desembargadores federais de Porto Alegre deixem a política solucionar o destino dos políticos. Que se isentem de posicionamentos capazes de sugerir uma intromissão esdrúxula do Judiciário no processo eleitoral. Na esteira do processo de impeachment, em 2016, o Judiciário pecou por atos e omissões no campo político. Estamos numa encruzilhada e as alternativas possíveis podem nos conduzir ora pela estrada do sebastianismo, ora pela do cinismo, ora pelo do pragmatismo.
Se a Nação optar pelo cinismo representado pela aventura da negação da política terá sido a pior das escolhas –ainda assim, tendo sido feita nas urnas em processo regular, será dolorosamente legítima e nos caberá viver a experiência e suas consequências.
Absolvido ou condenado, o ex-presidente será o eixo que sustentará as 2 rodas nas quais se equilibra o país. À direita e à esquerda. Candidato até o fim, Lula é um player magnífico. Punido, afastado da cena mesmo à revelia das provas e ao arrepio do Estado de Direito, converte-se em movimento e pode ajudar a pôr um aliado no 2º turno.
Aventuro-me a apostar que o “plano B” do lulismo é o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad. Essa alternativa é sofisticada, e é competitiva. Tudo porque no afã de matar o PT, os adversários de Lula fortaleceram o lulismo. E o lulismo é mais perene do que o petismo. Rodrigo Maia parece ter enxergado isso antes de muitos, daí ter se dedicado a construir um projeto de país – e não um amontoado de imprecações contra “A” ou “B”. Haddad e Maia são políticos de uma nova geração. Antagonistas na forma de olhar o Brasil e o mundo, adversários políticos, são sábios para não deixar perseverar no país a lógica do confronto fraticida que vigorou sob inspiração de desqualificados como Neves e Cunha.
É por vislumbres do inusitado que a política fascina. E é por isso que não há caminho fora da política.
Luís Costa Pinto, 49 anos, trabalhou em publicações como Veja, Folha e O Globo. Teve livros e reportagens premiadas –por exemplo, “Pedro Collor conta tudo”. É sócio da consultoria Idéias, Fatos e Texto.
Artigo publicado originalmente em https://www.poder360.com.br/opiniao/lava-jato/julgamento-de-lula-ditara-um-ano-ja-inesquecivel-afirma-luis-costa-pinto/