Aldeia Nagô
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A beleza da Republica está no prazer de possuir essa obra humana eterna interminável. Por Mário Rosa

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Mario-Rosa

Ela já foi de muitos antes de mim. Cineastas passaram por ela. Músicos a possuíram. Ela já teve jornalistas, médicos. Muitos e muitos derramaram uma gota de seu gênio ou de seu encanto, de sua raiva ou de seu fascínio, de seus sonhos ou de suas frustrações sobre o seu leito. Porque ela não passa por nós. Nós é que passamos por ela.

Foi assim comigo. Será assim sempre com todos. E quando há esse encontro, todo esse legado de tudo que antes se passou se projeta e nos perguntamos: para onde seguir? Porque todos nós nos sentimos donos dela. E, ela, nos causa essa miragem, essa doce ilusão: ela é de todos e na relação com todos ela é de cada um. Está sempre tão intensamente entregue que parece ser o centro do universo.

Ela é uma obra humana. Foi uma filha rebelde. Tornou-se mãe, carinhosa, mas às vezes sufocante ou castradora. Já foi de esquerda, burguesa, pode ser qualquer coisa. Mas será sempre uma obra inacabada, eterna e interminável.

Quem tentou lhe dar uma forma humana, a viu como uma mulher exuberante, jovem. E mulheres assim são impulsivas e atraentes. Provocam revoluções, disputas, tumultos. Guerras são declaradas em nome de seu domínio. Vale tudo por ela. Tratados são rompidos, pactos são quebrados, alianças desfeitas, invasões perpetradas. Tudo para possuí-la. Doce quimera. Pois ela se entrega, mas não pertence a ninguém.

Por que ela está tão onipresente em nossas vidas e parece ser tão decisiva? Será uma alucinação nossa ou um encanto verdadeiro que ela nos inspira? A coisa pública tem pudores. Ela nos diz: tem certas coisas que você não pode fazer comigo. É pudica e refreia nossos desvarios mais sórdidos e vulgares. Mas se é minha por que não faço o que quero? Porque nunca haverá ninguém com relevância total na vida dela. Ao menos por todo o tempo. Porque ela fica e todos passam.

Então, o que cabe a nós? Cabe a nós usufruir ao máximo a nossa etapa. Fazer os ajustes que ela precisa, deixá-la melhor para os que virão e sorver cada segundo e gota da História que se desenrola em nossa frente. Porque se a relevância total é transitória, só há uma forma de deixarmos nossa marca na eternidade: sermos de alguma maneira relevantes no curso dela. Dai seremos lembrados, um dia, por aqueles que vierem depois e a possuírem: sim, aquele foi um fato histórico, que derrubou um regime ou –privilégio dos privilégios– provocou uma revolução.

(Nesses tempos de tanta desesperança e má vontade com a coisa pública, não há melhor forma de exaltar sua importância do que escrever sobre ela com o romantismo que poderia existir numa declaração de amor a uma linda mulher, a representação iconográfica clássica desse sistema. Mas como vivemos também tempos de diversidade de gênero, o que menos importa é a sexualidade do remetente ou do destinatário. O que importa é a jura de amor: democracia, eu te amo!)

‘Em tempos de diversidade de gênero, não importa a sexualidade do remetente ou do destinatário. O que importa é a jura de amor: democracia, eu te amo!’

Mario Rosa, 53 anos, é 1 dos mais renomados consultores de crise do Brasil. Pede que em sua biografia seja incluído o fato de ter sido jurado de miss Brasil e ter beijado o manto verde-rosa da Estação Primeira de Mangueira. Foi o autor do prefácio do primeiro plano de gerenciamento de crises do Exército Brasileiro. Atuou como jornalista, consultor e escreveu vários livros. O mais recente, “Entre a Glória e a Vergonha” (pela Geração Editorial), foi lançando também em formato digital pelo Poder360 e pelo UOL.

Artigo publicado originalmente em https://www.poder360.com.br/opiniao/brasil/uma-carta-de-amor-a-democracia-por-mario-rosa/

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